Paulo Roberto Haddad(*)
Estamos vivendo a pior crise socioeconômica desde 1930. Em termos econômicos, os indicadores de crescimento do PIB e da renda per capita são piores do que os da primeira fase da crise de l929 no Brasil. Em termos sociais, já somos cerca de 26 milhões de brasileiros desempregados, subempregados ou desalentados. Seria necessária essa mortificação para redimir nossa população de um longo período de desorganização das finanças públicas, submetidas ao populismo e ao voluntarismo de governantes irresponsáveis?
Nossa história mostra que os problemas sociais e econômicos podem ser mais bem resolvidos quando o País está crescendo – e crescendo de forma sustentada. Quando a economia cresce, dependendo do modelo de desenvolvimento adotado, é relativamente mais fácil utilizar o excedente econômico em expansão para financiar adequadamente as inovações tecnológicas, as micro e pequenas empresas, uma nova geração de empreendedores, o desenvolvimento de regiões e áreas economicamente deprimidas, etc. Torna-se mais fácil também ampliar e consolidar as transferências de renda das políticas sociais compensatórias para os pobres e os miseráveis. Vale dizer, viabiliza-se um modelo de crescimento com distribuição e inclusão social.
Efeitos perversos
Mas não é isto que está acontecendo com o atual modelo de austeridade fiscal expansionista? Negativo. Numa primeira etapa, a aplicação desse modelo tem nos lançado em uma circularidade de efeitos perversos. O corte dos gastos públicos e o aumento da carga tributária provocam efeitos contracionistas sobre o crescimento da economia. PIB menor, renda menor, base tributável menor e, por via de consequência, déficit fiscal primário maior. Assim, o déficit fiscal de hoje poderá se tornar o déficit fiscal maior do amanhã. Frustram-se as receitas tributárias programadas num contexto de despesas governamentais inflexíveis. Até quando?
Risco do fracasso
Esgotadas as economias que o Governo Federal pode realizar cortando despesas supérfluas, fraudes, corrupções administrativas, etc., a situação poderá se tornar politicamente dramática à medida que os cortes de despesas caminharem não apenas na direção de gastos discricionários sobre os quais é maior a liberdade relativa do Governo, mas também sobre as despesas constitucionalmente obrigatórias. Em geral, quando se chega a esta etapa, surgem os primeiros indicativos de que a política econômica pode estar fracassando, pois as soluções propostas passam a ter custos sociais ainda maiores. O grande dilema da austeridade fiscal está em que a crise do desemprego, da desorganização dos serviços públicos essenciais e dos desestímulos aos empreendedores se dá no curto prazo. E as soluções para o controle das finanças públicas apontam para reformas microeconômicas e institucionais que poderão retomar o crescimento econômico, apenas no médio e no longo prazo. Nesse interregno, a equipe econômica, para justificar novos cortes ad hoc de gastos, acaba por assumir racionalizações constrangedoras e equivocadas do ponto de vista da história política do País.
Novo ciclo de expansão econômica
Para escapar dessa causação circular acumulativa, que tem conduzido a uma medíocre desorganização das estruturas administrativas e das políticas públicas, à espera de uma lenta e duvidosa reversão de expectativas dos agentes econômicos, é crítico que se estruture um novo ciclo de expansão econômica que possa conviver em harmonia com o programa de estabilidade em andamento.
É possível estruturar esse ciclo a partir de um programa grandioso de investimentos em logística e na remodelação da matriz energética do País. Investimentos a serem comandados pela iniciativa privada nacional e internacional, com o Estado flexibilizando as regras de privatização, de concessão e de parcerias, mas definindo, simultaneamente, os interesses da sociedade no processo dessa grande transformação. Talvez esteja faltando ao País para comandar essa transformação uma liderança política como a de JK, que “a partir de um senso perfeito da realidade objetiva, leva o olhar de estadista muito além do seu campo visual e lhe permite intuir a pátria de amanhã”.
(*) Professor Emérito da Universidade Federal de Minas Gerais, ex-Ministro da Fazenda e do Planejamento da República Federativa do Brasil (1992-1993) do Governo Itamar Franco, ex-Secretário da Fazenda e do Planejamento do Estado de Minas Gerais (1979-1982), consultor do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento, do PNUD, da ECLA e de outras organizações públicas e privadas, nacionais e internacionais, Presidente da PHORUM Consultoria e Pesquisas em Economia e Diretor da AERI – Análise Econômica Regional e Internacional. Publicou diversos livros e artigos em jornais especializados no Brasil e no Exterior, dentre os quais, um dos mais recentes intitula-se “Meio Ambiente, Planejamento e Desenvolvimento Sustentável”, lançado em 2015, pela Editora Saraiva. Foi um dos fundadores do CEDEPLAR/UFMG, tendo sido o seu primeiro diretor. Foi também o primeiro secretário-executivo da ANPEC. Consultor qualificado da FIPE FEA USP, publicou recentemente o e-book “Economia Ecológica e Ecologia Integral”, sobre a Encíclica Laudato Si, do Papa Francisco.
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