O economista Gesner Oliveira tem uma longa trajetória no serviço público e na iniciativa privada. Foi secretário-adjunto de política econômica do Ministério da Fazenda, presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e presidente da Sabesp. Atualmente é consultor, conselheiro de empresas e professor da Fundação Getulio Vargas. Oliveira está lançando o livro Nem Negacionismo Nem Apocalipse, que trata da Economia do Meio Ambiente partindo de uma perspectiva brasileira. No livro, Oliveira discute as condições ambientais muito especiais do Brasil. Só no País, avalia ele, há problemas de nações em desenvolvimento, como a devastação florestal, ao lado de questões de países desenvolvidos, como as alternativas aos combustíveis fósseis. E ele é otimista. Há oportunidades enormes para empreendedores e investidores na economia ambiental. A seguir, os principais pontos da entrevista:
DINHEIRO – O governo Trump foi descuidado com o meio ambiente. Agora, a questão ambiental subiu para o topo da agenda nos Estados Unidos. O que mudou, e como está o Brasil?
GESNER OLIVEIRA — O governo Trump estava na contramão. Tanto investidores quanto consumidores dão cada vez mais valor à questão ambiental. É fácil constatar isso, basta vermos quantas empresas são geridas por fundos com foco no meio ambiente, ou então comparar o desempenho dos bens de consumo sustentáveis com os convencionais. Os produtos sustentáveis cresceram a uma taxa bem superior. Trump se opunha a essa tendência praticamente irreversível, em que a agenda ambiental tem uma importância grande e crescente. O governo brasileiro também está na contramão. Há um equívoco grande.
Qual?
O principal problema é uma política ambiental que eu chamo de negacionista. Por essa tese, os países emergentes podem fazer o que os desenvolvidos fizeram. Depois o país fica mais rico e há uma diminuição da devastação. Ouvimos do ministro Paulo Guedes que “os países europeus queimaram suas florestas há muito tempo”. Porém, é impossível para os países emergentes trilharem esse caminho. Não haverá recursos disponíveis. Se compararmos o que o planeta produz de recursos naturais e o que consumimos, a relação está em 165%. Ou seja, usamos 65% a mais do que o planeta pode fornecer. Já estamos no cheque especial ambiental. E, como no caso do cheque especial, os juros são elevados. Porém, se todos os habitantes do mundo quiserem ter o padrão de vida de um americano, essa conta subiria para 300%. Precisaríamos de três planetas para isso.
Nesse cenário, quais as vantagens para o Brasil?
Será possível lucrar se os consumidores mundiais perceberem que o Brasil está associado à preservação da floresta. Isso vai agregar valor à marca Brasil e elevar o valor de nossos produtos. O consumidor vai preferir comprar soja brasileira em vez de soja americana porque há um aspecto de preservação. A floresta amazônica, as florestas tropicais como um todo, geram um enorme serviço ecossistêmico. A isso não se dá o devido valor. É preciso que os nossos produtos reflitam isso.
É possível quantificar esse retorno?
É possível sim. Uma questão chave para o Brasil seria monetizar os serviços ecossistêmicos da floresta. São muitos. A floresta protege as nascentes, ajuda na polinização, absorve carbono. Há um conjunto de serviços, que não se restringem ao país em que está a floresta, mas que são globais. E qual é a lógica desse cálculo? Que há um efeito positivo desses vários serviços sobre os vários ramos produtivos. Por exemplo, o quanto a produtividade das lavouras aumenta com a preservação da floresta, devido à regularização do regime de chuvas. A estimativa é que esses serviços representariam algo como 17,5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Estamos falando de algo ao redor de R$ 1,3 trilhão por ano.
E por que o governo brasileiro está equivocado?
Quando o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, diz que “se os Estados Unidos me derem US$ 1 bilhão eu reduzo o desmatamento em 40%”, por exemplo. Não basta chegar nos Estados Unidos e dizer “olha, a nossa floresta vale muito, manda uma grana aí.” Ninguém vai dar dinheiro com base nisso. Isso exige uma tecnologia moderna de rastreabilidade para demonstrar que você preservou aquela área, e que a preservação daquela área pode ser uma compensação ambiental importante. Isso pode lastrear um título de preservação da floresta. Tem inovação financeira que permite monetizar esses serviços. Porém, para isso funcionar não pode haver um espertinho roubando madeira.
As empresas estão mais sensíveis a esses temas? Há oportunidades?
Sim. É um processo lento, mas vem crescendo, e ganhou uma tração muito grande nos últimos cinco anos. Há indicações empíricas que as empresas com práticas ambientais comprovadas pagam de 20 a 40 pontos-base menos para captar dinheiro. Isso prova que responsabilidade ambiental, com sustentabilidade e governança, o famoso ESG, se paga. E há muitas oportunidades para as empresas explorarem, como a água de reuso e a geração de energia a partir de resíduos sólidos.
O consumidor reconhece isso?
Reconhece. Analisamos uma cesta de bens de consumo associados à sustentabilidade. As evidências são de que o consumidor está disposto a pagar mais, desde que não seja o chamado “greenwashing”, algo só para as aparências. Se houver algo comprovável, o consumidor paga mais.
Quais os entraves para as empresas?
O principal entrave é saber o que medir e como medir para provar que a empresa é sustentável. Muitos relatórios de sustentabilidade trazem informações como “fazemos doações para aquela entidade de beneficência.” Ótimo, é uma iniciativa louvável. Mas como medir seu impacto? Quais Key Performance Indicators, os KPIs, estão ligados de fato a políticas ambientais? É natural que haja um oba-oba. Só que agora as autoridades e o sistema financeiro vão olhar isso com mais atenção. A iniciativa mais interessante foi do Fórum Econômico Mundial. O International Business Council reuniu as principais métricas do ESG.
O que o setor público pode fazer?
Uma parte importante é o saneamento. Há atrasos monumentais na área de água e esgoto e na área de resíduos sólidos. A gestão é vergonhosa. Dos 5,5 mil municípios, apenas 400 têm estrutura para cobrar pelos serviços prestados. Temos mais de 1,5 mil lixões. Isso gera um problema de saúde pública brutal e poluição dos cursos d’água. Na época de chuvas, mesmo que você tire o esgoto da bacia do Alto Tietê, metade da poluição é resíduo sólido. Você tem um enorme problema dos resíduos de material de construção, muita negligência no lixo hospitalar.
O que é mais urgente?
O Brasil tem de eliminar esse atraso vexatório e histórico com o saneamento. Deixar de ter metade da população sem coleta de esgoto, ter mais da metade do esgoto gerado sem tratamento. Tem de reduzir as perdas de água tratada, que são de 38% em média e chegam a 60% em alguns estados. O saneamento virou o primo pobre do meio ambiente. Você vê atores e modelos defendendo espécies com risco de extinção, o que é absolutamente legítimo, mas nenhum famoso defende o saneamento básico.
O senhor presidiu a Sabesp. Em sua gestão, as ações da empresa passaram a fazer parte do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3.
Sim. Quando eu presidi a Sabesp, a empresa elaborou pela primeira vez um relatório de sustentabilidade segundo os critérios GRI, que é uma das métricas possíveis. Foi muito importante para um primeiro enquadramento da empresa. Depois, outro marco foi a entrada da Sabesp no ISE, em 2008. Iniciativas como essas vão disciplinando as empresas e gerando critérios de seleção. Agora, a política pública tem de ser consistente com esse movimento. Pois não preservar custa caro, e é possível medir isso.
Dê alguns exemplos.
Há muitos. Durante minha passagem na Sabesp, calculamos que São Paulo gasta R$ 300 milhões por ano pela falta de mata ciliar em torno do sistema Cantareira. É bastante dinheiro. E esse é só um exemplo. Há problemas de abrangência nacional. Pelos nossos cálculos, o descarte ilegal de resíduos sólidos em lixões tem um custo de 10% do PIB por ano. Os danos são de R$ 730 bilhões. Isso inclui o assoreamento dos rios, o entupimento dos bueiros e a dificuldade de manejo das águas pluviais. Também considera questões de saúde pública como o aumento das internações por contaminações, sobretudo nos períodos de chuva. Há ainda o impacto negativo nos lençóis freáticos, a contaminação direta das pessoas que manejam aquele lixo sem proteção. Eu acho que esses R$ 730 bilhões são até um cálculo subestimado.
Fonte: Isto é
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