A Constituição diz que “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”, mas o Congresso Nacional deseja destinar essas áreas para o usufruto da Defesa, da exploração mineral, da agropecuária, das obras de infraestrutura e de tudo o que o governo quiser, bastando declarar a área como de “relevante interesse público”. É esse o teor do relatório do deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), ao Projeto de Lei 490/07 e a 13 outras propostas que tramitam em conjunto, aprovados em definitivo nesta terça-feira (29) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
O texto-base foi aprovado por 40 votos a 21 na semana passada (veja como cada deputado votou), enquanto os indígenas foram impedidos de entrar no Congresso. Nesta terça-feira (29), a votação foi concluída, com a rejeição de todas as tentativas de mudar o texto. A proposta segue para o Plenário.
O que está no texto transforma terras indígenas em quase qualquer coisa, a gosto do freguês. A principal mudança é que a demarcação de terras indígenas passa a ser assunto do Congresso Nacional e não mais do Executivo, como é a regra atual. O texto também institui o chamado marco temporal, que reconhece como terras indígenas apenas aquelas que estavam ocupadas pelos indígenas no momento da promulgação da Constituição de 1988. O marco temporal exclui o reconhecimento e direito à terra de habitantes que foram expulsos de suas áreas tradicionalmente habitadas e que não estavam lá em 05 de outubro de 1988.
Além disso, o projeto de lei proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas e considera nulas demarcações que não atendam aos preceitos estabelecidos pelo atual texto. Os processos administrativos de demarcação de terras indígenas ainda não concluídos deverão ser adequados ao disposto nesta Lei.
Exceções aos direitos dos indígenas sobre a própria terra
O direito à gestão da própria terra, aquelas que estavam ocupadas no dia 05 de outubro de 1988, não existe se:
- O governo quiser usar a área para aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional;
- A área for de interesse da pesquisa e lavra das riquezas minerais, que também dependerão de autorização do Congresso, assegurando-lhes a participação nos resultados da lavra, na forma da lei;
- Da garimpagem nem da faiscação, devendo se for o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira;
- As áreas cuja ocupação atenda a relevante interesse público da União;
- Aos interesses da política de defesa e soberania nacional;
- A área for de interesse para a instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares;
- A área for de interesse para a expansão estratégica da malha viária;
- A exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou ao órgão indigenista federal competente.
O texto também assegura a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal em área indígena, independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou da Funai.
Ingresso em área indígena
Com a permissão de fazer tudo e mais um pouco em áreas demarcadas, o projeto de lei também regulamenta o ingresso de não indígenas nessas áreas. Algumas já são como funciona atualmente, ingresso mediante autorização da comunidade indígena. O PL amplia a regulamentação para garantir o ingresso de servidores públicos e prestadores de serviços para prestação de serviços públicos ou realização, manutenção ou instalação de obras e equipamentos públicos; e de pessoas em trânsito, no caso da existência de rodovias ou outros meios públicos para passagem.
O texto aprovado permite ao governo retomar uma terra indígena caso haja mudanças nos “traços culturais” das comunidades. “Seria exigir dos brancos que permanecessem dois séculos atrás, com aquelas perucas, com aqueles saiões, andando por aí num dia quente. A cultura é dinâmica. Como a gente vai avaliar se perdeu ou não traços culturais, e mesmo assim, foi pelo processo de colonização. Muitos povos indígenas perderam as línguas, mas não foi por causa dos povos indígenas, foi pelo massacre, pela colonização forçada, pelo genocídio que muitos sofreram”, criticou a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), única representante indígena no parlamento.
Autorização para exploração
O relatório aprovado faculta o exercício de atividades econômicas em terras indígenas, desde que pela própria comunidade, porém admitida a cooperação e contratação de terceiros não indígenas. Os frutos da atividade “devem gerar benefícios para toda a comunidade” e a posse dos indígenas deve ser mantida sobre a terra, ainda que haja atuação conjunta de não indígenas no exercício da atividade. Os contratos devem ser registrados na Funai.
Povos isolados
O PL afirma que o contato com indígenas isolados deve ser evitado ao máximo, “salvo para prestar auxílio médico ou para intermediar ação estatal de utilidade pública”.
Resta saber se sobrará terra indígena isolada o suficiente para manter essa população a salvo.
O texto do projeto de lei, na íntegra, pode ser lido aqui.
Fonte: O Eco
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