A ZFM, “mercado” e o nosso propósito

”​E qual a saída? Mudar a pauta para: (a) qual o plano de ação para reduzir as desigualdades regionais? (b) quais as ações ambientalmente responsáveis com a Amazônia, aproveitando a sua biodiversidade com ESG?”

Por Augusto César Rocha
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A Zona Franca de Manaus é apoiada pelo “mercado”? O tal “mercado”, se for de empresas ambientalmente responsáveis, conforme a sigla contemporânea que prega o “ESG” (“environmental, social and corporate governance”, ou meio ambiente, responsabilidade social e governança corporativa) deveria ser completamente favorável, afinal estar aqui é perfeitamente aderente ao termo da moda.

Todavia, a maior parte das empresas que estão por aqui são do tipo “limitadas” ou parte de grandes empresas “sociedades anônimas”, quer nacionais ou globais. Ou seja, por serem pequena parte de um todo muito maior, ela fica fora do radar do que o tal mercado verifica, mesmo que fosse muito interessante demonstrar este posicionamento geográfico particular.

Como não temos uma bolsa de valores local, nem temos volume de negócios para tal, ficamos fora deste agrupamento de investidores que a mídia convencionou chamar de “mercado”. Os investidores de bolsa de valores e empreendedores corporativos de grande porte poderiam usar a plataforma da Amazônia para impulsionar seus negócios, mas provavelmente seriam chamados de aproveitadores, então não vale o risco, salvo para aqueles que realmente têm feito algo por aqui.

Para multinacionais do tal mercado, o mais conveniente talvez seja consolidar operações em suas matrizes, com isso estar em Manaus talvez passe a ser pouco interessante. Assim, temos empresas que (1) tanto faz – este aspecto não tem relevância; (2) empresas que estão vinculadas com a região e estão com suas matrizes por aqui. Para o segundo grupo, a ZFM é de grande importância. Todavia, o primeiro grupo parece ser maior, uma vez que o PIM é majoritariamente constituído por grandes corporações com operações globais. Há, é claro, um terceiro grupo (3) que entende ser melhor consolidar-se fora de Manaus, fora do país ou que não está aqui – para estes casos, certamente a ZFM é pouco interessante.

A questão que fica é o nosso “propósito”. Qual o nosso propósito, enquanto Amazonas e país em relação ao que temos na ZFM? Se for uma área para incentivo fiscal eterno, parece um propósito não adequado. Se for uma área com uma indústria como um elemento de transição para outras atividades no padrão ESG, talvez seja por aqui a caminhada interessante – isso se o meio-ambiente for algo para ser preservado e aproveitado inteligentemente. Este é o caso de parte das empresas do grupo (2).

A questão que fica é que todas as ações que têm sido tomadas ou nos levam para um incentivo fiscal eterno, sem a remoção das desigualdades regionais, ou para uma remoção dos incentivos, sem a criação de alternativas. Ao mesmo tempo, os impostos gerados são destinados para outras regiões do Brasil, com uma conta da Receita Federal dando a impressão de ser ao contrário. 

Assim seguimos a vida, uns ignorando a ZFM (o mercado), outros usando os impostos (o Brasil), outros sendo ameaçados (a indústria e os empregos da ZFM) e todos lutando por interesses menores, sem fazer o que importa: proteger a floresta, fazer ESG nas empresas e reduzir as desigualdades regionais que levam à necessidade de incentivos fiscais. Fala-se muito do que não nos interessa e faz-se muito do que não nos interessa. Onde será que nos perdemos?             

E qual a saída? Mudar a pauta para: (a) qual o plano de ação para reduzir as desigualdades regionais? (b) quais as ações ambientalmente responsáveis com a Amazônia, aproveitando a sua biodiversidade com ESG? Enquanto estas duas questões não forem nosso mantra, dia e noite, estaremos discutindo a pauta dos outros, fazendo ou apagando incêndios. Precisamos parar de nos perdermos em relação aos nossos propósitos. 

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Augusto Rocha é professor da UFAM
Augusto César
Augusto César
Augusto Cesar Barreto Rocha é professor da UFAM

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