Percebendo ou sentindo este erro histórico, Carauari, na calha do Rio Purus, criou o seu plano originado entre os seus amazônidas ouvidos entre eles próprios, sem Brasília e sem os planejadores dos recorrentes novos planos, e está ministrando com isto uma aula de como se faz para encontrar o caminho para desenvolver a Amazônia interiorana.
Por Juarez Baldoino da Costa
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Os dois Ciclos da Borracha não tiveram o homem amazônida como objeto – foram dois movimentos externos para atender uma demanda externa e que precisou de mão de obra externa, especialmente do Nordeste. O que era interno era apenas o látex. A história registra que o primeiro ciclo nasceu para atender a demanda europeia para produção de artefatos criados em decorrência da Revolução Industrial, como correias e outros acessórios para as máquinas a vapor, pneus para motos e automóveis, e uma infinidade de aplicações da borracha; o segundo ciclo supriu as demandas da 2ª. Grande Guerra.
Tudo externo, e economicamente não haveria outro formato para atingir o lucro obtido que permitiu as obras e os benefícios da Belle Époque Amazônica em alguns centros urbanos. Nada disto, porém, alcançou o interior, mas por outro lado, sem a demanda europeia, nada da opulência de então haveria nas capitais Belém e Manaus. A ACA – Associação Comercial do Amazonas, por exemplo, nasceu em função do primeiro ciclo da borracha em 1871 com Miranda Leão, entre outros.
A partir de então, e já há mais de um século, depois de uma sucessão de planos que veem sendo elaborados, e alguns até implantados como é o caso da exitosa ZFM – Zona Franca de Manaus e de muitos projetos bem sucedidos da SUDAM – Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia, o fenômeno observado é o mesmo: a tentativa que parece frustrada de alcançar o interior, já que em pleno 2022 ele detém ainda os mais baixos índices de IDH e um dos maiores níveis de pobreza do país divulgados pelo IBGE.
No caso da ZFM, há ainda a característica de que os seus insumos precisam ser necessariamente de origem externa, o que permite obterem incentivos fiscais – se fossem insumos da floresta não teriam esta condição por não sofrerem tributação federal, inviabilizando o seu funcionamento.
Se divulga pela imprensa nos últimos anos falas repetitivas que ainda pretendem propor um novo plano para a Amazônia, para o mesmo interior, como se a ZFM e a SUDAM já não tratassem disto, apesar da concentração de riqueza que não foi possível impedir e que foi obtida sem compartilhar com o interior.
O IBGE está nos alertando que o formato dos planos para a Amazônia até então não deram certo quando se pretende interiorizar seu desenvolvimento. Os recursos da região convertidos em PIB se concentraram inevitavelmente como é a proposta natural e inexorável do capitalismo, ou tomaram rumo externo ao seu território. E ainda bem que exista o capitalismo.
O que foi comum desde 1880 e ainda persiste hoje, e talvez explique o fenômeno, é a ausência do elo fundamental neste processo: a voz do amazônida interiorano.
Percebendo ou sentindo este erro histórico, Carauari, na calha do Rio Purus, criou o seu plano originado entre os seus amazônidas ouvidos entre eles próprios, sem Brasília e sem os planejadores dos recorrentes novos planos, e está ministrando com isto uma aula de como se faz para encontrar o caminho para desenvolver a Amazônia interiorana.
O pirarucu foi o meio, uma escolha da Associação de Produtores Rurais de Carauari (Asproc) através do Projeto Gosto da Amazônia, que conta com o suporte de Adevaldo Dias, presidente do Memorial Chico Mendes, e do biólogo João Campos Silva, num processo iniciado desde 2011, também reportado pelo jornal O Estado de S. Paulo na edição de 20/03/2022. A associação inaugurou recentemente um frigorífero local, capacitando a mão de obra também local para sua produção.
O investimento talvez tenha sido próximo ao aporte de recursos públicos para uma escola de samba em Manaus em 2022, por exemplo, de cerca de R$ 130 mil, também importante para a cultura foliã e a renda dos trabalhadores envolvidos, mesmo sendo Manaus a 7ª. economia do país, bem menos necessitada do que Carauari.
O futuro do projeto é promissor, mas o importante é o seu nascedouro: a voz do amazônida foi ouvida.
A aula de Carauari, para quem pensar em planos para a Amazônia, é na verdade uma Aula Magna, cunho dado ao evento inaugural que apresenta uma personalidade representativa da matéria objeto da formação da plateia.
Os professores carauarienses parecem estar à disposição, com seu frigorífico, seu pirarucu e o mais importante: com a sua voz.
Depois das folias do Momo, um pirarucu vai bem!
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