Reumanizar é desacelerar. Reumanizar não é vigiar com mais e mais radares. É necessária uma humanização das políticas e dos diálogos públicos, ao invés de uma exposição continuada das relações como vencedores e perdedores.
A falsa impressão de empreendedorismo invadiu as relações sociais em uma medida assustadora. Todos se acham empreendedores, criando uma sociedade do desempenho bem capturada pelo filósofo coreano Byung-Chul Han. Há uma nova face da violência, que é interna, invisível e disfarçada de alto desempenho e falsa liberdade. O ser humano se transformou em fiscal e algoz de si.
A concepção original do termo empreendedor vem da criação de novas ordens econômicas. O imaginado empreendedor da sociedade contemporânea vê no subemprego uma saída para as dificuldades econômicas das faltas de alternativas sociais e imagina que tem oportunidades iguais. Assim, dirige a sua moto ou qualquer outro veículo, como o trabalhador da urgência, não respeitando as regras mínimas do trânsito e enxerga os outros como obstáculos para seu sucesso, desumanizando as figuras dos pedestres, ciclistas e demais motoristas.
Este fenômeno tão visível no trânsito das grandes cidades brasileiras não será resolvido com vigilância e punição com radares ou multas. Este fenômeno coletivo de violência e pressa precisará ser enfrentado com humanização. O fim da gentileza surge quando não se vê o humano no outro. Como se tudo fosse um combate, uma guerra. Como se não houvesse nenhuma chance de diálogo construtivo. O outro é uma barreira e um inimigo para ser destruído.
Os estímulos excessivos fazem com que as pessoas teclem enquanto dirigem e não consigam ceder espaços ou escutar o outro. A “polarização política” talvez seja mais uma desumanização política, onde não se quer um diálogo construtivo para um futuro melhor. O que se quer é a eliminação do outro. A alteridade some. O humano some. É pouco provável ou nada provável que a saída seja por uma vitória. A saída será pela construção coletiva do diálogo.
Humanizar é desacelerar. Humanizar não é vigiar com mais e mais radares. É necessária uma humanização das políticas e dos diálogos públicos, ao invés de uma exposição continuada das relações como vencedores e perdedores. Os debates públicos devem voltar a ser humanos para todos e não apenas para alguns. O espaço público é um espaço de todos.
Precisamos ampliar as áreas verdes para o encontro e o convívio social, saindo do encontro apenas de veículos para retomar o encontro das pessoas. Precisamos compreender que estes momentos de violência são precedidos por uma história não vista. É necessário orientar para que motos parem de invadir os espaços dos pedestres, como calçadas e praças. Precisamos de campanhas de Instagram e TikTok, comunicando-nos com as novas gerações.
A mobilidade urbana na cidade vem sendo negligenciada em muitas medidas. As relações públicas de educação e saúde também. Precisamos reencontrar o país como um projeto de todos e para todos e não apenas para uns poucos que vencerão como verdadeiros empreendedores. Os falsos empreendedores precisarão despertar para esta condição e isso se dará com humanização e não com mais violência.