A densidade de aves nos novos bancos de maré afetados pelo avanço do mar é quase dez vezes menor em comparação com as zonas tradicionais mais antigas, que continuam sendo preferidas pelas aves por sua maior produtividade biológica
O avanço do nível do mar, por mais silencioso que pareça, está gradativamente transformando os ecossistemas costeiros do norte do Brasil de forma preocupante para a biodiversidade local. Conhecido como transgressão marinha, esse processo está fazendo com que o mar invada áreas de terra firme, alterando profundamente o equilíbrio ecológico dessas regiões.
Segundo um estudo publicado na revista Environmental Research Letters e repercutida no g1, esse fenômeno cria bancos de maré ao longo da costa do Amapá. No entanto, esses ambientes emergentes não oferecem as condições adequadas para espécies migratórias que utilizam essas zonas como áreas de alimentação durante suas jornadas.

Assim, a pesquisa, que analisou cerca de 630 km de litoral amazônico, constatou que aves migratórias como o maçarico-rasteirinho (Calidris pusilla) e o maçarico-de-bico-torto (Numenius hudsonicus) estão evitando essas novas formações. O principal motivo é a escassez de invertebrados — sua principal fonte de alimento — nessas áreas recém-formadas.
O impacto é expressivo: a densidade de aves nos novos bancos de maré é quase dez vezes menor em comparação com as zonas tradicionais mais antigas, que continuam sendo preferidas pelas aves por sua maior produtividade biológica. Com a perda desses pontos de apoio, todo o ciclo migratório é comprometido.
“O aumento do nível do mar é um fenômeno diretamente relacionado ao aquecimento global e já estamos observando mudanças rápidas em áreas costeiras. Várias tentativas de mitigar diretamente esses impactos no Brasil tem perfil reacionário, insuficiente, funcionalmente temporário e, em sua maior parte, voltado à proteção de investimentos imobiliários e interesses turísticos, às vezes em detrimento de outros locais”, pontua Jason Mobley, gerente do Programa Aves Migratórias da Aquasis, ONG envolvida na pesquisa.

“Esses efeitos podem comprometer não apenas o ciclo biológico das aves, mas também as cadeias ecológicas desde o Ártico ao sul da América do Sul, incluindo a reprodução e a manutenção das populações ao longo do tempo”, alerta José Onofre Monteiro, coordenador de monitoramento do Programa Aves Migratórias, ao g1.
Segundo os pesquisadores, enfrentar os impactos do avanço do mar sobre os ecossistemas costeiros e as aves migratórias exige uma abordagem estruturada e de longo prazo. Não bastam ações pontuais ou localizadas: é necessário atacar o problema em sua origem, ou seja, na crise climática impulsionada pelas emissões de gases de efeito estufa. A solução passa pela redução significativa do consumo de combustíveis fósseis e pela transição para fontes de energia renovável.
Conforme destacou o pesquisador Mobley, a meta para mitigar efetivamente os impactos sobre as aves migratórias deve priorizar o uso de energias limpas e sustentáveis de forma planejada. Trata-se de uma mudança sistêmica e integrada, que demanda esforços coordenados entre governos, setor produtivo, sociedade civil e comunidades locais.