“A presença federal deve ser proativa e cumpridora de suas atribuições, provendo a infraestrutura que lhe compete para que o Amazonas possa enfrentar outras vazantes e continue a desempenhar seu papel vital para o Norte do país e para a economia brasileira.”
Por Alfredo Lopes
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Coluna Follow-Up
Às vésperas de mais uma vazante extrema dos rios da Amazônia, a dragagem volta a ser destaque nas discussões do fórum sobre logística da Comissão de Logística do CIEAM. Enquanto essa técnica surge como uma resposta imediata para prevenir os danos vivenciados em 2023, seu planejamento e execução demandam uma abordagem meticulosa para evitar consequências socioambientais adversas. Estamos convencidos de que o DNIT, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, por seu portfólio de serviços na Amazônia, tem presente essas precauções.
Questões ambientais
Após anos de garimpo ilegal em áreas públicas, a dragagem, essencial para a manutenção e aprofundamento dos canais de navegação, enfrenta dilemas ambientais significativos. A composição dos sedimentos dragados, que inclui desde partículas minerais até resíduos tóxicos como mercúrio e cádmio, representa um risco potencial à saúde dos ecossistemas e das comunidades locais. As escolhas sobre onde e como dispor esses materiais requerem cuidadosa consideração dos impactos ambientais, incluindo alterações na qualidade da água e prejuízos à biodiversidade aquática.
Debate e colaboração
Importante sublinhar que, em nenhum momento, estamos contra a dragagem. Estamos atentos e à disposição do próprio DNIT para debater com os demais atores federais e a academia os cuidados em tratar um bioma com tantas potencialidades e fragilidades como é a Amazônia. Este clima de debate, neste momento, precisa funcionar como um gabinete de crise, pois além dos debates e providências, tivemos problemas ligados a distorções e abusos tarifários no último episódio de vazante extrema.
Lições e preocupações de 2023
Em 2023, além dos prejuízos que ultrapassaram R$ 1,3 bilhão para administrar as dificuldades climáticas, houve registro de exageros nas chamadas taxas da seca. A perspectiva de novos abusos já movimenta setores público e privado, gerando preocupações e alertas. A economia do Amazonas sobrevive de contrapartida fiscal, fato que deveria inibir qualquer tentativa de oportunismo para o setor produtivo que, mesmo com as medidas de compensação fiscal, precisa gerenciar muitos itens extraordinários em sua planilha de custos.
Importância da ANTAq
Neste momento, para evitar distorções e exageros tarifários, a presença da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAq) é de fundamental importância. Como se tratam de cobranças adicionais e circunstanciais, a autoridade federal do setor tem papel decisivo para coibir anomalias. Em defesa de seus associados, o CIEAM invoca a colaboração entre os diversos atores, usuários e instituições para que possamos assegurar soluções eficazes e sustentáveis.
Um contexto chamado ZFM
A Zona Franca de Manaus (ZFM) é frequentemente subestimada em sua relevância para a economia brasileira, provavelmente por um desconhecimento crônico da estrutura e do funcionamento desta bem-sucedida política pública do Estado Brasileiro. Com o estigma de paraíso fiscal, trata-se de um programa de redução das desigualdades regionais que contribui com 29,4% do valor bruto da produção (VBP) da região Norte e 1,7% do VBP do Brasil. São dados do IBGE que autorizam o reconhecimento do Amazonas como um dos estados mais importantes do Norte e Nordeste para a economia nacional.
A narrativa que coloca a ZFM como um rombo fiscal é desmentida por dados concretos como estes do IBGE e estudos de instituições renomadas, como a USP e a Fundação Getúlio Vargas.
Palavras de Autoridade
Estudos pioneiros de Samuel Benchimol destacam que, ao contrário do que muitos pensam, a ZFM nunca foi um paraíso fiscal que drenava recursos públicos. “Longe de ser um paraíso fiscal, a ZFM é o verdadeiro paraíso do Fisco”, dizia ele. Em toda a estruturação do polo industrial de Manaus não um centavo público de investimento. Pelo contrário, sempre foi um polo de desenvolvimento industrial que contribuía significativamente para a arrecadação federal. A transparência e a precisão dos dados são essenciais para compreender essa realidade, destacando a verdadeira importância da ZFM na economia brasileira.
Desafios e contradições
Essas considerações estatísticas e históricas ajudam a entender a necessidade de maior respaldo e presença da União neste cenário adverso de infraestrutura precária. A seca, que se repete em 2024 na Amazônia, ressalta os desafios logísticos da região. A queda no nível dos rios compromete a navegação, essencial para o transporte de mercadorias e pessoas. A dragagem emergencial realizada em 2023, que custou cerca de R$ 80 milhões, foi ineficaz para evitar prejuízos, e o plano para repetir essa ação nos próximos cinco anos, com promessas de R$ 500 milhões, levanta dúvidas sobre sua eficácia e responsabilidade.
Soluções de longo prazo, como um Plano Sistêmico de Logística e Transportes, são necessárias para evitar desperdício de recursos e garantir a navegabilidade. A colaboração entre instituições locais, como universidades e o Serviço Geológico do Brasil (SGB), é inadiável para desenvolver alternativas mais efetivas.
Contribuições e protelações
Esses dois cenários – a robusta contribuição econômica da ZFM e os desafios da infraestrutura logística – ilustram um paradoxo significativo: o desenvolvimento econômico do Amazonas é essencial para a Amazônia e para o Brasil, mas a região padece de apoio e planejamento federal adequados. Enquanto a ZFM demonstra a capacidade de gerar valor e riqueza, a falta de infraestrutura compromete essa contribuição, criando obstáculos que poderiam ser evitados com uma presença federal mais articulada e proativa.
Falta um Projeto ou um Abraço?
A falta de um apoio federal adequado se manifesta nas delongas de projetos como a sinalização, balizamento ou dragagem dos rios, assim como na ausência de um planejamento logístico sistêmico que considere as particularidades da região amazônica. Instituições locais possuem o conhecimento necessário para desenvolver soluções eficazes, mas precisam de apoio e coordenação federal para implementar essas soluções de forma eficaz. Falta um projeto como o da Embrapa para o Agronegócio ou um abraço de superação como o Pró Álcool nos anos 80. Enquanto isso, através de sua Comissão de Logística, sob a coordenação do professor Augusto Rocha, o CIEAM tem promovido fóruns e mobilizado atores públicos e privados para conhecer, debater e encaminhar problemas crônicos e soluções viáveis.
Premissas da superação e da colaboração
Enquanto isso, os heróis de ocasião esfregam as mãos da ansiedade para assegurar suas estimativas de ganhos. E o Amazonas segue enfrentando seu paradoxo secular: robusta contribuição econômica – desde o Ciclo da Borracha até os dias atuais – acompanhada por inadequado e tímido apoio federal. Superar esses desafios requer uma abordagem coordenada que valorize e utilize o conhecimento da problemática local, implementando soluções de longo prazo que garantam a sustentabilidade e o desenvolvimento contínuo da região. A presença federal deve ser proativa e cumpridora de suas atribuições, provendo a infraestrutura que lhe compete para que o Amazonas possa enfrentar outras vazantes e continue a desempenhar seu papel vital para o Norte do país e para a economia brasileira.
Alfredo é filósofo, foi professor na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal Brasil Amazônia Agora
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