Estamos como povo praticamente condenados a morte, com alimentos e energia nas alturas, planos de saúde impagáveis, sem oxigênio nos hospitais, sem vacina, com um abismo enorme em desigualdade social e alheios aos rumos que o país vai tomar.
Farid Mendonça Júnior
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Estamos no meio da pandemia, perdendo milhares de vida no Brasil e milhões no mundo todo devido a este terrível vírus.
Mas a reflexão que eu gostaria de trazer hoje refere-se aos tributos. O que pode parecer estranho num primeiro momento. Como que no meio da pandemia vamos ter a consciência de pensar em tributos? Ainda mais no sentido de que eles podem nos matar?
Pois é, mas a grande verdade é esta. Os tributos podem sim nos matar de diferentes formas. Seja aumentando, reduzindo, zerando ou isentando a carga tributária sobre diversos tipos de bens e serviços, em diversas circunstâncias, ainda mais no meio de uma pandemia.
A primeira situação que trago para a reflexão são os alimentos. No meio desta pandemia, o que mais testemunhamos foram os absurdos aumentos de preços provocados pelo descompasso entre oferta e demanda (a demanda cresceu muito acima da oferta), resultando numa inflação. Sobre estes alimentos que compramos no supermercado incide ICMS (Imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços), de competência dos Estados. Para cada tipo de produto alimentício, cada Estado fixa uma alíquota específica. Se o preço do alimento sobe, significa que a alíquota vai incidir sobre o preço mais alto, gerando uma arrecadação maior para os governos estaduais.
Na maior parte dos casos, os Estados não reduziram a carga tributária, mantiveram a alíquota e, como resultado, arrecadaram mais sobre os alimentos. Os Estados poderiam ter reduzido as alíquotas a um ponto que se equilibrasse com o nível de arrecadação e atenuasse o impacto ao consumidor, mas não fizeram.
A energia elétrica cada vez mais é reajustada, com preços cada vez mais impraticáveis para a população, e do mesmo modo que os alimentos, sofre a incidência do ICMS. Sendo assim, quanto maior o valor da conta, maior a arrecadação dos Estados. Novamente e praticamente não se viu qualquer atitude dos Estados no sentido de reduzir as alíquotas e diminuir o impacto a ser sentido pela população.
Os planos de saúde, como já é de costume a cada ano que passa, são corrigidos de duas a três vezes acima da inflação oficial. Sobre este tipo de serviço incide ISS (Imposto sobre serviços), de competência municipal. Da mesma forma que o preço aumenta, a arrecadação dos municípios com este tipo de serviço também aumenta, pois da mesma forma a alíquota incide sobre o preço maior. Não se viu municípios reduzindo a carga tributária.
Detalhe que no ano de 2020, Estados e Municípios, mesmo que com todos os problemas ocasionados pela pandemia e a paralisação das atividades econômicas, receberam repasses da União muito maiores do que costumam receber, ou seja, não perderam nada, e na verdade ganharam.
Na esfera do governo federal, o que se vê desde o começo do atual governo é uma corrida desesperada para baixar o imposto de importação e o imposto sobre produtos industrializados, não só sobre bens de informática, mas também sobre máquinas e equipamentos (os chamados ex-tarifários). Completando este quadro, o governo federal também reduziu a carga tributária sobre bens finais importados, mesmo tendo bens similares sendo fabricados no país. Toda esta diminuição de carga tributária é prejudicial ao país, pois afeta a indústria, diminui a competitividade das empresas nacionais, ocasionando muitos fechamentos de fábricas, e, consequentemente, desemprego. E é bom frisar que o governo federal continuou a fazer isso também durante a pandemia. Ou seja, já tínhamos um desemprego alto antes da pandemia, enfrentamos o crescimento vertiginoso do desemprego durante a pandemia, e o governo ainda “deu uma ajuda” ao desemprego.
Durante uma guerra, como é o caso da atual guerra contra a pandemia, é normal que qualquer governo verifique o que é estratégico em termos de recursos/insumos que serão necessários para combater a guerra. Pois bem. O governo federal, no começo da guerra contra a pandemia, isentou do imposto de importação 185 itens considerados prioritários no combate à covid-19. Entretanto, sem ter a guerra terminado, o Comitê-Executivo de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior (Camex), de 24 de dezembro de 2020, revogou a isenção destes 185 itens. Um destes itens foram os cilindros usados no armazenamento de gases medicinais (servem para armazenar oxigênio que agora está faltando nos hospitais de Manaus) que no caso dos cilindros de ferro voltaram a ser taxados em 14%, e os cilindros de alumínio, em 16%. Ao mesmo tempo, o governo zerou a alíquota de importação para as armas. Com que motivo? Talvez porque armas sejam mais importantes que cilindros para oxigênio. O excesso de armas e a falta de oxigênio ajudam no extermínio. Deve ser isso. O que você acha, leitor?
Enquanto isso, tramitam no Senado Federal e na Câmara dos Deputados propostas de reforma tributária que prometem simplificar, reduzir a regressividade do sistema e impulsionar o desenvolvimento econômico. Talvez as duas PECs simplifiquem, mas só depois de muito tempo de aprovadas e entrarem em vigor, pois quem as leu e compreendeu sabe que as duas propõem a convivência de sistemas paralelos de tributação durante a fase de transição, ou seja, não simplificam nada, e ainda aumentam a complexidade. As propostas não reduzem a regressividade, até mesmo porque para fazer isto de forma contundente é necessário mexer na tabela de isenção do imposto de renda. As propostas também não vão impulsionar desenvolvimento econômico a mais ao Brasil. Sabe o porquê? Simples. O Brasil é um país pobre e muito desigual. A renda está extremamente concentrada e para que um país se desenvolva é necessário fortalecer a classe média e a renda da população, além de tributar os mais ricos.
Por último, as reformas querem acabar ou pelo menos reduzir drasticamente os incentivos fiscais, alegando que os mesmos só servem como bolsa empresário. Bem, não é bem assim. O Brasil não tem uma logística boa, não tem uma produtividade alta, apresenta custos trabalhistas altíssimos, entre outros problemas. Os incentivos só servem para atenuar os gastos extras que os empresários têm que ter devido às deficiências históricas do Brasil. E nem assim é garantia de que as fábricas vão permanecer, vide o caso mais recente da Ford e da Sony.
Para completar a situação, em meio a situação fiscal delicada em que vivemos, os holofotes da hipocrisia miram seus ataques nos incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus, os quais não passam de 8% do total de incentivos fiscais concedidos no Brasil, argumentando que se concede muito dinheiro para poucos empregos criados numa região onde “Judas perdeu as botas”. E este discurso ridículo e sem fundamento só encontra eco num governo federal míope em termos de política ambiental e condenado mundialmente.
Sem a Zona Franca de Manaus, o amazonense não tem chance de sobrevivência no curto e médio prazo, assim como a falta de oxigênio que anda enfrentando e matando seu povo, pois o atual governo dos militares não foi competente e estratégico o suficiente para prevenir a falta de oxigênio e com toda certeza não se dá conta do necessário desenvolvimento de uma região que deveria ser considerada estratégica para o Brasil por diversos motivos e que os militares de 1964, fazendo-se justiça, deram a devida importância.
Sem a manutenção dos incentivos fiscais por meio de uma engenharia tributária em uma eventual reforma tributaria que nos mantenha competitivos, a economia da moto serra vai ganhar e o dano será ainda maior.
Estamos como povo praticamente condenados a morte, com alimentos e energia nas alturas, planos de saúde impagáveis, sem oxigênio nos hospitais, sem vacina, com um abismo enorme em desigualdade social e alheios aos rumos que o país vai tomar.
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