A reforma tributária é certamente um marco importante, mas a sua implementação deve ser acompanhada de perto em todas as suas etapas. O equilíbrio entre simplificação fiscal e autonomia política é crucial para que o sistema tributário seja não apenas eficiente, mas também justo e sustentável para todos os entes que integram a federação brasileira
Por Luan Silva Seminário
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A reforma da Emenda Constitucional n.º 132/23 trouxe inegáveis avanços ao sistema tributário brasileiro. A substituição de diversos tributos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) simplifica o complexo cenário fiscal, reduzindo custos administrativos e eliminando disputas sobre competências tributárias. A mudança representa um alívio para empresas e contribuintes, que terão maior clareza sobre suas obrigações fiscais.
Indo além, as mudanças do novo sistema trazem consigo maior equidade tributária e justiça fiscal, com a criação de instrumentos voltados à redução de distorções regionais e à promoção de ambientes competitivos, como é o exemplo do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) que foi alçado pela Constituição como instrumento de fomento ao desenvolvimento e ao equilíbrio das desigualdes regionais ou ao mecanismo de cashback que, por meio da devolução de tributos para consumidores de baixa renda, visa aliviar o peso dos impostos sobre as camadas mais vulneráveis da população.
A histórica “guerra fiscal” entre os Estados também não ficou à margem das inovações da reforma. O texto da emenda constitucional cuidou de instituir o princípio da tributação baseada no destino, priorizou assim maior transparência e melhor previsibilidade das exações tributárias, fortalecendo consequentemene a confiança no sistema tributário.
Os méritos, no entanto, não podem ofuscar os desafios trazidos pela Emenda Constitucional n.º 132/23, principalmente no campo da autonomia financeira dos Estados. No regime atual, cada Estado e Município possui sua própria “caixa de ferramentas” fiscal. O ICMS e o ISS aparecem como protagonistas dentre as ferramentas à disposição destes entes subnacionais e ajuda a moldar prioridades locais e a atrair investimentos.
No novo regime, essas ferramentas serão substituídas pelo IBS, um imposto gerido por um Comitê nacional. A ideia de padronização é ótima na teoria, mas, na prática, existe certa preocupação com a diminuição do controle dos Estados e Municípios sobre como será a arrecadação e o gasto de seus recursos.
A dependência dos Estados ao FNDR para a compensação de perdas arrecadatórias é, de igual modo, tema sensível, pois existe o risco deste repasse ser insuficiente, o que pode tornar os Estados vulneráveis às políticas nacionais e prejudicar sua capacidade de atender demandas locais.
A medida preventiva destes cenários hipotéticos passa por uma atuação decisiva dos representantes estaduais no Congresso Nacional. A regulamentação da reforma deve equilibrar os avanços trazidos pela simplificação tributária com a preservação da autonomia estadual. Instrumentos legais claros que assegurem essa autonomia são indispensáveis para garantir que os Estados possam continuar atendendo às necessidades específicas de suas populações.
Além disso, é imprescindível que exista uma coesão estratégica entre o Poder Executivo local e os parlamentares dos Estados atuantes no Congresso. A falta de alinhamento entre esses atores pode enfraquecer a defesa dos interesses do Estado no processo de regulamentação da reforma. Sem essa união, os entes subnacionais correm o risco de se tornar meros coadjuvantes em um novo sistema com características centralizadoras, prejudicando o desenvolvimento local.
A reforma tributária é certamente um marco importante, mas a sua implementação deve ser acompanhada de perto em todas as suas etapas. O equilíbrio entre simplificação fiscal e autonomia política é crucial para que o sistema tributário seja não apenas eficiente, mas também justo e sustentável para todos os entes que integram a federação brasileira.
Luan Silva Seminário é advogado, mestrando em Direito Universidade de Brasília (UnB) e especialista em Direito Tributário pela PUC-MG.