Abraçar a Zona Franca de Manaus, e aplicar parte substantiva de seus recursos na região, significa conferir dignidade às populações locais, geração de recursos para proteger a floresta, implantar polos robustos de biotecnologia, de tecnologia da informação e da comunicação, conferindo aos jovens desta geração oportunidades do protagonismo para desenvolver atividades econômicas sustentáveis para realização profissional e pessoal de cada um e para ajudar o Brasil a deixar o atraso.
Por Alfredo Lopes
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Coluna Follow-up
Desde que a Europa descobriu a Amazônia, há mais de cinco séculos, que a humanidade passou a fantasiar a região como paraíso perdido. O filósofo francês, Jean-Jacques Rousseau, um dos fundadores da visão liberal do capitalismo nascente, ao tomar conhecimento dos grupamentos indígenas, formulou a tese do “bom selvagem” para concluir, na sequência, uma de suas sentenças liberais de que “o homem é bom, mas a sociedade o corrompe”. Mais tarde, no ápice da modernidade no modo de produção capitalista, em que o modelo predatório da civilização foi destruindo a base natural do ambiente, surgiu outra tese, segundo a qual a Amazônia é o último jardim do mundo. E que é preciso preservá-la sem conhecer sua intimidade.
Deste mingau, sem sabor nem teor nutritivo de opiniões apressadas, o interesse das populações que aqui habitam na floresta sempre foram tratados com irrelevância e indisfarçável ignorância. Este, entretanto, é um dos fios do novelo que pretende eliminar a Zona Franca de Manaus, o programa de desenvolvimento regional – da porção maior e mais pobre do Brasil – reconhecido mundialmente. E mais grave, foi transformado no grande bode expiatório das crises da político fiscal do Brasil. Por conta disso, podemos especular as razões pelas quais o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, segundo os jornais da semana passada, pretende manter a Zona Franca de Manaus.
1 Talvez poucos saibam que o partido do atual Governo, o PT, foi fator decisivo para incluir na ADCT, Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Carta Magna, em 1988, a economia da ZFM e de toda a Amazônia Ocidental, mais o Estado do Amapá, que utilizam menos de 8% dos incentivos fiscais do país. Eram 16 parlamentares liderados no Assembleia Constituinte por Luiz Inácio Lula da Silva.
Em 2003, já presidente, homologou a terceira prorrogação dos incentivos, com a edição da Emenda Constitucional nº 42, que modificou o artigo 42 do ADCT e estendeu os incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus por mais dez anos, com validade prevista até o ano de 2023. Em 2014, com o apoio de sua liderança, a presidente Dilma Roussef, assinou a prorrogação por mais 50 anos. Na última campanha ele já havia anunciado a manutenção da ZFM.
2 Segundo especialistas em desenvolvimento regional, alguns da União Europeia e da Organização Mundial do Comércio, trata-se do maior acerto de redução dos contrastes socioeconômicas dentro da própria nação – muito comum nos países do Ocidente – que descrevem a pobreza do Norte e a prosperidade do Sul do Brasil. Por isso é que há múltiplas ZFs pelo mundo afora. No Brasil, contribuímos substantivamente com a balança comercial ao produzir os itens que seriam importados. E o apreço da UE e OMC tem o valor adicional de que se trata de uma planta industrial que ajuda a preservar o bioma florestal.
3 Ao recolher a parte do Leão da riqueza produzida a partir de Manaus, o Brasil fez do Amazonas, proporcionalmente, o maior contribuinte da Receita. Nominalmente, somos o quinto maior pagador de impostos, apesar do estigma infundado de que aqui somos um paraíso fiscal. O Amazonas, com 4,2 milhões de habitantes e com 11 municípios entre os 50 piores IDHs do Brasil, é o estado que mais contribui para Receita do que recebe.
Isso não faz qualquer sentido, pois a Carta Magna nos concede essa parcela tímida de isenção do bolo fiscal justamente para aplicar na redução da vulnerabilidade social, não para carregar o país nas costas. É curioso que os escribas da desconversa não põem este fato absurdo em pauta.
4 É importante o Brasil saber dos resultados alcançados pelas 437 empresas do Polo Industrial de Manaus: foram faturados em 2022, US$32 bi, ou seja, R$ 165,5 bi, sob a gestão da SUFRAMA, a Superintendência da Zona Franca de Manaus. Desse montante, foram agregados apenas US$8 bi à região, com salários, fundos e contribuições sociais e constitucionais, etc… aproximadamente, 25% do valor apurado. O restante é que nem o clássico Conceição de Cauby Peixoto, “ninguém sabe ninguém viu” aonde foi aplicada a fortuna.
Há décadas, se esperam obras de uma estrutura logística de transportes que tornem essa indústria da floresta competitiva. Segundo estudos da FGV e FEA-USP, os recursos em sua maioria são apropriados pela União e não retornam em infraestrutura para a região. Comunicação, energia e transportes, precárias e caras, tornam a região distante dos centros consumidores. O poder público, com os impostos pelo olho da cara, fazem a infraestrutura condenar a Amazônia a uma região remota e de acesso mais do que oneroso.
5 Para assegurar a permanência do programa ZFM, porém, e sua estruturação a favor da região – posto que atualmente o Brasil é o maior beneficiário – será preciso balancear certo reducionismo ambiental que as vezes parece esquecer das realidades mais imediatas e de outras necessidades do desenvolvimento da região. De fato a questão é complexa, mas é mais do que necessária a recuperação do asfaltamento das duas rodovias que retirariam Amazonas e Roraima do isolamento rodoviário nacional.
A estrada que liga Manaus-Boa Vista, daí ao Caribe e aos EUA, a BR-174 e a Manaus a Porto Velho, Rondônia, BR-319, construídas nos anos 70 e 90, ambas foram abandonadas e estão praticamente intransitáveis. Isso favorece o crime organizado, ao contrário do que pensam os reducionista. A recuperação permitiria a vigilância dos atores públicos responsáveis e, com ela, o fomento à iniciativas sustentáveis, a favor da sociedade regional. Proteger um bem natural é atribuir-lhe uma atividade econômica sustentável.
6 A intocabilidade passiva também se aplica ao balizamento das hidrovias, emergencialmente, para os Rios Madeira e Amazonas, a partir de Manaus. Essas hidrovias, que são o modal mais coerente com uma região que tem 20 mil km de rotas fluviais, tem baixo custo logístico e alta performance ambiental. Entre o modal aéreo e rodoviário, a hidrovia é campeã de sustentabilidade. O Brasil não gastaria um centavo adicional, assim como não gasta um real com a instalação das indústrias da ZFM. Apenas seriam necessários 10% do que a Suframa recolhe a cada ano junto às empresas.
Ou seja, com US$ 3,2 bilhões, uma revolução logística se implantaria em 5 anos. Em tempo, porque a Receita inclui a ZFM nos gastos fiscais, tratando o contrato social como renúncia fiscal? Um papa, pra fazer uma comparação, só renuncia à gestão do Vaticano se ele adoecer no exercício do papado, onde investiu sua saúde. O que o Brasil investiu no Polo Industrial de Manaus para dizer que há renúncia fiscal na ZFM? Se nada investiu nada há a renunciar.
7 O maior motivo, provavelmente, que vai respaldar decisões dos ministros da Fazenda e da Indústria e Comercio, respectivamente Haddad e Geraldo Alckmin – que era deputado federal em 1988 e votou com a ZFM – é que a Suframa, já escalada para integrar a cruzada da reindustrialização do país, é a responsável por uma gestão de recursos com essa envergadura de faturamento: US$32 bilhões/ano. E não é porque não existe outra alternativa com esse fôlego de receita, emprego, renda e proteção florestal. As outras alternativas que se aproximam minimamente da ZFM são absolutamente ilegais, deletérias, excludentes, no limite, genocidas na região.
Abraçar a ZFM, e aplicar parte substantiva de seus recursos na região, significa conferir dignidade às populações locais, geração de recursos para proteger a floresta, implantar polos robustos de biotecnologia, de tecnologia da informação e da comunicação, conferindo aos jovens desta geração oportunidades do protagonismo de desenvolver atividades econômicas sustentáveis para realização profissional e pessoal de cada um e para ajudar o Brasil a deixar o atraso. Basta que respeite a Lei que ampara a ZFM, acolha e aproveite, na sequência, a ajuda definitiva que virá da economia sustentável da Amazônia para caminharmos todos no rumo da nova civilização. Quantos destes itens moveram a decisão do Ministro?
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