‘Os fundos pagos pela indústria para interiorização do desenvolvimento precisariam ser aplicados de acordo com a Lei de origem’, diz Saleh Hamdeh

“De pouco adianta à indústria repassar um volume tão grandioso de recursos, suficientes para uma virada socioeconômica, se constatamos um cenário de vulnerabilidade tão dramático e estarrecedor bem perto de todos nós.”

Dirigente da empresa Hamdeh Gestão Empresarial, onde funciona o Observatório da Zona Franca de Manaus (ZFM) em Brasília, Saleh Hamdeh sugere mais transparência na aplicação dos fundos estaduais – R$11,5 bilhões nos últimos 9 anos e destaca a UEA, Universidade Estadual do Amazonas, mantida integralmente pelas empresas da ZFM, como um dos maiores legados do Polo Industrial de Manaus para esta e futuras gerações. Essa foi sua conclusão do painel apresentado na última conferência do  Comitê Indústria ZFM Covid-19, de 15/06: “Fundos e contribuições estaduais – diagnóstico e oportunidades”.

Sobre este tema conversou com Alfredo Lopes(*) e Fabiola Abess(**), da Coluna Follow-up.  

1. FOLLOW UP- O minucioso levantamento que você apresentou sobre o volume de recursos recolhidos pela indústria para o desenvolvimento regional sugere eventos de desvios de finalidades. Isso recomendaria  uma investigação cívica sobre os benefícios frustrados que estes recursos poderiam propiciar. Qual o passo seguinte de seu estudo?

SALEH HAMDEH – Um dado aparece muito claramente: não precisamos criar novas leis para relacionar fundos de desenvolvimento com melhoria dos indicadores socioeconômicos e educacionais de nossa região. Basta aplicar o arcabouço legal disponível, por sinal, extremamente bem detalhado e fundado no conhecimento das necessidades regionais.  Nosso trabalho foi revelar, ao longo da última década, o volume de recursos repassados, dentro de um marco regulatório bem definido em suas instruções e aplicações. A partir desse resgate da legislação, temos os instrumentos para por em pauta as opções de múltiplos investimentos de indução do desenvolvimento e de novos eixos econômicos, adicionais ao Programa ZFM.  Afinal, com um interior castigado pela escassez generalizada, os fundos pagos pela indústria para interiorização do desenvolvimento precisariam  ser aplicados de acordo com a Lei.

2. Fup – Quais são esses fundos ou contribuições a que se destinam e em que volume foram recolhidos?

SH – São repasses oriundos do mencionado marco legal que promoveu o detalhamento estes fundos, todos baseados “na lei 2.826, que é a política dos incentivos fiscais nos nos termos da Constituição Estadual. O FTI é o Fundo de Turismo, Infraestrutura e Serviços e Interiorização do Desenvolvimento do Amazonas, o Fundo da UEA, Universidade do Estado do Amazonas, que é uma contribuição. E o FMPES, que é o Fundo de Apoio à Micro e Pequena Empresa do Estado do Amazonas. Ao longo de 9 anos o FTI arrecadou o total de R$ 6,7 bilhões, e no último ano teve uma arrecadação de R$ 960 milhões. Criado em 2003, o Fundo sofreu algumas alterações ao longo desses anos, a mais recente destinou parte substantiva desta receita para as ações do combate à pandemia da Covid-19. Quanto ao FMPES, um fundo que arrecadou nesses últimos 9 anos praticamente R$ 1,5 bilhão. Como o FTI tem uma estrutura toda montada dentro da própria legislação, também tem um comitê gestor que tem um pouco mais de abrangência com 12 membros, 7 do setor público e 5 da iniciativa privada. Seu conselho gestor, que funciona para atender exigência do Banco Central, administra 30% apenas de seu montante anual, no âmbito da AFEAM, agência de fomento que substituiu o BEA, banco estadual do Amazonas.

3. Fup – Por que você considera a Universidade do Estado do Amazonas um dos mais importantes legados da Indústria de Manaus?

SH – Educação é tudo de que precisamos para embasar as mudanças que se impõem. As verbas destinadas ao funcionamento da UEA se enquadram na categoria Contribuição que, numa amostragem de 9 anos, obteve uma arrecadação de R$ 3,8 bilhões destinados exclusivamente para seu funcionamento. Digo de sua importância como legado não apenas pelo seu papel no adensamento e diversificação da economia do Amazonas, dentro da ampliação do modelo Zona Franca de Manaus. Tenho certeza de que a formação educacional de nível superior, um inestimável capital intelectual realmente voltado para a qualificação da população, sempre será um caminho, o melhor caminho para acessarmos um novo patamar de civilização, cultura e prosperidade socioeconômica. E este é um debate ao qual devemos voltar e a ele dedicar o melhor de nossa atenção. 

4. Fup – Qual sua avaliação sobre este cenário de repasses de um volume tão substantivo de recursos? 

SH – No total da arrecadação desses fundos e dessas contribuições, em 9 anos, foram arrecadados R$ 11,5 bilhões. A questão da falta de transparência não fez parte do nosso escopo. Na minha opinião, o problema não seria das entidades ou das empresas doadoras. O que o cidadão precisa é de uma prestação de contas que deveria ser dada para a população. O Estado tem o dever e a obrigação de prestar conta sobre esse recurso, e nossa percepção é que há uma falta de governança por conta da falta de transparência  e o desvio dos propósitos originais que a gente percebe. Isso está, claramente presente, nas alterações frequentes no trato desses recursos. Apesar de serem desvios legais de finalidade, porque todos eles são aprovados pela Assembleia Legislativa, o que se percebe é realmente uma aplicação de diversa daquela que originalmente o legislador imaginou. Por isso, fazemos um questionamento sobre a eficácia dos resultados desses recursos.

5. Fup – E como se daria uma governança coerente e transparente desse repasse?

SH –  A lei de incentivo fiscal tem validade até 2023. Precisamos ter propostas claras para fazer revisão e ajustes. Se nos mobilizarmos, com poucas modificações podemos criar um mecanismo de governança um pouco mais estruturado e transparente para que isso possa realmente cumprir seus propósitos. Acredito que as entidades estão avançando em seu protagonismo para ajudar a balizar responsabilidades e efetivar compromissos. Afinal, a sociedade precisa ser integrada nesse debate, pois estão em jogo seus interesses básicos. De pouco adianta à indústria repassar um volume tão grandioso de recursos, suficientes para uma virada socioeconômica se constatamos um cenário de vulnerabilidade tão dramático e estarrecedor bem perto de todos nós.

(*) Alfredo é consultor do CIEAM e editor-geral do https://brasilamazoniaagora.com.br
(**) Fabíola é assessora de Comunicação do CIEAM 

Alfredo Lopes
Alfredo Lopes
Alfredo é consultor ambiental, filósofo, escritor e editor-geral do portal BrasilAmazôniaAgora

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