COP30: Especialistas destacam cinco pontos para entender o legado e as lacunas da conferência

Entre retrocessos na agenda dos fósseis, disputas por financiamento e mobilização histórica de povos indígenas, a COP30 deixa legados importantes e lacunas que pressionam a COP31.

A COP30, realizada em Belém, encerrou-se em 21 de novembro com a aprovação do chamado “Pacote de Belém”, um conjunto de 29 decisões acordadas por consenso entre as 195 partes. O documento trata de temas como a transição justa para o abandono dos combustíveis fósseis e o compromisso de triplicar os recursos para adaptação climática até 2035, embora sem detalhar de que forma esse objetivo será alcançado. 

Entre os avanços desta edição, destaca-se a participação da sociedade civil, com protagonismo de povos indígenas, juventudes, movimentos sociais e representantes de comunidades tradicionais, que ocuparam espaços de mobilização, ampliando o debate sobre justiça climática. Nesse cenário, especialistas destacam cinco pontos centrais para compreender os legados, silêncios e disputas que marcaram o encontro.

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aparece ao lado da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, do presidente da COP30, André Corrêa do Lago e da CEO da conferência, Ana Toni, durante coletiva de imprensa no evento. Foto: PABLO PORCIUNCULA/AFP via Getty Images

1. Combustíveis fósseis: Avanço político, retrocesso nos compromissos

“Ao sairmos de Belém, esse momento não deve ser lembrado como o fim de uma conferência, mas como o início de uma década de mudança”, afirmou André Corrêa do Lago, presidente da COP30. Ainda assim, chamou atenção a ausência de uma menção explícita aos combustíveis fósseis no texto final, embora sejam os principais responsáveis pelo aquecimento global.  

Apesar da expectativa de incluir um “Mapa do Caminho” para eliminar gradualmente os combustíveis fósseis, o tema foi barrado nas negociações formais e ficou ausente do texto final. Ainda assim, o assunto ganhou força política: o número de países apoiadores da proposta subiu de 1 para 82 e uma conferência paralela já está marcada para 2026 na Colômbia.

A ausência de qualquer menção aos fósseis no documento final, no entanto, evidencia a força dos países produtores e a dificuldade de avançar no cerne da crise climática.

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Foto: Ricardo Stuckert/PR/COP30/Divulgação.

2. Financiamento climático: Promessas ampliadas, mecanismos frágeis

Foi anunciado o compromisso de triplicar os recursos destinados à adaptação climática até 2035, dentro do Novo Objetivo Quantificado Coletivo (NCQG), com meta inicial de US$ 300 bilhões por ano. No entanto, a maior parte desse montante continua atrelada a empréstimos e mecanismos financeiros não adequados para países mais vulneráveis, o que pode aprofundar desigualdades e dívidas. Especialistas apontam a necessidade urgente de fundos com base em doações e recursos concessionalmente estruturados.

3. Participação da sociedade civil: Presença simbólica, impacto histórico

A COP30 registrou o maior número de indígenas já presentes em uma conferência do clima, mais de 5 mil pessoas de diferentes povos. No entanto, apenas 360 receberam credenciais para a “zona azul”, o espaço onde ocorreram as negociações oficiais, enquanto mais de 1.600 credenciais foram concedidas a representantes da indústria de combustíveis fósseis. 

O contraste escancara a assimetria de vozes no processo decisório. Ainda assim, os protestos e mobilizações diárias, como a marcha com 50 mil pessoas em Belém, impulsionaram conquistas concretas, como o reconhecimento de novos territórios indígenas durante a COP30. Apesar da limitação dos espaços institucionais, a ação da sociedade civil – especialmente dos povos originários – garantiu que pautas importantes não fossem ignoradas.

Marcha global indígena, protesto na COP30 em Belém.
Foto: Bruno Peres/Agência Brasil.

4. Uma COP na Amazônia: Importância e conflitos

Segundo especialistas, realizar a COP em um território amazônico teve um impacto simbólico importante. Para muitos negociadores, estar em Belém permitiu um contato mais direto com a complexidade ambiental, social e cultural da região, humanizando debates antes tratados de forma distante. 

No entanto, os desafios logísticos e as contradições estruturais do evento evidenciaram os dilemas da chamada “transição justa”. Um exemplo marcante foi o uso de navios de cruzeiro para acomodar delegações diante da escassez de hospedagem. A medida gerou críticas, uma vez que as embarcações podem emitir até oito vezes mais gases de efeito estufa por pessoa do que um hotel. Em um território marcado por complexidades, a COP30 escancarou o abismo entre o discurso climático e sua realização prática.

5. O que esperar da COP31: Mandatos pendentes e urgências globais

A conferência deixou tarefas para a próxima COP, na Turquia. Dentre elas, criar um plano concreto para o abandono dos combustíveis fósseis; definir mecanismos justos de financiamento climático e fortalecer os compromissos nacionais (NDCs). A continuidade do “Mutirão Global” pelo fim dos fósseis e a pressão por justiça climática são vistas como pautas mandatórias para que a COP31 saia da inércia e se aproxime, de fato, dos objetivos do Acordo de Paris.

Bandeira da turquia.
Foto: Unsplash

Bruna Akamatsu
Bruna Akamatsu
Bruna Akamatsu é jornalista e mestre em Comunicação. Especialista em jornalismo digital, com experiência em temas relacionados à economia, política e cultura. Atualmente, produz matérias sobre meio ambiente, ciência e desenvolvimento sustentável no portal Brasil Amazônia Agora.

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