Não caia em fake news! Entenda como funciona os estudos sobre as mudanças climáticas, o que dizem os cientistas ao redor do mundo, e o que está em jogo no futuro.
A atual crise climática não é uma invenção dos cientistas para angariar mais recursos para suas pesquisas, nem ocorre independentemente da ação humana. Ao contrário do que sugerem algumas publicações nas redes sociais, ela é um fenômeno real e há um consenso científico de que a humanidade é responsável por ela.
Então sim, as opiniões dos cientistas estão divididas. Os que afirmam ser culpa das ações humanas são 99,9%, os que negam, são 0,01%.
Desinformação e negacionismo climático
Existem pessoas que minimizam a gravidade do aquecimento global, argumentando que mudanças climáticas são naturais e que as soluções propostas são ineficazes. Essas afirmações são consideradas perigosas por especialistas, dada a gravidade crescente da situação. Em Milão, Itália, um grupo sob investigação por disseminar teorias da conspiração sobre a vacina da Covid-19 exibiu um cartaz declarando: “Quem fala de aquecimento global é o mesmo que quer vacinação obrigatória”. Essa associação de duas falsas teorias indica como a crise climática também se tornou alvo dos negacionistas da pandemia, conforme reportado pelo jornal Folha.
O último ano foi o mais quente em pelo menos 174 anos, desde o início dos registros meteorológicos, de acordo com a Organização Meteorológica Mundial, uma agência da ONU.
Confirmação científica do impacto humano
José Maria Landim Dominguez, geólogo e professor titular da UFBA, confirmou em entrevista ao Comprova que “modelos climáticos cada vez mais sofisticados, que têm sido desenvolvidos para investigar o funcionamento do clima, confirmam inequivocamente o impacto das emissões de dióxido de carbono (pelo homem) nas mudanças climáticas em curso”.
Da mesma forma, o resumo para formuladores de políticas públicas do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) afirma: “As atividades humanas, principalmente por meio das emissões de gases com efeito de estufa, inequivocamente causaram o aquecimento global”, conforme consta no estudo.
Efeitos e desinformação
O aumento da temperatura global, secas mais severas, incêndios intensos e a elevação do nível do mar são algumas das consequências dessas ações humanas, segundo especialistas. Esses fenômenos têm sido frequentemente mencionados em conteúdos de desinformação, tanto nas ruas quanto nas redes sociais. Para enfrentar essa onda de desinformação, o Comprova detalha o que é consensual sobre a crise climática, abrindo uma nova frente de verificações.
Para verificar as informações, a primeira etapa consistiu em pesquisar na internet publicações sobre mudanças climáticas. Foram consultadas reportagens e relatórios de órgãos meteorológicos. Além disso, a equipe entrevistou o geólogo José Maria Landim Dominguez, da UFBA, e a bióloga Mariana Vale, doutora em Ecologia pela Universidade de Duke, nos Estados Unidos, e uma das autoras do mais recente relatório do IPCC, da ONU.
Entendendo as mudanças climáticas
As mudanças climáticas, conforme descrito por uma publicação da ONU, são “transformações a longo prazo nos padrões de temperatura e clima“. Estas podem ter origens naturais, como variações no ciclo solar, ou serem resultado de alterações no efeito estufa, levando a um aumento da temperatura global e, consequentemente, a mudanças climáticas.
O Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) esclarece que o efeito estufa é um processo natural essencial para manter a temperatura terrestre em níveis propícios à vida. Este fenômeno consiste na retenção de parte do calor solar pela atmosfera, mantendo a temperatura média da superfície terrestre em cerca de 15ºC, ao invés de -18ºC, que seria a média sem o efeito estufa.
A desregulação do efeito estufa, causada principalmente pela intensificação das emissões de gases devido à carbonização da economia desde a revolução industrial, tem levado a um aumento da temperatura média do planeta. Esse aumento gera uma série de reações em cadeia, intensificando e elevando a frequência de eventos climáticos extremos.
A ONU destaca que, desde 1800, as atividades humanas, especialmente a queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás, têm sido o principal motor das mudanças climáticas. Além do aumento da temperatura, estas mudanças incluem secas intensas, escassez de água, incêndios severos, elevação do nível do mar, inundações, derretimento do gelo polar, tempestades catastróficas e declínio da biodiversidade.
Consenso científico
Conforme o dicionário Michaelis, “consenso” refere-se à concordância ou unanimidade de opiniões, raciocínios, crenças ou sentimentos em um grupo. Na ciência, o termo tem um significado similar. Helder Nakaya, imunologista do Hospital Israelita Albert Einstein e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia, explica em vídeo que o consenso científico surge quando há tantas evidências apoiando um fenômeno que não resta dúvida entre os cientistas sobre sua veracidade.
Ele exemplifica com as mudanças climáticas: quando muitos estudos comprovam o papel humano no aquecimento global, isso se torna um consenso entre os cientistas. Nakaya ressalta que a existência de opiniões divergentes de uma minoria de cientistas não muda a realidade, mas pode gerar confusão entre os não especialistas. Isso ocorre porque a percepção de uma opinião divergente pode levar ao equívoco de que há uma divisão significativa na comunidade científica, o que geralmente não é o caso.
Impacto humano na crise climática
Um estudo de 2021 da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, que analisou cerca de 90 mil pesquisas, chegou à mesma conclusão: 99,9% dos cientistas concordam que a crise climática é resultado da ação humana.
José Maria Landim Dominguez, geólogo da UFBA, reforça que há um consenso na comunidade científica de que as emissões de gases de efeito estufa (GEE) decorrentes de atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis, desmatamento, práticas agrícolas e produção de cimento, são as principais causas das mudanças climáticas. Ele menciona que desde o século XIX, cientistas já alertavam que a queima de carvão poderia eventualmente contribuir para o aumento da temperatura do planeta. As mudanças climáticas, resultantes do aumento da temperatura global, são evidenciadas por diversas medições instrumentais que mostram um aumento médio de mais de 1ºC desde a era pré-industrial (1850-1900).
Sempre se soube que o dióxido de carbono (CO2) é um gás estufa muito potente. Desde o século XIX já existiam cientistas que chamavam a atenção que a queima do carvão eventualmente contribuiria para o aumento da temperatura do planeta. As mudanças climáticas são resultado do aumento da temperatura do planeta e existem várias medidas instrumentais que mostram que a temperatura média do planeta já subiu mais de 1ºC desde a era pré-industrial (1850-1900)
Estudo de caso: Seca na bacia do Rio Amazonas
Recentemente, em 24 de janeiro, pesquisadores do World Weather Attribution (WWA) identificaram que as mudanças climáticas, e não o fenômeno El Niño, foram responsáveis pela seca excepcional na Bacia do Rio Amazonas em 2023. A seca foi impulsionada por baixos níveis de precipitação e altas temperaturas. O estudo destacou que populações vulneráveis foram desproporcionalmente afetadas, exacerbadas por práticas históricas de gestão de terras, água e energia, incluindo desmatamento e outros fatores que reduziram a capacidade do solo de reter água e umidade, agravando as condições de seca.
A BBC reportou que, em um cenário sem o aquecimento global induzido pelo homem, uma seca como a observada na Bacia do Rio Amazonas ocorreria apenas uma vez a cada 1.500 anos. No entanto, as mudanças climáticas causadas pela ação humana aumentaram a probabilidade de ocorrência desse tipo de seca em 30 vezes, esperando-se que aconteça aproximadamente uma vez a cada 50 anos.
Desafios frente ao negacionismo climático
José Maria Landim Dominguez, geólogo, observa que, apesar do amplo consenso científico sobre o impacto humano nas mudanças climáticas, ainda existe um grupo de negacionistas, ou “semeadores de dúvidas”. Esses indivíduos rejeitam a ideia de que as atividades humanas possam causar tais mudanças, argumentando que alterações climáticas já ocorreram no passado sem a influência humana. Landim contrapõe essa visão, destacando que as mudanças históricas ocorreram em escalas de tempo muito mais longas, enquanto as atuais estão acontecendo em algumas décadas ou séculos, não podendo ser justificadas apenas por variações naturais.
Ele também aponta uma contradição nos argumentos dos negacionistas: eles reconhecem o papel do homem como um agente geológico significativo na era do Antropoceno, mas negam que as atividades humanas possam alterar a composição atmosférica a ponto de desencadear mudanças climáticas.
Mariana Vale, autora do último relatório do IPCC e professora da UFRJ, destaca que a natureza da desinformação sobre mudanças climáticas evoluiu. Atualmente, não se nega tanto a existência das mudanças climáticas ou a contribuição humana para elas, mas sim a gravidade do problema e a eficácia das soluções propostas. Vale observa que, diante da evidência inegável das mudanças climáticas e do papel humano nelas, os negacionistas agora focam em desacreditar as soluções baseadas em evidências científicas.
Ela vê um aspecto positivo nessa mudança, pois indica que a sociedade aceita a realidade das mudanças climáticas. No entanto, surge um novo desafio: demonstrar a viabilidade e a necessidade urgente das soluções cientificamente propostas.
As soluções para a crise climática, segundo Vale, incluem a decarbonização da economia global e, no contexto brasileiro, a conservação de florestas, como a Amazônia e a Mata Atlântica, e o reflorestamento, especialmente da Mata Atlântica e do Cerrado.
Para combater a desinformação, cientistas e especialistas estão se dedicando à produção e disseminação de informações de qualidade baseadas em evidências científicas robustas. Vale menciona a importância de formar alianças com ONGs, mídias alternativas, redes sociais e mídia convencional para ampliar o alcance e a influência dessas informações corretas e baseadas em dados científicos.
Relação entre mudanças climáticas e desinformação
O 19º relatório do Fórum Econômico Mundial, publicado em janeiro deste ano, identifica eventos climáticos extremos e a desinformação como os dois maiores riscos globais tanto a curto quanto a longo prazo. Nos próximos dois anos, a desinformação lidera a lista dos dez principais riscos, seguida de perto por eventos climáticos extremos. Em uma perspectiva de dez anos, as quatro principais preocupações estão relacionadas ao clima: eventos climáticos extremos; mudanças críticas nos sistemas da Terra; perda de biodiversidade e colapso de sistemas; e escassez de recursos naturais. A desinformação aparece logo em seguida.
Combate aos terraplanismo climáticos
John Cook, pesquisador do Global Change Institute da Universidade de Queensland, Austrália, mantém desde 2007 o site Skeptical Science, dedicado a refutar mitos sobre o aquecimento global com base em evidências científicas. Argumentos comuns dos negacionistas climáticos incluem alegações de que “o clima sempre mudou”, “o aquecimento global não é prejudicial“, “em breve esfria de novo, é um ciclo natural”, “não há consenso científico”, “animais e plantas podem se adaptar”, além de teorias de que a Terra “está esfriando” e a Antártida “está ganhando gelo”.
Todos esses argumentos são desmentidos por artigos científicos, como um que reafirma o consenso de 99% dos cientistas sobre o aquecimento global ser majoritariamente causado pela atividade humana, e outro que evidencia os impactos negativos do aquecimento global superando quaisquer benefícios. Também são falsas as alegações de que a Antártida está ganhando gelo ou que a Terra está esfriando.
José Maria Landim Dominguez adiciona que outras teorias, como o aumento da temperatura global devido à maior luminosidade solar ou emissões naturais de CO2 de atividades vulcânicas, foram investigadas e descartadas.
Checagens relacionadas ao tema
O Comprova Explica tem o objetivo de esclarecer temas relevantes para ajudar a população a compreender assuntos em debate nas redes sociais que podem gerar desinformação. Desmentir falsidades sobre mudanças climáticas é crucial, pois a desinformação que minimiza a responsabilidade humana nessas mudanças sugere erroneamente que podemos continuar degradando o meio ambiente sem consequências. Por isso, é vital que as pessoas tenham acesso a informações verificadas e confiáveis.
O Comprova já realizou diversas verificações relacionadas à crise climática. Entre elas, desmentiu a afirmação falsa de que a retirada de gado de áreas rurais estaria ligada à venda da Amazônia pelo governo — na realidade, a medida visava combater o desmatamento ilegal. Também classificou como enganoso um post que negava os incêndios na Amazônia e um vídeo que distorcia declarações do presidente Lula (PT) sobre mudanças climáticas.
Com informações da Folha de São Paulo
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