A Amazônia e o preço da impunidade: o papel do setor produtivo na virada do desmatamento

“A missão da indústria e das entidades empresariais, como o SINAEES-AM, é provar que a economia da legalidade — baseada em ciência, tecnologia e respeito à floresta — é mais competitiva, mais duradoura e mais digna, e representa o verdadeiro caminho para a virada do desmatamento.”

O desmatamento da Amazônia é muito mais do que uma tragédia ambiental — é um erro econômico, jurídico e moral que ameaça o próprio futuro do país. Áreas públicas são invadidas e destruídas sob a expectativa de que, mais cedo ou mais tarde, serão regularizadas como propriedades privadas. Esse ciclo perverso, sustentado por incentivos distorcidos, premia a ilegalidade e castiga quem produz dentro da lei. O resultado é a multiplicação de grilagens, a perda de patrimônio público e a erosão da credibilidade do Brasil diante do mundo.

Segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), a ocupação ilegal de terras públicas respondeu por 51% do desmatamento entre 2019 e 2021. São 50 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas — uma área duas vezes e meia o território do Paraná — vulneráveis à apropriação criminosa. Trata-se de um mercado informal de terras que gera lucros rápidos a poucos e prejuízos duradouros a todos.

O custo invisível do desmatamento

A regularização fundiária mal desenhada agrava o problema. Um estudo do Imazon, liderado por Brenda Brito, estimou que a legalização de 19,6 milhões de hectares de ocupações ilegais por preço abaixo do mercado geraria perda pública entre US$ 16,7 e 23,8 bilhões. Mas o dano não é apenas financeiro: é sistêmico.

Pesquisas da Universidade de São Paulo mostram que o desmatamento é responsável por 74% da redução de chuvas durante os períodos de estiagem e por 16,5% do aumento das temperaturas. A floresta, ao ser destruída, interrompe o ciclo da água que alimenta a agropecuária e a matriz energética do país.

virada do desmatamento
Marcio Vieira/Secom-TOFonte: Agência Senado

Estudo da Climate Policy Initiative/PUC-Rio revelou que a queda na umidade amazônica já reduz a produtividade das hidrelétricas e os lucros do setor energético. A destruição da floresta está, portanto, minando a base da economia nacional.

O Banco Central do Brasil também reconhece o impacto: eventos climáticos extremos aumentam a inflação e ameaçam a estabilidade fiscal. Em 2024, 44% das instituições financeiras relataram efeitos diretos desses eventos — mais que o dobro de 2023. A crise climática deixou de ser previsão: é uma realidade que já altera preços, crédito e produtividade.

A impunidade como incentivo perverso

O lucro da destruição é potencializado pela sensação de impunidade. Um levantamento de Brenda Brito sobre 526 decisões judiciais contra grilagem na Amazônia Legal mostra que apenas 7% resultaram em condenações. Em 33% dos casos, o crime prescreveu antes mesmo de julgamento. O recado é devastador: invadir terra pública e desmatar ainda é uma aposta de baixo risco e alto retorno.

A lógica financeira é simples — para mudar comportamentos, é preciso mudar incentivos. E isso exige reformas estruturais nas políticas fundiárias e na gestão do território.

Caminhos de uma economia que protege

Destinar as florestas públicas não destinadas: 

São mais de 50 milhões de hectares que precisam ser alocados com base em prioridades constitucionais e de conservação. Isso significa transformá-las em unidades de conservação, reservas extrativistas, territórios indígenas e áreas de pesquisa científica. A destinação é a vacina contra a grilagem.

Articulação federativa e compensação verde:

Dos 50 milhões de hectares vulneráveis, 19 milhões estão sob jurisdição federal e 31 milhões sob controle dos estados. O governo federal pode estimular a criação de áreas protegidas trocando parte dessas iniciativas por redução de dívidas estaduais com a União — hoje em torno de R$ 8,8 bilhões — e ampliando programas de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) ligados à regulação do clima e à produção de chuvas.

Integrar cadastros fundiários e ambientais:

A falta de integração entre o Cadastro Ambiental Rural (CAR), o Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF) e os registros estaduais cria brechas para fraudes. É essencial cruzar dados, tornar os registros públicos e impedir que áreas griladas sejam legalizadas.

A contribuição do setor produtivo

O setor privado, especialmente o industrial, pode e deve ir além de gerar empregos. Na Amazônia, a indústria legal é o maior ativo ambiental do país — produz riqueza sem derrubar floresta. A Zona Franca de Manaus, modelo de desenvolvimento que remunera o carbono em pé, já demonstrou que é possível prosperar com sustentabilidade.

Empresas comprometidas com critérios ESG, rastreabilidade e inovação limpa precisam ser vistas como aliadas estratégicas de uma nova política de Estado para a Amazônia. O desafio é transformar a floresta em ativo econômico e não em obstáculo.

A economia da destruição ainda resiste porque é mais simples, mais imediata e mais tolerada. Até quando?

A floresta em pé não é o fim do desenvolvimento. É o começo de uma nova civilização.

Rildo Silva
Rildo Silva
É empresário e presidente do SINAEES – Sindicato da Indústria de Aparelhos EletroEletrônicos e Similares e membro da Comissão ESG do Centro da Indústria do Estado do Amazonas.

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