As universidades e institutos de pesquisa têm um papel fundamental em associar a bioeconomia a cadeias de conhecimento a partir do âmago da floresta, com foco em capacitação local, desenvolvimento de tecnologias para adicionar valor aos produtos do extrativismo, e contribuição no fomento de centros de biotecnologia avançada
Por Vanessa C. Pinsky
O desenvolvimento da bioeconomia na Amazônia é uma abordagem promissora para o desenvolvimento socioeconômico e preservação ambiental da região. O termo bioeconomia é amplo e aplicado de diferentes maneiras em setores distintos. No contexto amazônico, bioeconomia deve ser algo transformador, que considere premissas fundamentais para o desenvolvimento sustentável da região, incluindo bem-estar humano, geração de emprego e renda, distribuição justa dos benefícios, desmatamento zero, manutenção dos ecossistemas, respeito à cultura local, valorização dos saberes tradicionais, fortalecimento dos sistemas tradicionais de manejo, e salvaguardas socioambientais.
Estas são algumas das conclusões do I Workshop de Bioeconomia, realizado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA-USP) e pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) no início de agosto, com o objetivo de elencar prioridades e metodologias para o estudo das cadeias de valor com base na biodiversidade na Amazônia.
O evento, iniciativa vinculada ao Projeto Bioeconomia da FEA-USP e Inpa, contou com a participação de especialistas que discutiram os desafios e formas sustentáveis para a geração de emprego, renda e bem-estar na Amazônia. O Projeto almeja ampliar a compreensão de questões relativas às cadeias de valor com base na biodiversidade nos estados do Amazonas e de São Paulo. Sua prioridade é identificar fatores críticos para elevar a sustentabilidade das cadeias de valor no estado do Amazonas, com alto potencial de consumo no estado de São Paulo.
Entre outros temas prioritários, foram apresentados a sustentabilidade financeira de reservas extrativistas, a bioeconomia do cacau amazônico e do pirarucu, o desenvolvimento de competências em cadeias de valor e as ferramentas de formação para gestão de empreendimentos rurais.
O atual contexto brasileiro é de múltiplas crises (sanitária, climática, econômica, política), complexas e sistêmicas, que elevam as desigualdades sociais na região amazônica, sendo que a deterioração das condições de trabalho e renda estão entre as suas principais consequências. Jacques Marcovitch, professor emérito da FEA-USP, enfatiza que a valorização da dimensão humana no desenvolvimento das cadeias com base na biodiversidade da Amazônia é prioridade para a construção de uma nova realidade após o impacto da pandemia de Covid-19.
Há profundas mudanças nesta nova era, que tem como pano de fundo o impacto das tecnologias, a valorização dos ativos, a liquidez das empresas e os recursos internacionais disponíveis para uma retomada verde e inclusiva. Importante considerar também uma maior disposição e participação de empresas e líderes com propósito, sensíveis às questões de sustentabilidade e que buscam mitigar riscos e criar novas oportunidades na agenda de desenvolvimento sustentável na Amazônia. Em tempos de crise, mudanças transformadoras são necessárias, e a Academia tem papel fundamental para a construção de um futuro mais sustentável visando o enfrentamento das adversidades impostas à sociedade.
Cadeias de valor
O entendimento da complexidade e das oportunidades no desenvolvimento de cadeias de valor com base na biodiversidade na Amazônia demanda um modelo de desenvolvimento econômico que considere a riqueza e diversidade biológica originada ao longo de milhões de anos. As particularidades da floresta residem nas diversidades ecológica e cultural da região, cuja inclusão social é necessária para reduzir as desigualdades de renda e a pressão sobre os recursos naturais. Múltiplos aspectos peculiares caracterizam o bioma Amazônia.
A intervenção nas cadeias precisa considerar prioritariamente a dimensão humana do bem-estar e o impacto no ecossistema. Adalberto Luis Val, professor e pesquisador do Inpa, defende que o tamanho do mercado e o potencial de exportação de uma cadeia são fatores importantes, mas não devem ser preponderantes na tomada de decisão e investimento para seu desenvolvimento. O impacto da monocultura na paisagem e degradação do solo, o uso intensivo da água, a interferência no fluxo e na qualidade das águas dos rios são exemplos de fatores que devem ser avaliados no estudo da viabilidade econômica de uma cadeia produtiva.
O que não deveria ser classificado como bioeconomia na Amazônia: atividades baseadas em combustíveis fósseis, monoculturas, produção em escala com potencial de canibalizar a produção extrativista e métodos tradicionais e atividades produtivas que comprometam o funcionamento dos ecossistemas. Por outro lado, há um potencial enorme a ser explorado nas cadeias de valor da biodiversidade amazônica considerando o uso de novas tecnologias (ex. inteligência artificial, blockchain), rastreamento, certificação de produtos e descoberta de novos componentes da biodiversidade.
O etnoconhecimento e o conhecimento vindo da ciência coexistem. Essa interlocução é possível, viável e enriquece a discussão contemporânea sobre o modelo de desenvolvimento econômico que é viável e sustentável para os amazônidas. A retomada econômica de forma sustentável é necessária no atual contexto de aumento de desigualdades e pobreza, mas sempre colocando o ser humano na centralidade do processo.
Organizações humanas precisam continuar evoluindo, independentemente das pessoas que as integram. E, conforme a geógrafa Bertha Becker (1930-2013) nos ensina, as universidades e institutos de pesquisa têm um papel fundamental em associar a bioeconomia a cadeias de conhecimento a partir do âmago da floresta, com foco em capacitação local, desenvolvimento de tecnologias para adicionar valor aos produtos do extrativismo, e contribuição no fomento de centros de biotecnologia avançada. A geração de riqueza e inclusão social nas cadeias da biodiversidade, sem destruir a natureza, deve se sustentar em arranjos institucionais coletivos, que reúnam pesquisadores, empresas, sociedade civil e governos.
Há um potencial enorme da bioeconomia aplicada na Amazônia, com foco no bem-estar humano, geração de emprego e renda. O seu desenvolvimento deve ser respaldado por uma governança multinível, com política pública e arranjos de implementação envolvendo diversos atores locais. Precisamos agir no presente para construirmos um futuro melhor.
Texto publicado originalmente em Página 22
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