A Fapesp, ao celebrar a trajetória de Adalberto Val, reafirma seus laços com a região amazônica, reconhecendo a importância de pesquisadores que fazem da ciência uma ferramenta de impacto social e ambiental profundo.
A trajetória de Adalberto Luis Val é um testemunho da dedicação inabalável à pesquisa e ao desenvolvimento sustentável na Amazônia. Nascido em São Carlos, Val transferiu sua paixão pela ciência para o bioma amazônico, onde se tornou um dos cientistas mais respeitados na região. Como ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), ele conduziu reformas significativas, focando em trazer a ciência para o dia a dia da população, valorizar novos talentos e criar um ambiente favorável para a formação de futuras gerações de pesquisadores.
Durante suas duas gestões à frente do INPA, Val foi instrumental na modernização dos laboratórios, assegurando investimentos robustos e chamando a atenção nacional para a relevância do instituto. Sob sua liderança, o INPA consolidou seu papel como um ponto de referência na pesquisa científica aplicada à conservação, ao desenvolvimento sustentável e à transformação socioeconômica da Amazônia. Além disso, Val foi um dos primeiros a apoiar e co-fundar o portal Brasil Amazônia Agora, que se destaca como um espaço de debate e defesa das potencialidades da região.
Sua militância científica vai além dos laboratórios, sempre pautada pela promoção da sustentabilidade como via para a prosperidade, educação e exercício pleno da cidadania amazônica. A Fapesp, ao celebrar a trajetória de Adalberto Luis Val, reafirma seus laços com a região amazônica, reconhecendo a importância de pesquisadores que fazem da ciência uma ferramenta de impacto social e ambiental profundo.
No final da década de 1970, o biólogo paulista Adalberto Luis Val, em busca de acompanhar sua futura esposa, Vera Maria Fonseca de Almeida, mudou-se de São Carlos, no interior de São Paulo, para Manaus, capital do Amazonas. Nessa nova jornada, Val rapidamente se fascinou pela vasta diversidade e pelos complexos mecanismos de adaptação dos peixes da Amazônia, uma região onde habitam cerca de 3 mil espécies, variando desde os pequenos Priocharax manus, com apenas 15 milímetros, até o gigantesco pirarucu, que pode atingir 3 metros de comprimento.
Nos últimos anos, com as pressões ambientais na Amazônia – como o desmatamento, a poluição e as mudanças climáticas – Val voltou sua atenção para investigar como os peixes da região estão lidando com essas novas ameaças. Ele descobriu que, embora algumas espécies sejam mais resistentes, os organismos aquáticos em geral são bastante vulneráveis às variações de temperatura, o que ajuda a explicar a grande mortandade de peixes e botos durante a seca severa de 2023.
Além de sua carreira acadêmica de destaque, Val e sua esposa Vera criaram dois filhos, Fernando e Pedro, ambos também pesquisadores. Em 2023, ele foi agraciado com o Prêmio Fundação Bunge na categoria Vida e Obra e atualmente coordena o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Adaptações da Biota Aquática da Amazônia (INCT-Adapta).
Confira a entrevista completa de Adalberto para a Pesquisa FAPESP, trazendo mais detalhes sobre sua trajetória e descobertas.
Por que resolveu estudar os peixes da Amazônia?
Para responder, tenho de voltar à minha infância. Nasci e fui criado em uma fazenda em Campinas, no interior de São Paulo. Um dos passatempos do fim de semana era pescar em uma lagoa. Havia poucas espécies de peixes nela, basicamente tilápia e lambari. De tanto ir lá, fiquei curioso para saber como os peixes viviam embaixo d’água. Um dia, peguei uns peixes com uma peneira, coloquei numa garrafa de boca larga, tampei e levei para casa. No início, eles nadaram, mas no dia seguinte estavam todos mortos. Eu devia ter 12 anos. Fiquei muito chateado e decidi: quero aprender mais sobre peixes. Precisava entender como é que eles conseguiam viver debaixo da água.
E o que fez?
Enchi a paciência do meu pai, que acabou me dando algumas revistas sobre peixes. Quando fui para o ciclo intermediário [atual ensino médio], resolvi fazer um curso técnico de bioquímica. Ao final dele, mudei para São Carlos, fiz um concurso para técnico e fui contratado pela Universidade Federal de São Carlos [UFSCar] para trabalhar com um pesquisador que estudava sangue de peixe. Era um bom começo, mas ainda precisava fazer um curso superior. Escolhi biologia.
Nesse período, namorava Vera, também de Campinas, que estava terminando o mestrado e tinha sido convidada para trabalhar no Inpa, em Manaus. Eu estava no fim da graduação. Vera foi visitar o Inpa e fui junto.
Lembro que fiquei fascinado ao ver uma enorme coleção de peixes. Em um mercado de Manaus, encontrei muitas espécies, bem maiores do que as que via em São Paulo. Daí, tomei uma decisão: é aqui que eu quero viver. Viemos os dois para Manaus. Fiz o mestrado no Inpa e depois fui contratado pelo instituto. Isso foi no início dos anos 1980.
O que mais chamou a sua atenção quando chegou a Manaus?
De pronto, percebi que a Amazônia é um ambiente extremamente dinâmico. Os rios e lagos sofrem intensas variações do nível da água, da temperatura e de oxigênio dissolvido. Há ainda os rios de águas ácidas como o Negro. A primeira pergunta que me fiz foi como os peixes enfrentam essas oscilações. Também me intrigou a diversidade de peixes na Amazônia, perto de 3 mil espécies, enquanto na fazenda de Campinas tinha apenas duas ou três.
No mestrado, estudei as duas espécies de jaraqui [Semaprochilodus insignis e S. taeniurus], peixes de características peculiares. Na época da reprodução, eles migram mais ou menos 1,6 mil quilômetros, do alto rio Negro até o encontro das águas com o Solimões. Quando nascem, os peixinhos são arrastados rio abaixo e se dispersam pelas várzeas. Ainda pequenos, começam a nadar de volta, entram no rio Negro e migram em direção à cabeceira. Isso me intrigou demais.
Como é que o peixe poderia saber que estava migrando para a água branca do Solimões e, depois, para a água preta do Negro? Minha tristeza foi terminar a dissertação de mestrado e não conseguir as respostas para minhas perguntas principais – aquelas que eu formulara aos 12 anos e as que desenhara ao chegar na Amazônia. Agreguei outras e, assim, dediquei a vida a estudar os peixes da Amazônia. Faz 45 anos que estou aqui.
Que espécie estudou no doutorado?
O tambaqui [Colossoma macropomum], que ainda hoje é o nosso modelo de estudo. Estudei as hemoglobinas do tambaqui. Meu orientador foi o professor Arno Rudi Schwantes [1939-2014], da UFSCar, o mesmo do mestrado, que era credenciado como professor colaborador no Inpa. Nesse período, comecei a interagir com dois pesquisadores estrangeiros que tiveram um papel importante na minha carreira.
O primeiro foi Grant Bartlett, do Laboratório de Bioquímica Comparada, da Universidade da Califórnia em San Diego, nos Estados Unidos. Ele estudava pequenas moléculas do interior das células vermelhas, os fosfatos orgânicos, que regulam a função das hemoglobinas. Por meio dele, conheci David Randall [1938-2024], da Universidade da Columbia Britânica, em Vancouver, no Canadá, especialista em fisiologia dos peixes. Em 1976, Randall havia coordenado uma das principais expedições científicas de pesquisadores estrangeiros à Amazônia, que ficou conhecida como Alpha Helix.
Um de seus focos – e foi o que mais me atraiu – era a fisiologia dos peixes. Naquela época, era obrigatória a participação de um representante brasileiro nas expedições científicas. O escolhido foi Schwantes. Com isso, criou-se uma condição para que eu me aproximasse de Randall e buscasse uma oportunidade para fazer o pós-doutorado com ele – meu objetivo era me especializar em fisiologia. Essa aproximação foi fantástica e resultou na publicação do livro Fishes of the Amazon and their environment [Springer Verlag, 1995], que por muito tempo foi bastante citado.
Quais foram seus principais achados sobre os peixes amazônicos?
De uma forma geral, eles não suportam variações extremas de temperatura. É o inverso do que se pensava. A água dos rios da região está sempre acima de 28 ou 30 oC. Imaginávamos que, se ela esquentasse mais, os peixes iriam se virar. Mas não. Eles são mais sensíveis do que os da zona temperada. Isso tem implicações diversas para a fisiologia deles e para a criação em cativeiro. Há pouco tempo publicamos um artigo na Nature sobre os efeitos da seca que atingiu a Amazônia em 2023, quando a água chegou a 40,9 oC. Foi essa temperatura que provavelmente causou a imensa mortalidade de peixes e botos. Quando a temperatura chega a esse nível, cai a quantidade de oxigênio na água e as taxas metabólicas dos animais sobem de forma brutal.
Os peixes não conseguem regular a temperatura do corpo e, assim, a temperatura ambiental tem efeito direto sobre todos os processos bioquímicos e fisiológicos. O resultado é que eles não têm como atender à demanda metabólica. No caso dos golfinhos, por ser mamífero, é diferente. Conseguem regular a temperatura do corpo como nós, o que impõe um gasto energético adicional com alta demanda cardiológica. A pressão sanguínea sobe e, em alguns casos, o animal pode sofrer acidentes vasculares.
Que outros efeitos as variações ambientais têm sobre os peixes?
Eles desenvolveram um conjunto de respostas morfológicas às mudanças do ambiente. O tambaqui é um caso interessante. Ele expande os lábios inferiores para canalizar a camada superficial da coluna-d’água, mais oxigenada, para as brânquias. Dentro do organismo dos peixes acontecem outras modificações. Por exemplo, eles são capazes de controlar a ligação da hemoglobina com o oxigênio.
No caso do tambaqui, do jaraqui e de outras espécies, ocorre dentro das células a regulação da quantidade dos fosfatos orgânicos, segundo as variações de oxigênio na água. Assim, eles mantêm estável a transferência de oxigênio do ambiente aquático para os tecidos.
Essa descoberta foi fenomenal, pois respondeu àquela pergunta que fiz aos 12 anos: como é que os peixes conseguem viver debaixo d’água? Durante o dia, a luz permite a fotossíntese que produz oxigênio. À noite, contudo, nas águas paradas de lagos, lagoas e regiões de várzea, há menos oxigênio. Mas os peixes têm mecanismos que regulam a ligação da hemoglobina com o oxigênio e aumentam a capacidade do sangue de extrair o oxigênio da água. Mesmo as espécies que recorrem a outras estratégias precisam desse mecanismo. Esse achado foi fundamental, pois mostrou que uma única resposta nem sempre é suficiente para minimizar o efeito da variação de oxigênio do ambiente sobre o organismo.
Há outros exemplos?
Sim. O tamoatá [Hoplosternum littorale], o cascudo [Liposarcus multiradiatus] e alguns bagres têm partes do estômago e do intestino vascularizadas e direcionadas à troca gasosa. Eles vão até a superfície e engolem água misturada com ar. A troca gasosa se dá na transição do estômago para o intestino, sem prejuízo da regulação da afinidade da hemoglobina com o oxigênio. Descobrimos que alguns peixes, em vez de ter os fosfatos orgânicos convencionais – ATP [adenosina trifosfato] e GTP [trifosfato de guanidina] –, possuem outros.
O tamoatá tem o 2,3-DPG [bifosfoglicerato], um composto que nós, humanos, também temos. A produção do 2,3-DPG não responde à disponibilidade de oxigênio e, sim, à variação de temperatura. À medida que a temperatura se eleva e a quantidade de oxigênio na água diminui, o peixe aumenta a produção de 2,3-DPG. Tais adaptações envolvem genes que controlam proteínas essenciais atuantes nesse processo.
E o pirarucu, o que descobriu sobre ele?
É um peixe para lá de excepcional. De respiração aérea obrigatória, ele nasce com a capacidade de sintetizar ATP e GTP. Mas, durante o primeiro ano de vida, substitui esses dois fosfatos por um terceiro chamado inositol pentafosfato, que, pasme, existe também nas células vermelhas das aves. O pirarucu é o único peixe com esse fosfato. Faz a respiração aérea por meio de uma bexiga natatória modificada, e não do pulmão. A piramboia [Lepidosiren paradoxa] é o único peixe pulmonado na Amazônia.
A capacidade adaptativa dos peixes da Amazônia permitirá que superem os desafios que virão com as mudanças climáticas?
Essa é a pergunta central do nosso projeto INCT-Adapta. Durante milhões de anos, desde o levantamento dos Andes, temos uma história de tectonismos e mudanças climáticas na Amazônia. Boa parte do que vemos hoje por aqui surgiu durante o processo de formação da bacia amazônica. Esses movimentos propiciaram as condições para a diversificação de espécies na região. Ao mesmo tempo, permitiram que os organismos desenvolvessem adaptações ao longo do processo evolutivo.
Os mais adaptados aos desafios ambientais sobreviveram melhor. Agora queremos saber se os peixes amazônicos conservaram em seu genoma as informações que lhes permitiram enfrentar as mudanças climáticas do passado e se podem voltar a expressar essas características. Não temos uma resposta definitiva. Sabemos que algumas espécies conseguem fazer ajustes e sobreviver até certo limite. Outras não.
Às vezes, espécies diferentes do mesmo gênero respondem de forma distinta. Isso indica que alguns grupos perderam as informações que possibilitariam que sobrevivessem, em parte, aos desafios ambientais. Eu digo em parte pelo seguinte: os processos de aquisição dessas adaptações ocorreram durante milhões de anos. E as variações climáticas atuais acontecem numa velocidade muito rápida, sem dar tempo para os organismos se adaptarem.
Poderia dar um exemplo?
O tambaqui. Se isolarmos a temperatura, conseguimos que ele consiga sobreviver até cerca de 40 oC. Mas quando colocamos o dióxido de carbono nessa equação, que é uma das causas do efeito estufa, 40% dos alevinos começam a apresentar deformações esqueléticas e derrame do pericárdico. Eles vão ser predados e desaparecer. Os que sobrarem, sem essas deformações, talvez consigam produzir uma prole. Uma parte vai apresentar essas deformidades e outra vai sobreviver, criando um processo evolutivo novo. Não sabemos no que vai dar.
Que outros impactos na fauna aquática decorrentes das alterações ambientais antrópicas já são conhecidos?
Estudamos os efeitos sinérgicos das alterações climáticas com outros fatores, como poluição por metais, plásticos, petróleo e medicamentos. Quando a temperatura da água sobe e diminui o oxigênio, os peixes batem mais rápido o opérculo [estruturas de proteção das brânquias], fazendo passar mais água sobre as brânquias, de modo a manter a oxigenação do sangue. Só que quando passa mais água contaminada pelas brânquias, ele capta mais contaminantes.
E aí tem um agravante. Alguns peixes aprenderam durante a evolução que, quando não tem oxigênio na água, eles podem subir para a superfície quando vão respirar ou engolir água misturada com o ar. Se o rio está contaminado com petróleo, ele vai pegar mais petróleo e internalizar no seu corpo. Quando o homem interfere no ambiente, algumas adaptações surgidas durante o processo evolutivo podem jogar contra os animais.
O desmatamento também ameaça os peixes?
Sim. A cobertura florestal protege os animais, pois ajuda a reduzir a temperatura do ambiente aquático. Quanto mais desmatamento, maior o aumento da temperatura do sistema. Como os peixes são vulneráveis à elevação da temperatura, eles ficam ameaçados. O pior é que o homem também corre risco, já que 90% da proteína consumida pela população da Amazônia tem origem nos peixes.
Reduzir a produção de peixes ocasionará um problema sério de segurança alimentar. A poluição dos rios por esgoto também preocupa. As grandes cidades da região têm um sistema rudimentar de tratamento de esgoto. O rio é o lugar onde se despeja tudo. Quando você tem uma cidade de 10 mil habitantes, um rio do tamanho do Amazonas dá conta dessa situação. Mas quando a cidade tem 2,1 milhões de pessoas, como Manaus, é diferente.
Qual é o objetivo do INCT-Adapta?
O Adapta tem cerca de 30 grupos de pesquisa e 100 pesquisadores, vários deles no exterior, inclusive em países amazônicos. O nosso Laboratório de Ecofisiologia e Evolução Molecular, o LEEM, no Inpa, é a sede do INCT. Temos salas climáticas para reproduzir as condições ambientais projetadas para 2100.
O objetivo é estudar como peixes, insetos e plantas enfrentarão essas novas condições. Uma sala reproduz em tempo real a temperatura, os níveis de gás carbônico, a luminosidade e a umidade da floresta a partir de dados transmitidos por uma torre instalada na mata. As outras três salas reproduzem cenários futuros – brando, intermediário e extremo –, de acordo com o modelo do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas] para 2100. Descobrimos que os fungos crescem muito mais em cenários extremos.
Se são fungos comestíveis, fantástico, teremos mais comida. Mas se são fungos infecciosos, haverá mais problemas. No caso do mosquito da malária, os achados são preocupantes. Quanto mais extremas são as condições ambientais, maior é o número de gerações de mosquitos em um dado intervalo de tempo. Como resultado, o número de mosquitos aptos a transmitir a malária, por exemplo, é maior por unidade de tempo.
Um de seus projetos recentes comparou os efeitos das mudanças no clima sobre os peixes da Amazônia e da Mata Atlântica. Quais as principais conclusões?
Analisamos peixes de água doce da região de Santos e São Vicente, no litoral paulista, e da reserva biológica Ducke, na Amazônia. Na reserva, por conta da mata preservada, há estabilidade térmica, com temperatura em torno de 25 oC. Na Mata Atlântica, varia naturalmente ao longo do ano. Vimos que os peixes da Mata Atlântica conseguem suportar um intervalo de temperatura maior que os da Amazônia.
O segundo ponto está relacionado ao carbono orgânico dissolvido, que confere coloração preta às águas do rio Negro e aos corpos-d’água da Mata Atlântica. As propriedades desse carbono variam conforme a época do ano e a região. Ele também é um protetor das taxas respiratórias dos organismos aquáticos, no que se refere a metais, principalmente os de ambientes ácidos, como são os peixes do rio Negro. Queríamos saber se o carbono orgânico dissolvido da Mata Atlântica, que é diferente do encontrado na Amazônia, também teria essas propriedades. Seu efeito é diferente lá e cá. Estamos monitorando e descrevendo essas diferenças.
A questão do carbono orgânico dissolvido é de interesse mundial. O aumento do gás carbônico no ambiente em escala global está provocando um escurecimento dos corpos-d’água em vários lugares do planeta, o que é preocupante. Com esse estudo comparando a Mata Atlântica e a Amazônia, tentamos entender melhor esse problema.
Como vê a possibilidade de exploração de petróleo na foz do Amazonas?
É algo muito preocupante. No caso de um vazamento, parte do óleo, que tem uma densidade menor que a da água, sobe para a superfície. Um estudo recente de nosso grupo mostrou que para as espécies de respiração aérea, facultativa ou obrigatória, o óleo é internalizado no corpo delas. Além disso, quando o petróleo sofre o efeito da radiação solar, ocorre a formação de compostos altamente tóxicos para os peixes, que causam altas taxas de mortalidade.
Na ocorrência de um acidente, dependendo das condições climáticas, dos ventos e de outras variáveis, o óleo localizado na superfície da coluna de água pode entrar para o interior da bacia amazônica e afetar profundamente os animais. As correntes marinhas podem levar o petróleo vazado para o norte, atingindo a costa de países vizinhos, causando problemas diplomáticos. E não podemos esquecer que na foz do Amazonas existem corais sensíveis às mudanças ambientais.
É verdade que já foi achado microplástico em peixes da Amazônia?
Sim. Infelizmente, a poluição por plásticos é intensa na Amazônia, por conta dos descartes inadequados de lixo sólido. Já se encontrou plástico na musculatura, nos ossos, no fígado e até no otólito, ossinho do interior do ouvido dos peixes. O otólito costuma formar anéis através dos quais se mede a idade do peixe.
Quando os pesquisadores fizeram a raspagem para analisar esses anéis, viram plástico em alguns pontos. Se há plástico nos peixes, as pessoas que consomem esses peixes estão consumindo plástico. O problema é agravado pela alta capacidade do plástico em absorver poluentes e medicamentos. Ele é um transportador dessas substâncias para dentro dos organismos.
Como seus estudos têm contribuído para a segurança alimentar da Amazônia?
Procuramos otimizar os processos de produção, para que os peixes cresçam mais num tempo menor. Temos também a perspectiva de produzir carne de peixe em laboratório. Outra meta é reduzir o impacto da temperatura e de metais, principalmente o cobre, nos processos de criação. Muito usado na agricultura, o cobre é lixiviado para tanques de criação.
Estudamos novas composições de ração, criações consorciadas e administração de certos produtos em substituição a antibióticos. Esse é um problema sério nas estações de criação. A água com antibiótico das estações cai nos ambientes naturais e causa um desastre, principalmente nos animais de pequeno porte, vitais para a cadeia trófica. Com base em informações fisiológicas, bioquímicas e genéticas dos peixes, podemos manipular as condições de criação.
Que transformações a Amazônia sofreu nesses 45 anos desde sua chegada à região?
Primeiro, diria que houve uma revolução populacional. Quando cheguei, Manaus tinha perto de 500 mil habitantes; hoje são mais de 2 milhões. Uma cidade com esse porte demanda uma infraestrutura e uma série de produtos e processos que pressionam o ambiente. Houve também uma ampliação da mineração, inclusive em terras indígenas, que levou à contaminação do ambiente aquático por mercúrio, entre outros metais. Aumentou a contaminação dos rios por medicamentos, outra decorrência do aumento populacional. Mas houve também mudanças positivas.
Leia também a matéria feita pelo portal Brasil Amazônia Agora sobre Adalberto:
Quais?
Na área da ciência, por exemplo. Quando cheguei aqui, contava-se nos dedos o número de doutores em Manaus. Não havia uma fundação de amparo à pesquisa em nenhum estado amazônico; hoje todos têm. O único curso de pós-graduação no Inpa era o de botânica, herdado do Museu Emílio Goeldi, no Pará. Rapidamente outros três – ecologia, entomologia e biologia de água doce e pesca interior – foram instalados.
No Pará, havia na UFPA a pós-graduação em geociências, um curso fantástico que gerou informações relevantes para processos de produção mineral na região. Depois de um tempo, o mundo inteiro passou a ter um interesse muito grande pela Amazônia. Com isso, houve um aumento da demanda por cooperação científica na região, infelizmente não inteiramente atendida de forma simétrica.
A conscientização sobre a necessidade de conservação ambiental na região se avolumou de forma significativa, mas tem sido difícil traduzi-la em ações. Contudo, há projetos que merecem destaque, como o Semear Leitores, da Fundação Bunge, que socializa práticas regenerativas na agricultura familiar.
O que mais deveria ser feito?
O governo brasileiro precisa entender que é preciso fazer um investimento estratégico em ciência e tecnologia na região, ou seja, fortalecer a pesquisa e a capacitação pessoal em universidades e institutos de pesquisa e abrir espaços para a cooperação internacional. O investimento em ciência e tecnologia na Amazônia não passa dos 3% ou 4% do total destinado ao setor no país. Isso se traduz na frágil produção de informações para o desenvolvimento e a conservação da Amazônia. É preciso que tenhamos investimentos estratégicos na região e não a manutenção de taxas históricas de dispêndios.
O que você gosta de fazer nas horas livres?
O problema é ter essas horas livres. Mas tem duas coisas que eu aprecio muito. Primeiro, caminhar. Eu caminho bastante, ainda no clarear do dia. A segunda é a leitura. No momento, estou relendo Arrabalde – Em busca da Amazônia, de João Moreira Salles. É um livro que discute o problema do desmatamento e os desafios da conservação ambiental da região.
*A entrevista esta sendo republicada da REVISTA FAPESP
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