A democracia brasileira está diante de um divisor de águas.
Editorial BAA
Na noite de 16 de setembro, a Câmara dos Deputados aprovou a chamada PEC da Blindagem por 353 votos a favor e 168 contrários. O texto restabelece um poder que o Congresso havia perdido em 2001, após intensa pressão popular: o de barrar processos criminais contra seus próprios membros. O dispositivo, derrubado há mais de duas décadas justamente por ser símbolo da impunidade, volta agora mais amplo e mais sombrio.
Vejamos: a votação secreta para autorizar processos e prisões de parlamentares; a suspensão de processos em andamento, que ficariam congelados até o fim do mandato; a extensão do foro privilegiado a presidentes de partidos; ou seja, uma blindagem revigorada também na esfera cível, alcançando ações de improbidade e bloqueio de bens.
O caso Rueda – céu turbulento
Enquanto a Câmara blindava a si mesma, uma denúncia ganhou as manchetes. Antônio Rueda, presidente nacional do União Brasil, foi citado em depoimento de um piloto como dono de quatro aeronaves executivas ligadas à empresa de táxi aéreo investigada por operar voos para o PCC (Primeiro Comando da Capital). Segundo o depoimento, Rueda seria parte de um grupo que “tinha muito dinheiro e precisava gastar”.

O piloto afirmou ter transportado dezenas de vezes figuras associadas à facção criminosa. Rueda nega qualquer envolvimento, diz nunca ter comprado aeronaves e acusa tentativa de ligação infundada de seu nome a ilícitos. O detalhe é simbólico, a denúncia surge justamente no momento em que o Congresso aprova uma PEC que coloca um colete à prova de Justiça nos ombros de parlamentares e líderes partidários.
Quando a blindagem encontra o crime
Não é preciso esforço para ver a conexão. Se a PEC da Blindagem for promulgada:
- Casos como o de Rueda poderiam ser engavetados pelo próprio Congresso, sem que a sociedade sequer saiba quem votou pelo arquivamento.
- O foro privilegiado ampliado alcançaria até presidentes de partidos, como é o caso de Rueda, transferindo a decisão final sobre investigações para a arena política.
- A blindagem poderia congelar processos já em curso, atrasando ou inviabilizando responsabilizações em casos de alta gravidade.
O risco é transformar suspeitas de crime organizado em mais um item protegido pelo escudo da impunidade institucional.
O custo da patifaria
O Congresso brasileiro custa R$ 15 bilhões por ano, cifra que coloca o Parlamento entre os mais caros do mundo. Ao invés de ampliar direitos sociais, como a prometida isenção do Imposto de Renda, dedica energia a blindagens. Enquanto isso, mais de 80 processos contra parlamentares correm no STF, a maioria relacionada a desvios de emendas parlamentares — que movimentam cerca de R$ 50 bilhões anuais. A PEC aparece como resposta direta a esse cerco judicial.
A ofensa ao eleitor
Segundo o Datafolha, 8 em cada 10 brasileiros acreditam que o Congresso age em benefício próprio. A aprovação da blindagem confirma a percepção: a democracia de fachada, em que a lei vale apenas para os de baixo. Ao blindar-se, o Congresso ofende o eleitor e o contribuinte, que financiam a máquina pública e esperam transparência. Ao cruzar esse movimento com denúncias que envolvem aviões, milionários e o PCC, a patifaria ganha escala de escândalo nacional.
Efeito cascata da impunidade
Se a PEC avançar no Senado, o efeito será cascata, assembleias legislativas e câmaras municipais podem imitar a fórmula, criando uma rede de autoproteção institucionalizada. A política se transformaria em fortaleza, e a Justiça em miragem.

O remédio contra a patifaria
A democracia brasileira está diante de um divisor de águas. Ou a sociedade reage, como em 2001, derrubando o escudo da impunidade, ou aceitará viver sob o regime do “liberou geral”. O remédio não é a descrença, mas a ação.
Voto consciente; Fiscalização cidadã e Indignação organizada. Blindagem é sinônimo de covardia. Democracia é sinônimo de responsabilidade. E só há um antídoto para a patifaria: mais Democracia