“Os ‘heróis da resistência e da reconstrução’ eram empresários, políticos e líderes comunitários que vislumbraram uma nova visão para o Amazonas. Eles lutaram não apenas para reviver a economia local através da diversificação, mas também para instaurar infraestruturas que pudessem sustentar o desenvolvimento socioeconômico e a independência econômica do Estado.”
Por Alfredo Lopes
_________________
Coluna Follow-Up
Na tapeçaria complexa e colorida da história amazônica, alguns fios brilham com uma luz própria, destacando-se pelo impacto e legado deixado. José Cruz e Cosme Ferreira são dois desses fios, tecendo juntos uma narrativa de luta, empreendedorismo e compromisso com o desenvolvimento do Amazonas. Ambos atuaram na Associação Comercial do Amazonas (ACA), transformando-a numa trincheira de batalha econômica e social num momento crítico da história regional: o fim do II Ciclo da Borracha.
Após a Segunda Guerra Mundial, o cenário global era de devastação, e a necessidade de reconstrução era palpável em todas as nações afetadas. No Amazonas, o impacto era duplamente desafiador. O fim da guerra significou uma drástica redução na demanda por borracha natural, que havia sido vital para o esforço de guerra dos Aliados, causando um colapso econômico na região que já havia sido o centro da “febre da borracha” no início do século XX.
Um Português na Amazônia chamado José Cruz
José Cruz, originário de Nagosa, distrito de Viseu em Portugal, chegou a Manaus em 1945, logo após a Segunda Guerra Mundial. Encontrou uma cidade e um estado em reconstrução, onde a economia estava desmoronando com a redução da demanda por borracha, essencial durante o conflito global. Rapidamente, ele se entrelaçou com o tecido social e econômico de Manaus, emergindo como um líder empresarial respeitado e um influente membro da comunidade portuguesa.
Este período pós-guerra obrigou a sociedade amazônica a confrontar a realidade de um mercado de borracha agora obsoleto, enquanto enfrentava o abandono pelos Estados Unidos, que haviam investido na região durante a guerra. Os “heróis da resistência e da reconstrução” eram aqueles empresários, políticos e líderes comunitários que vislumbraram uma nova visão para o Amazonas. Eles lutaram não apenas para reviver a economia local através da diversificação, mas também para instaurar infraestruturas que pudessem sustentar o desenvolvimento socioeconômico e a independência econômica da região.
A atuação de José Cruz na ACA foi marcada por esforços para diversificar a economia local, movendo-a para além da dependência da borracha. Como um líder comunitário e maçom, Cruz focou na construção de infraestruturas e no fortalecimento das redes de apoio social, legando uma estrutura mais resiliente para a região. A escolha pelo empreendedorismo do guaraná traduz o enraizamento lusitano no clima social e cultural da Amazônia, seu novo lar.
Cosme Ferreira: O visionário cearense
Cosme Ferreira, nascido no Ceará, trouxe consigo para o Amazonas uma visão ampla do que a região poderia se tornar. Sua jornada começou quando ainda criança e se desdobrou em uma vida de significativas contribuições políticas, jornalísticas e empresariais. Na ACA, Cosme foi uma força motriz na preservação da memória institucional e na promoção de práticas comerciais que antecipavam um futuro mais sustentável para a economia local.
Além disso, Cosme foi um prolífico escritor e um político ativo, cujas obras e ações focavam na promoção da borracha silvestre e na defesa dos interesses amazônicos a nível nacional. Seu legado é evidenciado pelas estradas, escolas e políticas que ajudou a estabelecer, e que ainda hoje formam a base da infraestrutura econômica da região.
Impacto conjunto na Associação Comercial do Amazonas
Na ACA, uma entidade reconhecida pela União Federal como agência promotora do desenvolvimento, ambos os heróis enfrentaram o desafio monumental de revitalizar uma economia devastada pela guerra e pelo declínio do mercado da borracha. Os anais da Entidade estão apinhados de iniciativas e conquistas para a transformação do Amazonas. Eles estavam na reunião histórica da ACA que reuniu seus associados com o Marechal Humberto Castelo Branco e o professor Arthur Cézar Ferreira Reis, e advogaram por uma abordagem diversificada, que não apenas explorava recursos naturais de maneira sustentável, mas também incentivava a inovação, a educação e o desenvolvimento tecnológico. Estava desenhada a Zona Franca de Manaus.
Legados de luta e compromisso
Ambos deixaram mais do que suas contribuições econômicas; eles inspiraram um espírito de comunidade e colaboração que continua a influenciar o Amazonas. A história de José Cruz e Cosme Ferreira reflete um período de transição e é um lembrete de que o desenvolvimento regional pode ser sustentável e inclusivo, honrando tanto o passado quanto o futuro. Em um momento de incertezas econômicas e desafios ambientais, as lições de José Cruz e Cosme Ferreira permanecem relevantes, mostrando que a resiliência e a inovação são fundamentais para superar adversidades e construir uma sociedade próspera e solidária.
Neste contexto, portanto, a reconstrução do Amazonas envolveu uma reestruturação abrangente que foi além da economia. Incluiu a reafirmação da identidade cultural, a reforma da educação e a inovação tecnológica. A mobilização para essa transformação foi monumental, exigindo uma visão unificada e um comprometimento inabalável para superar as adversidades e construir um futuro próspero.
Alfredo é filósofo, foi professor na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal Brasil Amazônia Agora
Comentários