Um novo estudo comprova que é possível “plantar água” com restauração florestal e sistemas produtivos sustentáveis
Com a falta de chuvas, São Paulo enfrenta uma nova ameaça de crise hídrica, com novas quedas no nível do Sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de água para mais de 7 milhões de pessoas. Para reverter este quadro alarmante, as melhores estratégias são plantar árvores e melhorar a qualidade do solo.
Este é o resultado de um estudo inédito feito no Sistema Cantareira. A pesquisa foi publicada na revista Earth/MDPI, (Multidisciplinary Digital Publishing Institute, editora de periódicos científicos de acesso aberto) e teve como foco a bacia Atibainha, uma das cinco que formam o Sistema Cantareira, nos municípios de Nazaré Paulista e Piracaia, ambos no estado de São Paulo.
A primeira autora do artigo “Até que ponto as soluções baseadas na natureza podem aumentar a resiliência do abastecimento de água frente às mudanças climáticas em uma das mais importantes bacias hidrográficas brasileiras?” é Letícia Duarte, pesquisadora do Projeto Semeando Água. Segundo ela, as análises feitas a partir do uso de duas metodologias (PUC/SWAT) demonstraram efeito de sinergia entre as duas estratégias já trabalhadas pelo projeto Semeando Água.
“Melhorar as práticas de manejo em áreas prioritárias para recarga hídrica ajuda a reduzir oscilações na disponibilidade hídrica ao longo do tempo. Já a restauração das APPs melhora a qualidade da água e contribui também com o sequestro de carbono da atmosfera, estratégia para mitigar os efeitos das mudanças climáticas”.
Neste estudo, a pesquisadora explica que eles simularam projeções para a bacia do Atibainha a partir de quatro diferentes cenários de uso da terra sob três condições climáticas: clima observado (2009 a 2019) e duas das projeções climáticas futuras (2020 a 2095) do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), a intermediária e a pessimista.
A avaliação dos diferentes cenários na bacia do rio Atibainha contribui ainda para o entendimento dos desafios a serem enfrentados por gestores públicos, produtores rurais e população na busca por segurança hídrica em diferentes cenários de crise climática.
“O estudo é um alerta, já que mesmo na sub-bacia do Atibainha que apresenta melhores condições do que as outras, o resultado é preocupante”, afirmam os pesquisadores.
Considerando a projeção de RCP 4.5 (Representative Concentration Pathway) do IPCC de média de emissões de gases de efeito estufa, (caracterizada como intermediária, pela estabilização das emissões), restaurando as APPs e melhorando o manejo juntos, a recarga de aquíferos aumenta 8% em relação ao uso do solo atual, o escoamento superficial – água que não infiltra no solo – reduz em 40% e a produção de sedimentos que prejudica os reservatórios por conta do assoreamento terá redução de 6%.
Para o cenário RCP 8.5 – o mais crítico (com aumento das emissões de gases de efeito estufa) – aplicar as duas soluções em conjunto reduz o escoamento superficial em 36% e a produção de sedimentos em 17%. Para as demais bacias, os efeitos das mudanças climáticas podem ser ainda mais drásticos porque elas estão mais degradadas, têm menos cobertura de mata nativa.
No cenário atual, um dos destaques é que por conta da diminuição do escoamento superficial em 34%, há aumento na infiltração da água no solo, o que já contribui com o aumento da resiliência do sistema, uma vez que a água será liberada aos poucos. Nos meses mais secos, por exemplo, agosto e setembro, haverá mais 12% de água.
Com a iminência de uma nova crise hídrica em São Paulo, o estudo afirma a necessidade de ação coletiva para reduzir o impacto e evitar futuras crises. “O estudo salienta também que essas medidas devem ser combinadas com um esforço coletivo e intenso de redução das emissões de gases de efeito estufa, caso contrário, São Paulo poderá viver novamente eventos de crise”, destaca Letícia.
Ação para mudança já dá resultado
Há mais de 15 anos, o IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas trabalha com pesquisa científica voltada para a questão hídrica na região do Sistema Cantareira, fazendo restauração florestal de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e tornando sistemas produtivos mais sustentáveis, com melhoria da produção e da qualidade do solo.
Iniciativas piloto já estão trazendo mudanças reais em propriedades privadas. A lógica é simples: quando o solo está em condições ecológicas adequadas, a água infiltra de melhor forma e abastece os lençóis freáticos que alimentam as represas do Sistema Cantareira.
Na região, o déficit de árvores em Áreas de Proteção Permanente é de 35 milhões. O Instituto já realizou o plantio de 400 mil em parceria com empresas e pequenos proprietários.
Plantar água
A propriedade de Marcio Rinaldi, em Nazaré Paulista, tem uma área de 22 hectares, sendo 14,5 de mata nativa. O sítio está na família há 40 anos e Marcio e a mulher assumiram a gestão há 10. “A gente tinha um problema sério no pasto. Quando chovia o volume de água que escorria era enorme, abrindo uma voçoroca, ou seja, grandes rachaduras que são sinais de degradação do solo”, conta o proprietário.
“Sem cobertura vegetal, a terra exposta é levada para dentro dos cursos d’água, assoreando o lago e sua nascente. Com a assistência técnica da equipe do projeto Semeando Água foi feito um estudo e seguindo as curvas de nível implementamos um terraceamento, que segura a água da chuva fazendo ela infiltrar no lençol freático, acabando assim com as enxurradas pasto abaixo. A propriedade passou a contar com caixa seca, um reservatório escavado no chão, que também contribui para segurar o excesso de água”, explica ele.
Medidas voltadas a sistemas produtivos sustentáveis também aliam conservação da água e da biodiversidade com aumento de produção e da renda. “Na propriedade, foi implementado um Sistema Silvipastoril com o plantio de 1.500 mudas de espécies melíferas nativas da Mata Atlântica, dessa forma conseguiremos oferecer sombra e conforto térmico à futura criação de ovelhas e ainda alimento para as abelhas uma vez que a apicultura é a atividade principal”.
A propriedade também ganhou um Sistema Agroflorestal que tem como principais cultivos o café e a palmeira-Juçara, a expectativa é a comercialização dos frutos.
Inovação
Esse é o primeiro trabalho a usar o método oficial do estado de Minas Gerais, o PUC – Potencial de Uso Conservacionista para identificar as áreas prioritárias para recarga hídrica e na sequência incluir esses dados no SWAT – Soil and Water Assessment Tool para desenhar e simular as diferenças nessas áreas a partir de mudanças no uso do solo em três cenários climáticos.
“O PUC é um método que discrimina as áreas de uma bacia hidrográfica de acordo com as potencialidades e limitações de uso sustentável, definidas em termos de resistência à erosão, potencial para uso agrícola e contribuição para recarga hídrica. Utilizamos o PUC para encontrar áreas prioritárias para recarga hídrica na bacia do Atibainha. Já no SWAT, que é um programa de computador que simula o ciclo hidrológico em uma bacia, incluímos dados de temperatura, precipitação, tipo e usos do solo, declividade, manejo, parâmetros de crescimento das plantas, entre outras informações. A partir desses dados, o modelo indica o que acontece com a água da chuva na região, como por exemplo, evapora, passa a compor o volume dos rios, infiltra no solo e recarrega os aquíferos”, explica Letícia.
Fonte: CicloVivo
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