Desconfiamos dessa governança à distância, que despreza o direito essencial e impede decisões fundadas no conhecimento de cada realidade. Assim, fica difícil identificar a obviedade que compete a qualquer magistrado: a defesa dos direitos fundamentais das pessoas e seu acesso aos benefícios da civilização. É legítima a integração do Amazonas ao resto do país.
Wilson Périco
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Com todo respeito à justiça e seus magistrados, causa indignação mais um embargo da recuperação da BR-319, um direito fundamental e constitucional de ir e vir materializado pela decisão do juiz do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Rafael Paulo Soares Pinto. Sob sua jurisdição, o TRF1 tem o Distrito Federal e os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins. Como sentenciar interesses regionais tão díspares, em estados tão diversos, supondo que decisões devem ser baseadas no conhecimento de cada realidade. Que país é este em que os interesses do cidadão e de suas famílias é embargado por um magistrado que não vive aqui, não conhece nossas dificuldades para aplicar sentenças em nome do bem-comum? Aqui vivemos com os direitos espoliados, amarrados por proibições de toda ordem quando se trata de gerar riquezas, oportunidades e acesso à civilização da sustentabilidade ambiental que o Amazonas representa. Nossa atuação é comprovada e respeitada por ter construído um programa de desenvolvimento que é referência mundial de respeito aos parâmetros ambientais e cobranças permanentes de atendimento às demandas sociais.
Com absoluta certeza, o meritíssimo desconhece o teor das licitações, estudos e relatórios de impacto ambiental que antecederam às atuais exigências de licenciamento. Impossível revisitar a montanha de estudos que serviram, no fim das contas, pra nada. As decisões são previamente estabelecidas, para atender acordos, negócios e embromações que produziram decisões/proibições das mais estapafúrdias sob óticas inconfessas. Os recursos pagos para produzir os tais estudos, segundo cálculos do DNIT, dariam para recuperar a estrada inteira em moldes civilizados.
Se a preocupação do magistrado é resguardar os estoques naturais, ele está esquecendo que a única forma satisfatória de preservar parâmetros de recomposição da flora e fauna é atribuir-lhe uma função econômica. Por outro lado, se funcionasse o proibicionismo, faz sentido para o cidadão, seja juiz ou peão, que a floresta seja exuberante enquanto o fator humano seja mantido com IDHs desumanos? Neste fim de semana foi lançado ao espaço o satélite Amazonia-1 para vigiar os ilícitos em nossa região. E aqui já existe um serviço de vigilância da Floresta há quase trinta anos, o SIVAM, uma parafernália que não é usada em favor dos habitantes da Amazônia. O embargo magistral supõe que aqui somos irresponsáveis e não temos condições de fiscalizar e gerenciar o resguardo deste bioma.
O terreno onde o magistrado plantou seus argumentos se baseia na suposição do Ministério Público Federal de que se trata de uma nova rodovia. Não meritíssimo, data venia, essa rodovia existe desde 1975, quando foi pra inaugurada no governo militar. E funcionou até 1988, quando interesses secundários foram vetando sua conservação. No período mencionado, por iniciativa do próprio poder público federal, no caso o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), foram implantadas colônias de agricultores para a produção de alimentos que abasteceriam tanto Manaus como Porto Velho. Esses projetos foram esvaziados com o abandono da estrada, entregando contingentes populacionais à própria sorte, especialmente no trecho o Humaitá- Manaus.
Recentemente, na crise de oxigênio, um dos meios de transporte para chegar a Manaus – onde só funciona o transporte aéreo ou fluvial – alguns doadores decidiram enfrentar a buraqueira e zombaram do lamaçal. Foi preciso arranjar trator para desatolar as carretas. E um percurso que deveria ser feito em 24 horas, demorou 5 dias, que provocaram perdas de vida. Desconfiamos dessa governança à distância, que despreza o direito essencial e impede decisões fundadas no conhecimento de cada realidade. Assim, fica difícil identificar a obviedade que compete a qualquer magistrado: a defesa dos direitos fundamentais das pessoas e seu acesso aos benefícios da civilização. É legítima a integração do Amazonas ao resto do país, objetivo original da rodovia que já ligou Manaus a Porto Velho e daí ao Brasil. Não podemos virar as costas para as legítimas aspirações das pessoas, premissa de toda ação pública. Esquecer a sacralidade desses direitos é brincar em serviço. E para nós, brincadeira tem hora e não é agora.
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