Nesta segunda-feira a Suframa abriga mais um debate sobre os destinos do Centro de Biotecnologia da Amazônia, um projeto que ainda não deu certo e que agora o MDIC, o ministério do Desenvolvimento, que se julga responsável pela encrenca, decidiu achar caminhos para sua elucidação. Há muita água para rolar sob esta ponte desde que ela se defina a unir aqueles que permanecem a margem de sua elucidação. É importante, do ponto de vista das entidades da indústria, o segmento social que financiou a empreitada, que este novo polo – que o CBA representa – o da biotecnologia focada na produção industrial da biodiversidade amazônica, leve em conta a conexão inteligente que se faz necessária. Nesse ponto de vista, algumas consultas já foram feitas para esta entidade, com a interveniência da SEPLAN-CTI. O que será feito com essas consultas? A indústria tem muito claro o papel complementar da biotecnologia no parque industrial. O Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) já publicou no Diário Oficial da União o edital para a seleção de candidatos ao Programa de Bolsas Pronametro para o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA). O curioso dos objetivos deste edital é que ele pretende conceder bolsas para apoiar projetos de desenvolvimento de produtos da biodiversidade, serviços técnicos especializados e gestão tecnológica no CBA, mas não menciona o modelo de gestão nem sugere uma estratégia para alcançá-lo. Seguimos, portanto, sem o CNPJ. E até quando ficará a cargo do Inmetro esta função gerencial, um organismo instalado no Rio de Janeiro, cuja missão e atribuição funcional é aferir a métrica dos produtos da indústria, bio e agroindústria.
“Interesse industrial?”
Diz o termo de referência, do edital mencionado, que as propostas devem ser desenvolvidas de acordo com as principais linhas de produtos estratégicos de Pesquisa & Desenvolvimento do CBA: fitoterápicos, cosméticos e aromáticos; alimentos; combustíveis de origem vegetal ou microbiana; e novos materiais da biodiversidade e aproveitamento de resíduos, com ênfase no “interesse industrial e econômico para a região amazônica”. O que isso significa? Neste momento, o interesse da indústria é o da sociedade para quem as empresas incentivadas querem devolver as vantagens fiscais recebidas. E nesse contexto cabe ao gestor local, a governança estadual, conduzir essa travessia. Qual é o protagonismo do Estado destas e nestas medidas? Quem elaborou esta lista certamente – e é o que se espera – sabe que essas linhas de apoio à pesquisa voltadas para o mercado podem e devem envolver os atores locais. Como trabalhar com biotecnologia sem atuar em fina sintonia e proativa parceria com o Biotério do Inpa, recém instalado na gestão Adalberto Val/Estevão Monteiro de Paula? Como abrir mão da expertise da Embrapa, Amazônia Ocidental e Oriental, para desenvolver os clones de seringueira, para enriquecer os seringais nativos ou desenvolver a produção extensiva melhor do que os ingleses fizeram na Malásia e demais domínios asiáticos há mais de cem anos? A indústria local precisa de látex para atender suas fábricas de motos, bicicletas e demais veículos utilitários da ZFM. Como atuar em novas matrizes econômicas sem ouvir o Estado e oferecer-lhe o protagonismo das decisões, prioridades, demandas e produtos com respostas rápidas para gerar novas fontes de arrecadação? O Inmetro, a partir do Rio de Janeiro – dá licença – vai ser coadjuvante das ações de interesse do Estado, jamais seu gestor.
Sem mágicas nem cartolas
O CBA é um Centro de Tecnologia que, por meio da inovação tecnológica, deve criar condições para o desenvolvimento ou aprimoramento de processos e produtos da biodiversidade amazônica. Administrado pela SUFRAMA, o CBA não vai resgatar sua credibilidade com soluções tiradas da cartola num clima de ciumeiras e animosidades que parece perdurar. O Inmetro é uma instituição de metrologia industrial, enquanto o Inpa dispõe de acervos preciosos, a Embrapa sabe fazer bioprodutos para o mercado e o Estado sabe onde o calo do sapato está apertando. Além deles, as entidades das empresas do setor produtivo como Cieam, Fieam, Faea, Fecomecio, Aca, entre outras, e as de Fomento, como a Afeam, os bancos públicos, as instituições de extensão rural, precisam formar um colegiado de avaliação e definição de prioridades. Não há mágicos e que não hajam cartolas, com saídas individualizadas. As bolsas do Edital são magras e a pressa de distribuí-las é porque os antigos bolsistas já foram embora, restaram os que têm animais de experimentos para cuidar. Essa distância do poder central das demandas locais só se resolve com a gestão de quem aqui vive e tem compromisso com os destinos e demandas da região.
O inferno (não) são os outros
Insistimos em apontar o dedo na cara dos ingleses para acusá-los de sequestrar as sementes da seringueira, plantar Hevea brasilienses em seus domínios asiáticos e implodir, há cem anos, o Ciclo da Borracha. Uma acusação leviana – como se o agronegócio do Brasil fosse o que é sem a soja, uma forrageira sagrada dos rituais milenares da China. Em 2003, o Brasil começou a figurar como o segundo produtor mundial, responsável por 52, das 194 milhões de toneladas produzidas em nível global ou 26,8% da safra mundial a caminho do topo no ranking. A patacoada gomífera serve apenas para disfarçar a omissão nativa de agregar a tecnologia do saber ao cultivo racional da seringueira, e ao desenvolvimento de aplicativos inteligentes ao seu uso, para perenizar a prosperidade da civilização do látex. Nessa segunda-feira, antes de saber se é agora que vai sair o CNPJ do CBA-Centro de Biotecnologia da Amazônia, será preciso evitar uma reprise preocupante e inquietante que faz lembrar a premissa do materialismo histórico que transforma em farsa a tragédia de uma estória sem agá que não pode mais uma vez se repetir. A estratégia de afastar a Suframa da direção, por falta de recursos humanos no objeto de interesse e missão do CBA, embora coerente, também se aplica ao Inmetro, cuja boa vontade – ou a expertise isolada de alguns setores – não o credencia a assumir os destinos da bioindústria local. Os atores locais, Estado à frente, podem conduzir a liturgia dessas promessas e virar o jogo das ladainhas que se ouve há 13 anos, uma tomada conjunta de decisão à luz do interesse da cidadania. Embrapa, Inpa, Ufam, Uea, Fucapi, Emílio Goeldi, entre outras instituições, podem e devem dizer e ajudar a fazer uma nova História de prosperidade a partir das riquezas da biodiversidade.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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