Amazônia por nós mesmos: conversando a gente se entende e se defende

“O tempo da submissão terminou. Agora é hora do protagonismo amazônida — com escuta, respeito, espírito público e ação. Conversando, a gente se entende. E se defende.”

A cada novo ciclo de promessas sobre a Amazônia, voltamos ao ponto inicial: quem fala por nós? A ideia de transformar a Amazônia em uma Zona Franca da Biodiversidade pode parecer generosa, mas ela precisa, antes de mais nada, ser legítima — e, para isso, precisa nos ouvir. Não se constrói um novo modelo de desenvolvimento para a floresta sem seus verdadeiros guardiões: os amazônidas.

Projetos florescem em gabinetes refrigerados longe do Beiradão, nos salões de Nova Iorque ou nos editais europeus, mas a floresta continua aqui, firme, complexa e habitada. Não somos contrários a investimentos em bioeconomia, agroflorestas ou restauração produtiva. Mas fazemos uma exigência inegociável: participação. Somos nós que conhecemos as chuvas, os ciclos, os saberes e os desafios. Não aceitamos mais ser espectadores de planos grandiosos feitos à revelia das comunidades.

Bioeconomia como direito — e não apenas oportunidade

É louvável que empresas como Mercedes-Benz, Mitsui e Hydro anunciem investimentos em bioeconomia no Pará, como o recente Projeto Corredor, lançado durante a Semana do Clima de Nova York. Com R$ 100 milhões previstos ao longo de 10 anos, o programa promete fomentar cadeias sustentáveis em sete municípios, beneficiando comunidades quilombolas e ampliando a rastreabilidade de produtos como cacau, dendê, açaí e créditos de carbono. Uma startup brasileira, a Belterra, será a executora técnica.

A iniciativa, por si, é um sinal de reaproximação com as comunidades, após uma série de denúncias ambientais contra a mineradora. Mas cabe uma reflexão: em que medida essas ações representam um novo paradigma ou apenas uma remediação tardia? E, mais importante: por que a Zona Franca de Manaus, que há mais de 50 anos realiza integração produtiva com sustentabilidade, não é mais valorizada como vetor de bioeconomia?

ZFM: fio da meada para a economia e bioeconomia real

Temos, no coração da floresta, uma das maiores plantas industriais do Brasil. O Polo Industrial de Manaus gera meio milhão de empregos, financia integralmente a UEA (maior universidade multicampi do país) e investe anualmente mais de R$ 2,5 bilhões em pesquisa, desenvolvimento e inovação. É, importante sublinhar, responde por 30% da geração de riqueza e oportunidades de toda Região Norte. Isso não é promessa. É realidade viva.

laboratorio bioeconomia UEA impressionismo arte IA

Mais que isso: estamos ampliando a conexão entre indústria e floresta. A inclusão de insumos regionais como borracha natural, resinas, óleos, sementes e extratos amazônicos fortalece a regionalização da economia e alimenta setores de ponta como cosméticos, fármacos, nutracêuticos e biotecnologia. Essa simbiose é o verdadeiro DNA de uma bioeconomia com raízes.

Se o Pará, o Amapá ou qualquer outro estado da Amazônia Legal deseja construir suas Zonas Francas da Biodiversidade, que o façam. Sempre em mutirão como fazem nossos antepassados sem ninguém passar por cima de ninguém? E que não se repita a lógica da divisão imperial, descrita por Maquiavel e denunciada por nosso eterno jesuíta, padre Antônio Vieira: “Eles defendem seus interesses em nossos bens, e não no nosso bem”.

Sentar-se à mesa: Amazônia com voz e vez

A legislação da ZFM tem isenção de cerca de 80% para insumos regionais, o que permite sinergias interestaduais. Nada nos impede de integrar esforços com o Pará, por exemplo, para consolidar uma plataforma amazônica de inovação e soberania produtiva. Mas é fundamental que essas propostas sejam realistas, diagnósticas e fiscalmente responsáveis. A criação de novas Zonas Francas exige critério, não espetáculo.

Por isso, defendemos com veemência que os parlamentares da região sejam consultados e que as comunidades tradicionais e ribeirinhas participem ativamente das decisões. A Amazônia não é laboratório de experiências alheias. Ela é terra viva, com história, gente e saberes milenares.

Compromisso Inadiável

É natural que outros estados da federação queiram uma Zona Franca para chamar de sua. Mas o Amazonas – por ser uma região remota – é, por natureza e por direito, referência nacional e global de modelo socioeconômico sustentável. Somos e seremos alvos de parcerias, promessas e — por vezes — miragens. Mas se estivermos juntos, alinhados, firmes na defesa da floresta em pé com indústria de pé, teremos condições de dizer: não em nosso nome. O tempo da submissão terminou. Agora é hora do protagonismo amazônida — com escuta, respeito, espírito público e ação. Conversando, a gente se entende. E se defende.

Nelson Azevedo
Nelson Azevedo
Nelson Azevedo é economista, empresário, presidente do Sindicato da Indústria Metalúrgica, Metalomecânica e de Materiais Elétricos de Manaus, conselheiro do CIEAM e vice-presidente da FIEAM

Artigos Relacionados

Relatório da Oxfam expõe como a transição energética desigual repete lógica colonial

Relatório da Oxfam alerta que a transição energética desigual repete padrões coloniais e amplia injustiças sociais e ambientais.

Estudo indica que expandir áreas verdes nas cidades pode ajudar a combater insegurança alimentar e crise climática

Forrageamento urbano desponta como estratégia sustentável para garantir segurança alimentar nas cidades e promover resiliência climática.

10 plantas e árvores da Amazônia que podem ser cultivadas em quintais e jardins

Descubra 10 plantas amazônicas que podem ser cultivadas em casa, com dicas práticas de cuidados para vasos, quintais e jardins.

Guiana: a nova distração para a logística do Amazonas

"A disputa por recursos revela que a logística do...

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor, insira seu comentário!
Digite seu nome aqui