Duas observações à guisa de esclarecimento: primeira, a Amazônia não é rica, pois a Amazônia é, principalmente, sua gente, estigmatizada por índices deploráveis de desenvolvimento humano, os IDHs mais baixos do país. Segunda observação: este montante de R$148 bilhões para os cofres federais foram depositados pelas empresas e demais contribuintes da ZFM. Ou seja, esta operação é o maior atestado de acertos deste programa de redução das desigualdades regionais, o maior constrangimento do país com sua cidadania.
Por Lúcio Flávio Morais de Oliveira
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Coluna Follow-up
Enquanto não baixa a poeira magoada da transição, vamos acompanhando ativamente o desenrolar dos acontecimentos, enquanto damos uma olhada no retrovisor da história à procura de luminárias que possam clarear os sacolejos da estrada esburacada dessa relação entre a Amazônia e o poder central. Corria o ano de 1976, o mundo estava sobressaltado com a crise do petróleo e todas as mazelas que isso significa.
Ainda hoje, quase meio século depois, o ouro negro está pontificando e seu cartel global dos combustíveis segue transpirando emissões predatórias. Aqui e ali ele se revitaliza em conflitos como o da invasão da Ucrânia pela Rússia. Naquele momento a turbulência era grave como agora e no Brasil, vivíamos a era dos militares no poder. No enfrentamento da crise, internamente, foram criadas três saídas estratégicas premidas pela necessidade e empurrados pela vontade política. O regime era fonte de tensão naquele momento mas a decisão não deixou de ser um ato político, no sentido da gestão pública justificada na defesa do interesse civil.
As soluções construídas contemplaram a exploração submarina de petróleo, a hidrelétrica de Itaipu e o programa do álcool combustível, que incluiu o biodiesel, executado mais recentemente. Energia nuclear veio depois. Estes dois últimos feitos foram o início do protagonismo brasileiro no contexto global de produção de energia renovável, entretanto, para todas as grandes escolhas nacionais sempre pesou a vontade política, uma senha que sempre escancara um novo tempo.
Outras ações transparecem a materialização da vontade política do Estado brasileiro se deram com a Embrapa no agronegócio e com a Zona Franca de Manaus na proteção da Amazônia e sua integração nacional. O ex-ministro da Fazenda e do Planejamento Paulo Haddad, em artigo recente, assim se referiu à ZFM: “A Zona Franca de Manaus é um dos polos de desenvolvimento da Amazônia que apresentam uma história de sucesso no conjunto das políticas de desenvolvimento regional no pós-II Grande Guerra.
Sucesso, sem dúvida, medido em termos da relação altamente positiva dos seus custos para a sociedade brasileira (incentivos fiscais e financeiros, despesas tributárias, etc.) com os seus benefícios também para o conjunto da sociedade brasileira (geração de renda e emprego, inovações tecnológicas, produção competitiva globalmente de bens duráveis de consumo, etc.). Uma construção político-institucional ao longo da história do processo de integração nacional que não pode ser desconstruída por portarias ministeriais”. Passados 56 anos, por que este programa de redução das desigualdades regionais não avançou na mesma progressão com que passou a gerar riqueza?
Assim como no Pró-Alcool, na exploração submarina de petróleo e na construção da Usina hidrelétrica de Itaipu, nos anos 70, a Amazônia foi brindada com o Projeto Carajás/Hidrelétrica de Tucuruí, além da Zona Franca de Manaus. A expressão Zona Franca tornou-se inapropriada com o passar do tempo. Compensação fiscal deveria ser apenas moeda de troca para atração de investimentos que iriam combater as diferenças socioeconômicas entre o Norte e o Sul do Brasil.
Na verdade, o Amazonas – transformado em exportador líquido de recursos para a União Federal – foi guindado a “estranha” ascensão a quinto maior contribuinte da Receita. De suposto paraíso fiscal a paraíso do Fisco, que recolhe 75% de toda riqueza gerada pela ZFM. Vejamos o portal da Receita com referência aos movimentos de recursos gerados, recolhidos e retidos na região. De 2000 a 2018 foram gerados R$148,5 bilhões, confirmados pelos dados da Suframa. No período, foram retidos apenas R$38,3 bilhões para o Estado e R$110,2 bilhões recolhidos para a Receita Federal do Brasil.
E não precisa muita imaginação para desenhar o cenário de excelência de desenvolvimento e de drástica redução das desigualdades regionais. O que seria possível construir com apenas 50% desse montante?. E não apenas para a região, proteção da floresta e seus ativos lucrativos que o aproveitamento sustentável representa, na produção de fármacos, dermocosméticos, alimentação funcional, alternativas energéticas.
No programa Amazônia 4.0 de bioeconomia sustentável, conduzido por um grupo de cientistas e empreendedores, 100 produtos a partir da diversidade biológica, sem precisar derrubar uma árvore, em 10 anos vão gerar uma receita que é duas vezes superior ao agronegócio. Isso está claro para o olhar estrangeiro. O repertório de protagonismo do Brasil na questão socioambiental, por sua própria coerência, seria suficiente para o exercício da vontade política do país para proteger a Amazônia e construir, a partir dela, a construção da prosperidade geral e sustentável de que precisamos.
Duas observações à guisa de esclarecimento: primeira, a Amazônia não é rica, pois a Amazônia é, principalmente, sua gente, estigmatizada por índices deploráveis de desenvolvimento humano, os IDHs mais baixos do país. Segunda observação: este montante de R$148 bilhões para os cofres federais foram depositados pelas empresas e demais contribuintes da ZFM. Ou seja, esta operação é o maior atestado de acertos deste programa de redução das desigualdades regionais, o maior constrangimento do país com sua cidadania. Só falta, portanto, o Brasil fazer sua parte: proteger, fortalecer e interiorizar pela Amazônia essa insubstituível fonte de riqueza, como o faz a Constituição, numa decisão política, a mais inadiável da história presente da Nação brasileira.
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