O contexto do “verde” como anunciado trará para o Amazonas um futuro tanto promissor quanto complexo e até com alguma restrição de certeza, ampliando a até agora insolúvel insegurança jurídica da ZFM. Os povos da Amazônia, mais uma vez, não foram ouvidos, embora ainda haja tempo.
Por Juarez Baldoino da Costa
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Em 10 de setembro de 2022 na ACSP – Associação Comercial de São Paulo, o ministro Paulo Guedes fez declarações sobre medidas que pretende implantar num eventual segundo mandato do presidente Jair Bolsonaro.
Mesmo de posição de tendência liberal para a economia, o que inclui o plano de eliminação do IPI e dos incentivos fiscais em geral, ainda assim o ministro pretende conceder 30 anos de isenções tributárias para atividades “verdes” em Manaus, incluindo fábricas de veículos elétricos que, se forem de passeio, hoje tem incentivos proibidos no DL 288/67.
Guedes lançou também a geração de R$ 100 bilhões de créditos verdes para a floresta amazônica “ao invés de viver de crédito de IPI”, se referindo indubitavelmente à exclusividade da Zona Franca de Manaus. O crédito seria então para o Amazonas e não para a Amazônia. O IPI dos produtos hoje excetuados no decreto de redução de 35% não teria mais razão de existir, já que a economia verde o substituirá, para dar sentido à expressão “ao invés de…”.
Neste cenário haveria um conflito entre os interesses das atuais indústrias do Polo Industrial de Manaus que não atuam no mercado verde e que não se viabilizam na ZFM sem o IPI, e os dos futuros operadores dos créditos de carbono. Este mecanismo ainda não foi explicado.
Para o IPI, Guedes declarou ainda que “Não é possível ser tributado antes de começar a produzir. Esse imposto tem que acabar.”
Soa estranha a frase, já que o IPI nasce com a emissão da nota fiscal, junto com o PIS, a COFINS e o ICMS, todos num só pacote e sempre depois de produzido o produto, e não antes. Se a referência do “antes de começar” é para o IPI dos insumos ainda na pré-produção, o mesmo ocorre também com os demais tributos, e não apenas com o IPI.
Os R$ 100 bilhões verdes se supõe que serão provenientes de crédito de carbono, remunerando quem não desmata a floresta, a princípio para cada período anual. Como na área urbana de Manaus vivem mais de 2,3 milhões dos habitantes do estado e não há floresta, não há crédito verde a captar. Os R$ 100 bilhões seriam então “distribuídos” aos 2 milhões de interioranos, resultando numa média per capta de R$ 50.000,00/ano.
É mera especulação apenas para um exercício aritmético, já que os mecanismos e os critérios de distribuição ainda não foram especificados.
O cenário remete à figura inusitada da remuneração por inatividade, tanto do caboclo quanto da floresta, inclusive para algumas produções agroindustriais. Trabalhar no PIM ou no comércio e serviços de Manaus, que pagam em média bem menos do que R$ 50 mil, não estará entre as melhores opções.
Caso a questão fundiária seja considerada nesta temática de direito aos créditos verdes, a propriedade é um complicador que perdura na Amazônia desde o século passado, e que interfere ainda hoje na obtenção de crédito bancário, direitos de herança, grilagem e outras causas ligadas à terra, incluindo os territórios de povos tradicionais que permanecem sendo um imbróglio até constitucional.
Para a nova futura indústria de carros elétricos, considerando que o seu mercado consumidor seria o mesmo dos automóveis não elétricos, localizado fora do Amazonas, e que responde por 98% do total nacional, a fabricação deste produto em Manaus terá a concorrência dos importados e dos eventualmente fabricados em outras cidades fora do Amazonas.
Neste caso, a configuração para viabilizar economicamente esta produção em Manaus parece ser a dos mesmos e combatidos incentivos fiscais atuais da ZFM.
Se for este o desenho, o Amazonas, que já tem problemas com alguns não simpatizantes com a ZFM, terá problemas suplementares com a indústria montadora de veículos, todas multinacionais. O ministro Guedes já deve ter a estratégia que contemplará tal hipotética situação.
Com estas novas diretrizes de Brasília, já para iniciar em 2023, o comércio e os serviços do Amazonas estarão discutindo sobre um novo perfil de cliente, o cliente que tem crédito verde e até o Cartão Verde.
Atualmente, e enquanto houver ZFM, parte da sua clientela é composta pelos 110 mil empregados do PIM e seus respectivos cerca de 440 mil dependentes entre cônjuges, filhos, irmãos pais e avós, e pelos demais trabalhadores indiretos do PIM e suas famílias, igualmente demandantes do comércio e dos serviços. Todos consomem sofás, remédios, pneus, enlatados, sapatos e panelas.
O contexto do “verde” como anunciado trará para o Amazonas um futuro tanto promissor quanto complexo e até com alguma restrição de certeza, ampliando a até agora insolúvel insegurança jurídica da ZFM. Os amazônidas, mais uma vez, não foram ouvidos, embora ainda haja tempo.
Talvez tenhamos que continuar a viver de créditos do STF.
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