Decisão de Trump de retirar os Estados Unidos das negociações climáticas globais reacende o negacionismo climático e deixa para a COP30 o desafio de manter o ritmo da descarbonização global.
Com o governo norte-americano fora da COP30, realizada em novembro em Belém (PA), caberá a outras potências sustentar o avanço da ação climática global. A decisão do presidente Donald Trump de retirar novamente os Estados Unidos do Acordo de Paris e desmontar políticas de energia limpa criou um vácuo político em um momento decisivo para o planeta.
Segundo análise da Universidade de Princeton, a reversão das políticas de energia limpa pode adicionar até 470 milhões de toneladas de emissões anuais até 2035. Mesmo assim, especialistas avaliam que a descarbonização mundial não deve parar, apenas mudar de protagonistas.
China amplia poder e influência, mas ainda depende de carvão
A China, maior emissora de gases de efeito estufa, lidera a transição energética global. O país é o principal produtor mundial de painéis solares, turbinas e veículos elétricos e prevê reduzir suas emissões entre 7% e 10% até 2035.
Analistas consideram que as metas poderiam ser mais ambiciosas, mas fatores como a desaceleração econômica e a prioridade ao crescimento interno limitam avanços. Ainda assim, a China costuma superar suas próprias projeções.
O principal ponto de crítica é a continuidade da construção de usinas a carvão, que respondeu por 90% do uso global do recurso em 2024. O governo justifica a expansão como medida para garantir segurança energética diante da variabilidade das fontes renováveis.
Na COP30, a expectativa é que a China apoie o Brasil em pautas como financiamento climático a países em desenvolvimento e preservação florestal.
Brasil pretende liderar pelo exemplo
País-sede da COP30 e nação com a maior porção da Amazônia, o Brasil é apontado como potencial líder climático. Um dos seus principais focos deve ser a preservação de florestas. Em setembro, o governo Lula lançou o fundo Tropical Forests Forever, com aporte inicial de US$ 1 bilhão. O mecanismo visa remunerar países pela conservação de florestas e já conta com contribuições da Noruega (US$ 3 bilhões), Indonésia (US$ 1 bilhão) e França (US$ 500 milhões), totalizando mais de US$ 5 bilhões.
Apesar dos avanços, persistem contradições. As metas climáticas brasileiras ainda são vistas como modestas e projetos como a pavimentação de rodovias na Amazônia e a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas geram questionamentos sobre a coerência da política ambiental.
O ecólogo Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), destaca que o Brasil poderia zerar emissões com pouco impacto econômico. “Encerrar o desmatamento teria impacto mínimo no PIB e enorme efeito sobre o clima global”, afirma. Além disso, o país possui vastas áreas com condições ideais para energia solar e eólica e que não são aproveitadas.
Índia acelera e se antecipa ao cronograma
A Índia, quarta maior emissora do mundo, atingiu cinco anos antes do previsto sua meta de gerar 50% da eletricidade a partir de fontes não fósseis. O país mantém o foco na independência energética e na expansão das renováveis como estratégia de segurança nacional.
Mesmo com forte dependência do carvão, a Índia vem substituindo gradualmente parte da matriz por energia solar e eólica. O avanço ocorre apesar da lentidão na chegada dos recursos prometidos pelos países ricos.
Europa enfrenta retrocesso político
Com os EUA fora de cena, esperava-se que a União Europeia ocupasse o vácuo de liderança. No entanto, a ascensão de movimentos populistas e disputas internas entre os 27 países vêm travando novas metas.
O Pacto Verde Europeu segue como o mais ambicioso conjunto de políticas climáticas já adotado por um bloco econômico, com redução de 37% das emissões desde 1990. Mas propostas recentes para cortar 90% das emissões até 2040 enfrentam resistência, especialmente após o aumento dos custos de energia.
Estados e cidades norte-americanas resistem
Nos Estados Unidos, a ausência de coordenação federal tem sido parcialmente compensada por iniciativas locais. Mais de 200 cidades e 24 estados estabeleceram metas próprias de energia limpa.
A Califórnia, por exemplo, reduziu suas emissões em 23% desde 2004 e pretende alcançar a neutralidade de carbono até 2045. O Texas, tradicional bastião republicano, tornou-se líder em geração eólica. Coalizões como a US Climate Alliance e o movimento America Is All In representam uma frente paralela de ação climática.
Um novo mapa de poder climático
Com os EUA fora do centro das decisões, a COP30 promete redesenhar o quadro da diplomacia climática. A expectativa é de que o protagonismo seja compartilhado entre China, Índia, União Europeia e o próprio Brasil.
Para a cientista política Leah Stokes, da Universidade da Califórnia, a mudança é mais simbólica que estrutural. “Não significa um retrocesso na descarbonização global, apenas uma troca de mãos no volante.”