A exploração de petróleo na Margem Equatorial levanta sérias preocupações ambientais e climáticas, sendo crucial que o projeto seja integrado ao desenvolvimento sustentável para evitar a degradação da Amazônia e seus ecossistemas, preservando o equilíbrio climático e social. Mas será que isso é realmente possível? Como fazer ser?
Por Paulo Haddad
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Este é a PARTE 2 do artigo de Paulo Haddad, a PARTE 1 pode ser acessada clicando aqui
O PROJETO
A preocupação maior com a concepção da exploração de petróleo na Amazônia e na sua área de influência direta e indireta (aii) se refere a que a Região é o mais amplo e multifacetado ecossistema brasileiro que presta serviços ambientais para o bem-estar social sustentável de toda a Humanidade. A Amazônia vem sendo objeto de um processo de degradação desde o Período Colonial, passando pelo Império e pela Primeira República, e que se acelerou a partir de 1970, durante o ciclo dos grandes projetos de investimentos (GPI) diretamente produtivos e de infraestrutura econômica. A Região perdeu mais de 20 por cento da floresta prístina e, a partir das mudanças climáticas, assiste-se o risco de sua ruptura ecossistêmica através de um processo de savanização da Região.
Se não houver uma reversão nas práticas da pirataria ambiental que tratam o meio ambiente como se fosse um almoxarifado de recursos naturais a serem pilhados livremente, as futuras gerações assistirão ao colapso do ecossistema da Amazônia num futuro não muito distante. Esse período pode encurtar se houver um processo de enfraquecimento das instituições públicas responsáveis pela fiscalização das estruturas regulatórias (normas, decretos, leis) de comando e controle do Governo Federal, responsável pelo Patrimônio Nacional. O receio legítimo dos ambientalistas se relaciona com a possibilidade de que a exploração de petróleo na Margem Equatorial venha a acelerar o processo de degradação ambiental da Região.
Segundo Estudo da FEA/USP, (“A Economia da Mudança do Clima no Brasil”) na Amazônia, o aquecimento poderia chegar a 7º C e/ou 8º C em 2100, o que prenuncia uma alteração radical da Floresta Amazônica – a chamada savanização. Estima-se que as mudanças climáticas resultariam em redução de 40% da cobertura florestal na região sul-sudeste-leste da Amazônia que seria substituída pelo Bioma Savana.
O interesse internacional em relação aos impactos ambientais do desmatamento sobre as mudanças climáticas na Amazônia se relaciona com a emissão de gases de efeito estufa (CO² e gases equivalentes). Estudos preveem ademais que as mudanças no uso da terra poderão levar à degradação dos sistemas de água doce, à perda de solos de melhor qualidade do ponto de vista ecológico e do uso agrícola, ao clima regional, ao avanço da savana seca etc.
Carlos A. Nobre, Gilvan Sampaio e Luis Salazar confirmam que a Amazônia desempenha um papel importante no ciclo de carbono planetário, e pode ser considerada como uma região de grande risco do ponto de vista das influências das mudanças climáticas. Concluem que: “A Amazônia vem sendo submetida a pressões ambientais de origem antrópica crescentes nas últimas décadas, tanto pressões diretas advindas dos desmatamentos e dos incêndios florestais, como pressões resultantes do aquecimento global.
A estabilidade climática, ecológica e ambiental das florestas tropicais amazônicas está ameaçada por essas crescentes perturbações, que, ao que tudo indica, poderão tornar-se ainda maiores no futuro. A ciência ainda não consegue precisar quão próximos estamos de um possível ponto de ruptura do equilíbrio dos ecossistemas e mesmo de grande parte do bioma Amazônico, mas o princípio da precaução nos aconselha a levar em consideração que tal ponto de ruptura pode não estar distante no futuro. Um colapso de partes da floresta tropical trará consequências adversas permanentes para o planeta Terra” (Ciência e Cultura, vol. 59, nº 3, SP).
DO CRESCIMENTO ECONÔMICO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Em setembro de 2015, os Estados Membros das Nações Unidas se comprometeram com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que inclui um conjunto de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para o período de 2015-2030. Esses Objetivos constituem um plano de ação mundial para a inclusão social, a sustentabilidade ambiental e o crescimento econômico.
Pode-se afirmar que um país ou uma região se encontra em processo de desenvolvimento sustentável quando sua economia está crescendo, globalmente competitiva, distribuindo com equidade social e regional os frutos do crescimento, preservando, conservando e recuperando os seus ecossistemas. Assim, um dos principais objetivos ao se explorar petróleo na Amazônia deveria ser a adoção de um projeto de desenvolvimento sustentável e não apenas um projeto de crescimento econômico*.
Da mesma forma que há necessidade de se articular crescimento econômico com sustentabilidade ambiental, não pode haver complacência com a crise social na Amazônia, que acaba configurando uma sociedade regional dividida pelas condições de vida do seu povo, pela distribuição da renda e da riqueza, pelo campo diferenciado de oportunidades. As desigualdades sociais na Amazônia são profundas.
Em 2020, a taxa de pobreza extrema em algumas das Unidades da Federação na Amazônia Legal eram dramáticas: Maranhão (14,4%), Amazonas (12,5%), Acre (10,2%), Roraima (9,4%), Amapá (9,4%). A pobreza e a extrema pobreza não são maiores em áreas da Região que sobrevivem graças as políticas sociais compensatórias do Governo Federal (mais de 50% das famílias são beneficiárias dessas políticas na Amazônia e cerca de 80% dos recursos orçamentários das Prefeituras são originários de transferências fiscais do Governo Federal)*. Dessa forma, qualquer projeto de exploração dos recursos ambientais na Amazônia deve tratar simultaneamente da crise ambiental e da crise social.
A EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO NA AMAZÔNIA COMO UM PROJETO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
É grande a desconfiança de nossa população quanto aos benefícios das atividades extrativas minerais para a sociedade brasileira. Sem dúvida, o principal motivo está ligado ao fato de que, em sua maioria, os grandes desastres ambientais no Brasil estão relacionados aos projetos que utilizam intensivamente recursos naturais renováveis e não renováveis, entre os quais os projetos de petróleo e gás.
No século 21, destacam-se os seguintes maiores desastres no Brasil:
- vazamento de óleo na Baía de Guanabara (2000);
- vazamento de óleo nos Rios Barigui e Iguaçu no Paraná (2000);
- naufrágio da plataforma P-36 na Bacia de Campos (2001);
- rompimento da barragem para a produção de celulose em Cataguases-MG (2003);
- rompimento de barragem Bom Jardim em Miraí-MG (2007);
- vazamento de óleo na Bacia de Campos (2011);
- incêndio na Ultracargo no Porto de Santos (2015);
- rompimento da barragem do Fundão em Mariana-MG (2015);
- rompimento da barragem de Córrego do Feijão em Brumadinho-MG (2019) com 270 mortes.
Entre a decisão de se implementar um grande projeto de investimento (GPI) e o início de sua operação, ocorre a gestão intermediária, onde estão as sementes que germinarão os grandes desastres. São as decisões relativas à microlocalização, aos processos tecnológicos, ao tratamento de resíduos e rejeitos, às relações com o entorno do sistema natural, etc., das etapas de implementação e operação dos projetos de investimento. É analisando os diferentes componentes de um projeto de planejamento e da sua concepção até o seu sucateamento que se torna mais transparente a avaliação dos impactos ambientais e os efeitos distributivos do projeto.
Como todas essas decisões relativas à concepção e à implantação de projetos de investimentos passam pela aprovação das estruturas regulatórias do Poder Público, é preciso considerar o descompasso entre os objetivos de desenvolvimento sustentável da sociedade e as disfunções burocráticas visando a “tornar as sociedades e os sistemas políticos mais resilientes e idealmente menos fragilizadas”*.
De que disfunções burocráticas está se falando?. Consideremos o posicionamento dos três níveis de governo em relação às decisões sobre novos projetos de investimentos em mineração. Em geral, os governos municipais e estaduais tendem a considerar apenas os grandes e efetivos benefícios desses projetos para o crescimento econômico local e regional (emprego, renda, base tributável, melhoria de infraestrutura) desprezando as manifestações de oposição da sociedade civil organizada quanto aos custos sociais e ambientais para as atuais e futuras gerações.
Tende a ocorrer uma polarização no processo de decisão sobre os resultados finalísticos: de um lado, há administrações que desativam e fragilizam os mecanismos e instrumentos das políticas ambientais e partem para atitudes de “porteiras abertas”; do outro lado, diante de incertezas quanto a se estar aprovando a ocorrência futura de novos desastres ambientais, os técnicos responsáveis enrijecem e dificultam a aprovação de novos projetos.
LP, LI, LO e LICENÇA SOCIAL PARA OPERAR
Usualmente, para a aprovação de projetos de investimentos, as empresas procuram obter o licenciamento ambiental que inclui a licença prévia (LP), a licença de instalação (LI) e a licença de operação (LO), incluindo as audiências públicas. Tudo ocorre dentro de um ritual muitas vezes lento, exaustivo e, principalmente, tenso e conflituoso que pode durar alguns meses até anos de controvérsias e incertezas entre o setor público e o setor privado, atrasando os investimentos que geram emprego, renda, divisas, tributos e taxas em um País que, desde os anos 1980, vem crescendo lentamente, empobrecendo sua população com o aumento dos brasileiros pobres e miseráveis, e que vem perdendo posição relativa no cenário econômico mundial em termos de progresso científico e tecnológico. Constata-se, igualmente, o empobrecimento dos grupos sociais da classe média (funcionários públicos, microempresários, profissionais liberais).
A posição empresarial panglossiana ao considerar que, aprovadas as licenças ambientais, a sua responsabilidade social está esgotada, podendo tocar em frente os seus projetos, porque, afinal, paga os seus impostos em dia, é um grande equívoco por diferentes razões:
- Desde o processo de redemocratização do Brasil é crescente o grau de participação espontânea e induzida da sociedade civil no processo de decisão sobre o futuro dos grandes projetos de investimento, avaliando os seus custos e benefícios para a sociedade como um todo, considerando os interesses não apenas das gerações presentes mas também das gerações futuras que não estão presentes no mercado. Michael Common and Sigrid Stagl* consideram que os mercados sozinhos não são suficientes e que a governança também é necessária, um conceito mais amplo do que o de Governo.
Governo: refere-se ao Estado, que tem a legítima autoridade para tomar decisões em nome de toda a comunidade.
Governança: refere-se à miríade de outras organizações e instituições envolvidas na condução democrática da sociedade na direção do processo de desenvolvimento sustentável (ESG). Enquanto num processo de planejamento burocrático, os projetos são avaliados apenas pelos órgãos dos três níveis de governo, ainda que com alguma consulta popular, em um processo de planejamento democrático participativo os projetos são avaliados pelos governos e outras instituições da sociedade visando a organizar as economias, de tal forma que gerem resultados finalísticos de maior sustentabilidade.
- Como operacionalizar os papéis do Governo e dos segmentos organizados da sociedade civil (movimentos sociais, organizações não governamentais, instituições acadêmicas, MP, etc.) no processo decisório sobre um grande projeto de investimento? Através do processo de planejamento para negociação em torno de um documento denominado Licença Social para Operar, na construção do qual já existem metodologias consolidadas internacionalmente e algumas propostas preliminares no Brasil (ver “Metodologia de Gestão da Sustentabilidade de Projetos de Capital” – VALE/JANUS/AMPLO; ver também a Metodologia do IBASE–Instituto Brasileiro de Análise Sociais e Econômicas – fundado pelo sociólogo Herbert José de Souza (o Betinho) e companheiros com o objetivo de elaborar projetos de planejamento participativo, entre outras instituições).
Como a governança abrange decisões tomadas em conjunto pelo setor público, pelo setor privado e pela sociedade civil, fica a impressão de que o processo será mais prolongado e custoso. Ledo engano. A discussão é conduzida por algumas regras do jogo que permitem decisões com maior agilidade:
- casos há em que se conclui por ajustes incrementais ou por mudanças localizadas em alguma característica do projeto na fase de implementação ou de operação do projeto (caso do Aeroporto Internacional de Confins);há casos em que ocorre o uso do princípio de precaução*. Os projetos podem ser postergados pela necessidade de informações adicionais sobre as relações e os impactos entre o sistema econômico e o sistema natural, com a preocupação da eventual ocorrência de danos ou desastres ambientais (caso do projeto da Rio Tinto na Calha Norte – Pará);
- Não devem ser aprovados também projetos que, para atingir uma taxa mínima de rentabilidade financeira, têm de utilizar mão de obra informal ou sem respeito às regras trabalhistas prevalecentes, como tem ocorrido frequentemente em projetos de mineração na Amazônia (garimpos ilegais) ou projetos que impactam ativos únicos em determinada localidade (Projeto Apolo versus recursos hídricos na RMBH).
- O Relatório de Licença Social para Operar tem quatro módulos na metodologia de gestão da sustentabilidade( VALE/JANUS/AMPLO):
- Módulo de Relacionamento com Stakeholders (formadores de opinião);
- Módulo de Avaliação de Riscos e Oportunidades Socioambientais;
- Módulo de Agenda de Sustentabilidade;
- Como a Licença Social para Operar se soma às LP, LI, e LO, imagina-se que os custos de transação devem crescer enormemente; mas não quando se consideram os custos de oportunidade* do tempo que demora para se obter um licenciamento ambiental de um projeto que deixa de ser aprovado ou os custos de reparação de eventuais desastres ambientais futuros.
- Na verdade, quando a sociedade civil rejeita um projeto por causa de sua localização em áreas urbanas congestionadas, por causa de sua concorrência com o uso de algum recurso ambiental relativamente escasso (hot point), por causa de suas características de “enclave econômico regional”, por se tratar de um ativo ambiental único, ela se mobiliza e induz uma participação e uma negociação ex post, num ambiente imprevisível de tensões, conflitos e controvérsias, muitas vezes de forma anárquica e interminável.
- Há um ditado italiano que diz: “Tra Il dire e il fare c’ è di mezzo il mare”. De fato, a distância entre as palavras e os atos continua a ser particularmente grande em muitos projetos de investimentos. Assim, uma das questões principais da Licença Social para Operar é o sistema de avaliação e controle das ações programáticas para eventuais erros de operação e de gestão.
- Pode-se ilustrar essas reflexões a partir de três casos ocorridos nos últimos anos, nos quais tive a oportunidade de participação privilegiada:
- em 1980, antes mesmo da legislação atual sobre os crimes ambientais, quando se decidiu pela construção do Aeroporto Internacional de Confins, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, houve duas manifestações de grupos da sociedade civil sobre a localização do projeto. A população de Vespasiano reagiu à eventual poluição sonora afetando o seu bem-estar social sustentável. E um grupo de ambientalistas manifestou preocupação com os impactos do projeto sobre as cavernas históricas de calcário na Região. Como resultado de negociações entre sociedade civil, setor público e setor privado (empresas construtoras), foram aprovadas mudanças no projeto: alteração na direção da pista e a realização de obras de contenção para preservar as cavernas calcárias.
- anunciado pela VALE em 2009, o Projeto Apolo é um projeto integrado de mina, usina e ferrovia localizado em Caeté e Santa Bárbara, no Estado de Minas Gerais, prevendo a produção de 14 milhões de toneladas por ano; à época, houve uma forte resistência da população local e dos movimentos organizados da sociedade civil, em função principalmente dos impactos adversos sobre os recursos hídricos da Serra do Gandarela que abastece a Região Metropolitana de Belo Horizonte e sobre os riscos de rompimento de barragem. O projeto foi engavetado e criou-se o Parque Nacional do Gandarela. Os municípios onde haveria localização do projeto lamentaram o seu cancelamento por causa dos empregos a serem gerados na região que tinha um grande número de desempregados, subempregados e desalentados, principalmente de jovens de 18 a 24 anos. Hoje, 14 anos depois, com elevado custo de oportunidade para a Vale, após diálogos na ALMG (Assembleia Legislativa de Minas Gerais), uma nova versão do projeto está sendo apresentada, principalmente com mudanças nos processos tecnológicos sem barragem e sem o uso de água no beneficiamento do minério de ferro, assim como, reduções significativas na área do projeto.
- há casos, contudo, em que prevaleceu o Princípio da Precaução como fator determinante da decisão finalística sobre o futuro do projeto de investimento. Cita-se, como exemplo, um grande projeto de investimento na exploração de bauxita da Rio Tinto, na Calha Norte (PA). Apesar do apelo de 16 Prefeitos dos Municípios na área de influência do projeto (mina + ferrovia + porto), afirmando que uma das principais alternativas de emprego para a juventude na área tem sido nos mercados de trabalho informal como o tráfico de drogas, o projeto não foi aprovado por deixar incertezas sobre os seus impactos ambientais na Floresta Amazônica. Incertezas que nasceram dos danos e desastres ambientais provocados na Amazônia Legal pelo ciclo dos grandes projetos de investimentos, a partir dos anos 1970, que entraram na Região com “as porteiras abertas” e acesso livre.
UMA PROPOSTA PARA TRANSFORMAR A EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO NA MARGEM EQUATORIAL EM UM PROJETO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Partindo dos pressupostos de que o projeto de exploração do petróleo na Margem Equatorial é indispensável para a retomada do crescimento econômico do Brasil e de que é possível arquitetar o projeto em termos de desenvolvimento sustentável, elaboramos uma proposta para a sua implantação a partir de um conjunto de condicionalidades conceituais e operacionais. Por se tratar do maior ativo ambiental da sociedade brasileira, a Amazônia é parte do Patrimônio Nacional da Sociedade Brasileira e não pode ser explorada pelas forças livres de mercado sem se submeter às estruturas regulatórias do Poder Público, o qual define os objetivos e as metas de uso sustentável do Bioma*.
Para a formulação da Proposta, iremos analisar dois casos de projetos nos quais apareceram problemas ambientais com alguma semelhança na questão que estamos tratando. No início dos anos 2000, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estava financiando o asfaltamento da rodovia Santa Cruz de La Sierra (Bolívia)–Corumbá, quando apareceu um legítimo movimento dos ambientalistas temendo os seus impactos degradantes sobre o meio ambiente, especificamente sobre o Parque Nacional Kaa-Iya Del Gran Chaco.
Para equacionar o dilema que levava a um impasse decisório, a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) constituiu uma comissão presidida pelo Embaixador da Holanda no Brasil para elaborar uma proposta para o equacionamento do problema organizacional. A proposta final que desfez o nó da divisória foi a de dois programas: o do asfaltamento da rodovia e o de conservação, preservação e recuperação do Parque, com os dois cronogramas físico-financeiros dos projetos integrados de tal forma que um não avançasse sem que o outro também não avançasse, uma forma encontrada para dar segurança aos ambientalistas de que o que precisava ser feito seria feito, podendo paralisar as obras da rodovia caso as obras de conservação e preservação e recuperação do Parque não fossem realizadas.
Uma modelagem semelhante já havia ocorrido, em 1980, no projeto da estrada Caratinga–Vale do Aço (MG) que cruzaria o Parque do Rio Doce. A equipe técnica do DER-MG, responsável pela elaboração do projeto, visitou experiências equivalentes em parques dos EE.UU. e conceberam o projeto respeitando a Biodiversidade do Parque (mega túneis para a mobilidade da fauna, legislação para evitar a poluição sonora do tráfego de carros e caminhões, taxa de pedágio para financiar a conservação do parque, etc.); o projeto não foi implementado pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF) por falta de financiamento.
Jared Diamond, em seu livro Colapso*, ao avaliar projetos de poços de petróleo na Nova Guiné, encontrou dois casos do espectro oposto de impactos ambientais, degradantes e sustentáveis. O projeto na Ilha Salawati, visitada com o objetivo de elaborar um survey de aves nas ilhas da Nova Guiné, apresentava todos os problemas ambientais quando um GPI entra em uma região apenas para criar valor para os acionistas, com porteira aberta de acesso livre, sem estruturas regulatórias e restrições operacionais. Faz parte do que o biólogo Garret Hardin definiu como “a tragédia dos bens comuns”, uma situação em que indivíduos e instituições, agindo de forma independente e racional de acordo com os seus próprios interesses, se comportam contrários aos melhores interesses da sociedade, esgotando algum interesse comum ou social.
O segundo projeto foi o campo de petróleo de Kutuba, operado por uma subsidiária da grande companhia de petróleo Chevron Corporation e localizado na Bacia do Rio Kikori da Papua Nova Guiné, em uma área sensível e difícil de trabalhar. Em 1993, a Chevron envolveu a World Wildlife Fund (WWF) para preparar um amplo projeto integrado de conservação para toda a bacia hidrográfica, visando a minimizar os danos ao meio ambiente, beneficiando as comunidades locais economicamente e atraindo recursos do Banco Mundial para a promoção de desenvolvimento comunitário.
O componente da conservação ambiental foi muito detalhado, cabendo destacar duas atividades:
a. definição de regras para alguém estar na área do projeto com a proibição de armas de fogo ou equipamentos de caça de qualquer tipo, drogas e álcool; para isto, os milhares de funcionários eram treinados e conscientizados sobre segurança e proteção ambiental;
b. a estrada de acesso ao projeto era concebida com a largura suficiente para a passagem de dois veículos em direção oposta, sendo que o equipamento pesado foi transportado de helicóptero;
c. um programa de avaliação, controle e fiscalização das atividades desenvolvidas;
d. projetos de preservação e conservação nas áreas de influência direta e indireta da exploração de petróleo.
Considerando que:
a. a transição energética poderá durar até meio século antes que se possa dispensar a energia do petróleo e do gás,
b. o Brasil precisa retomar um processo de crescimento econômico sustentado (contínuo e estável) e sustentável (prosperidade + justiça social + sustentabilidade);
c. há experiências nacionais e internacionais da arquitetura de grandes projetos de investimento (GPI) que permitem conciliar eficiência econômica e sustentabilidade ambiental baseando-se em novos avanços do conhecimento científico e tecnológico, propõe-se que:
1. haja elaboração de dois projetos integrados para a exploração de petróleo na Margem Equatorial, um de conservação e preservação ambiental, elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e outro das atividades diretamente produtivas, elaborado pela PETROBRÁS, ambos financiados pela PETROBRÁS;
2. os dois projetos sejam concebidos como projetos de desenvolvimento sustentável segundo o trilema global ético (prosperidade – consumo de massa + justiça global + sustentabilidade ecológica)*;
3. a operacionalização dos projetos deve ter os seus cronogramas físicos e financeiros integrados com previsão de avanço simultâneo;
4. a supervisão do processo de implantação dos projetos deve ser realizada conjuntamente pelo MMA e a PETROBRÁS;
5. como na criação da VALE em 1942, 8% do lucro líquido gerado pela PETROBRÁS na Margem Equatorial devem ser destinados a uma Reserva sob a gestão do MMA, com objetivo de apoiar projetos de desenvolvimento sustentável na Amazônia, inclusive projetos de diversificação da base econômica nas áreas de impactos diretos da exploração do petróleo e gás;
6. o arcabouço dos dois projetos integrados deve ser concebido segundo os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU;
7. caso não haja consenso entre o MMA e a PETROBRÁS sobre a concepção e a implementação dos projetos, é recomendável pelo PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO que a exploração de petróleo na Amazônia seja postergada.
* Paulo R. Haddad – Amazônia: Crise Social e Crise Ambiental, Caravana, e-Galáxia, 2023
* Niall Ferguson – Doom: The Politics of Catastrophe, Penguin, 2021.
* Michael Common and Sigrid Stagl – Ecological Economics. Cambridge University Press, Part III, Governance, 2005. A expressão panglossiana se refere ao Dr. Pangloss, personagem da peça “Candide” de Voltaire (1759) que tinha uma atitude ingénua diante dos problemas da vida para quem “tout va pour le mieux dans le meilleur des mondes”.
*Princípio de Precaução: quando uma atividade provoca receios ou danos à saúde humana ou ao meio ambiente, medidas de precaução devem ser tomadas mesmo que algumas relações de causa e efeito não estejam totalmente estabelecidas cientificamente(Common/Stagl).
*Custo de Oportunidade: é o custo associado com oportunidades que são perdidas quando os recursos de uma empresa ou da sociedade não são alocados no seu melhor uso alternativo (ver Paulo R. Haddad – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Ed. Caravana, 2023.
* A definição dos objetivos e das metas deve orientar todas as etapas de elaboração e de execução de um plano; não há porque desconhecê-los em qualquer momento: conta-se que, na Idade Média, a população de uma Província na França estava passando fome, quando alguém lembrou de um fazendeiro que tinha um porco bem tratado; quando o fazendeiro viu que a multidão de famintos vinha roubar o seu animal de estimação, levou-o para dentro da casa com o objetivo de protegê-lo e o colocou no meio da sala para atirar contra a multidão pela janela da frente e pela janela de trás. Toda vez que ia de um lado para o outro, tropeçava no porco; impaciente abriu a porta e atirou o porco para fora da casa, dizendo “esse porco está atrapalhando minha guerra”.
* Jared Diamond, geógrafo e ornitólogo, escreveu o livro Colapso – Como as Sociedades Escolhem o Fracasso ou o Sucesso. e-book Amazon, cap. 15
* Ralf Eriksson and Jan Otto Anderson – Elements of Ecological Economics, Routledge, 2010.
PNUMA – TEEB: The Economics of Ecosystem and Biodiversity., Earthscan, 4 vol., 2010
P.R. Haddad – Economia Ecológica e Economia Integral. Amazon, Kindle, 2017.
Este é a PARTE 2 do artigo de Paulo Haddad, a PARTE 1 pode ser acessada clicando aqui
Paulo Roberto Haddad é um economista brasileiro. Formado em economia pela Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais em 1962. Fez curso de especialização em Planejamento Econômico no Instituto de Estudos Sociais em Haia Holanda 1965/1966. Professor titular da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG. fundador e primeiro diretor do Centro de desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG. Publicou diversos livros e artigos em revistas especializadas no Brasil e no Exterior.
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