O Tadei não era uma celebridade no ponto de vista científico mundial. Ele não tinha essa preocupação com a vitrine. O que importa é que ele ajudou as pessoas a serem o destaque.
Entrevista com Adalberto Val por Alfredo Lopes
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“O Brasil perde um cientista, o INPA, um guerreiro e todos nós a energia de um sorriso” , diz Adalberto Val
Geneticista e entomologista, com dedicação marcante no trato de malária e dengue, Wanderli Pedro Tadei, nos deixou na manhã desta terça-feira, em São Paulo, na cidade de São José do Rio Preto, aos 74 anos. O INPA, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, onde ele coordenava o Laboratório de Malária e Dengue, perde um de seus mais respeitados e estimado pesquisador, e a Ciência, como disse Adalberto Val, um guerreiro que a compreendeu como Ciência Social e com propósitos sociais. Tornou-se amazônida desde a década de 80, quando aqui chegou e depois atraiu diversos parceiros para promover a Ciência na floresta. Na bagagem trouxe conhecimentos robustos de entomologia Médica, com ênfase nos estudos de vetores, atuando principalmente em Malária e Dengue, Bioecologia de Anofelinos e de Aedes aegypti, Controle Químico e Biológico, Nanocompostos e Biotecnologia.
Atuou fortemente com os pesquisadores da Fundação de Vigilância em Saúde (FVSAM), pelos quais era muito querido, por seu talento e trato humano. Suas contribuições foram robustas e ficarão na história daquela instituição e nos benefícios sociais que representou. Para o pesquisador Estevão Monteiro de Paula, um de seus mais próximos amigos, com Tadei cai um esteio do INPA, do qual ele era uma das melhores representações. Tanto Estevão como Adalberto, que atenderam ao BAA, estavam devastados, incapazes de segurar o pranto por essa perda.
Acompanhe trechos do depoimento do cientista Adalberto Val, ex-diretor do INPA, a quem Tadei convidou e acolheu no INPA, há mais de quarenta anos.
Adalberto Luís Val – Nossas áreas eram diferentes, ele trabalhava com mosquitos, eu trabalhava com peixes. Mas nós usávamos os mesmos conceitos da genética, da fisiologia e da bioquímica. E todos os grandes projetos que a gente começou, todos os grandes projetos que a gente levou adiante, estávamos sempre juntos, inclusive esse último sobre a dinâmica trafica do tambaqui.
Alfredo Lopes – Professor, o que que você destaca para a instituição INPA o papel desta perda de um cientista que é a própria imagem do INPA. Hoje, é lastimável percorrer a instituição que está abandonada pelo poder público. Os cientistas, aqueles que divulgam e promovem a reputação do INPA, seus grandes combatentes, guerreiros incansáveis pela Ciência, ano após ano, não estão sendo substituídos. O que você tem a dizer a respeito disso, neste momento dolorido de perda?
Adalberto – Você tem toda razão, Alfredo, o Tadei era a própria base e poderosa força desse movimento . O Tadei não tinha tempo ruim, apesar de todas as dificuldades do cotidiano, ele sempre passava a certeza de um homem sério, de um cientista sorrindo, um homem de uma ternura sem precedentes. Você só via o Tadei irritado diante as injustiças. Mas mesmo assim ele tentava demover as pessoas que estavam cometendo essas injustiças, pra poder contornar a situação. Era uma pessoa muito afetuosa. Empático. Capaz de fazer e levar até o fim o trabalho que tinha que ser feito. Não tinha horário pra trabalhar. O Tadei não tinha limites para o trabalho. O trabalho dele sempre priorizava atender o interesse das pessoas. Fazia questão de estar junto delas pra sempre lhes tornar as coisas mais fáceis. Ajudava todo mundo, sem exceção. Tadei andava com dois ou três telefones celulares pra poder atender a todos – era impressionante. Até que ficou doente e teve que ir embora pra SP. Então não conseguíamos mais ter notícias do Tadei, a não ser de forma indireta. Até que hoje nós ficamos sabendo dessa perda tão grande. Para o nosso instituto, muito grande. Para a Amazônia, pro Brasil…Eu registro que o Tadei, no tempo que a gente não tinha as tecnologias adequadas, ele desenvolvia as tecnologias pra poder estudar a Malária e poder contribuir para a erradicação disso. Tadei colocava o próprio braço, no meio da cultura dos Anopheles, pra poder coletar os mosquitos. Ele fazia de si mesmo a isca pra poder coletar. Ele estava coordenando um trabalho no meio das salas climáticas do laboratório, estava em curso, com um estudante dele, o Joaquim, que continua lá trabalhando. Se eu tenho que definir pra você uma pessoa, no ponto de vista do trabalho, Tadei era uma pessoa sem limites.
Alfredo – Era como se ele fosse a energia do conhecimento em ação…
Adalberto – Com certeza! O Tadei, como todo grande cientista, é tocado pela informação nova que invade o cérebro e turbina todos os mecanismos metabólicos da pessoa.
Alfredo – A última foto que tenho aqui, presenteada pelo Estevão, é de uma pessoa sorrindo. De bem com a vida e com a Ciência.
Adalberto – Se você entrar na minha sala, tenho várias fotos com ele. Em absolutamente todas ele está sorrindo. O Brasil perde um cientista, o INPA, um guerreiro e todos nós a energia de um sorriso.
Alfredo – Adalberto, você acredita que esse perfil humano e de cientista energizado, com o jeito singular de acolher o seu semelhante, interferiu um pouco na sua chegada e na sua permanência na Amazônia?
Adalberto – Não só minha, de várias pessoas! O Tadei era a própria pessoa que recebia. “Parte dessa casa já me pertence, então faça dela sua também”. O Tadei era uma pessoa terna, querida por todos. E era muito bom trabalhar com ele. Porque não tinha subterfúgios, ele queria ajudar sempre, colaborar, compartilhar sempre seu conhecimento com todas as pessoas.
Alfredo – Imagino o que contribuiu para fortalecer a história deste Instituto, o fato de, apesar de tudo, ser reconhecido mundialmente.
Adalberto – Sim. Não tenho a menor dúvida. O Tadei não era uma celebridade no ponto de vista científico mundial. Ele não tinha essa preocupação com a vitrine. O que importa é que ele ajudou as pessoas a serem o destaque. Ninguém conhecia mais malária do que o Tadei conhecia. Temos uma série de trabalhos dele. Não eram trabalhos publicados em Nature, em Science, ou de muito destaque mundial. Mas de fato ele entendia a Ciência como uma atividade social, com fins sociais. Ele ficava buscando promover isso no contexto da sociedade em que estava inserido.
Hoje pela manhã, quando fiquei sabendo da notícia, liguei para o Coordenador de Pesquisa do INPE pedindo: “mande alguém na casa da professora Ilse Walker, de quem Tadei tomava conta. Ela está com quase 100 anos. Trata-se de uma pesquisadora suíça que veio pra cá, trabalhar no INPA, dando à pesquisa científica uma contribuição muito relevante.
Adalberto Luis Val é um biólogo, pesquisador e professor universitário brasileiro. Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico e membro titular da Academia Brasileira de Ciências desde 2005, é pesquisador e professor no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.
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