É engraçado, pra não dizer ridículo, o modo como a opinião pública dominante, a mídia brasileira, trata a Amazônia, uma abordagem muito parecida com a atitude histórica que ela própria critica por parte da União, um misto de espanto, encanto e inépcia. A reportagem do Estadão neste fim de semana se enquadra neste paradigma com todas as nuances do desconhecimento. É a sociedade típica do espetáculo, sobre qual o francês Guy Debord escreveu nos anos 60, no auge das barricadas parisienses e da queima de sutiãs nas passeatas do feminismo. “- O espetáculo, compreendido, na sua totalidade é o resultado e o projeto do modo de produção existente. É o coração da irrealidade da sociedade atual. Sob todas as suas formas particulares de informação ou propaganda ou consumo direto do entretenimento, o espetáculo constitui o modelo presente da vida socialmente dominante. A forma e o conteúdo do espetáculo são a justificação das condições e dos fins do sistema existente. O espetáculo é a afirmação da aparência e a afirmação de toda a vida humana, socialmente falando, como simples aparência. O espetáculo é o mau sonho da sociedade moderna acorrentada, que ao cabo não exprime senão o seu desejo de dormir”.
Não há que desmerecer o autor da reportagem, um jornalista que levou as últimas consequências o fascínio que a floresta desperta no imaginário da humanidade e, por isso mesmo, se deu bem. Num comentário lúcido e irretocável, Luciano Schweizer, um conhecedor histórico dessa contradição, assim resumiu a matéria: “ Um ponto de vista respeitável, que recorre ao pior sentido da visão de favela, na dimensão do desleixo para não oferecer qualquer contribuição para criar a Amazônia do Futuro, a Floresta do Conhecimento, a melhor vocação e destino para a região desde que por aqui desembarcaram os primeiros viajantes europeus. Eles anteciparam a visão do evolucionismo biomolecular da região para apontar os negócios que o Brasil ainda não detectou, uma nova fórmula para a Amazônia, uma esfinge de promessa é de prosperidade baseada no saber e no fazer. Essa conversa imediatista que desembarca numa unidade de polícia pacificadora não vai criar um futuro promissor para a Região. A grande pergunta é saber se está surgindo uma nova safra de pensadores da questão amazônica com pensamento criativo, positivo e culturalmente comprometido?
A reportagem menciona que o Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam) reclama que os recursos de P&D, pesquisa e desenvolvimento, um tributo de 5% sobre os lucros das empresas de tecnologia instaladas na Zona Franca de Manaus, destinados à criar essa modalidade de desenvolvimento, não ficam na região. São confiscados pela compulsão pecuniária da república sindicalista que só pensa naquilo. Os recursos de P&D, repassados para o Programa Ciências Sem Fronteiras, não chegaram a seu destino. O Brasil já não se espanta com o espetáculo do sumiço de recursos públicos e já não dá trela à exigência de sua devolução. Este programa que dá bolsas no exterior a estudantes de graduação e pós, mostra que os alunos dos sete Estados do Norte não têm prioridade na oferta de vagas, embora suas teses e programas de pesquisa sejam coerentes com os mistérios e promessas da floresta. Isso também é um espetáculo que não tem a menor importância. Com uma população de 19 milhões de pessoas, a região tem 1.899 bolsistas, bem menos que o Distrito Federal, unidade da federação com 2,8 milhões de habitantes e 2.775 estudantes. A classe política da região, historicamente, não tem lutado por essas questões. O desdém do governo federal com o ensino na Região Norte continua em outros níveis escolares e é anterior à espetaculosa pasmaceira atual.
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