“Somente a integração entre prosperidade econômica e justiça social reduziria a violência – um dos sintomas mais assustadores da exclusão social – como também fortaleceria a economia local, criando consumidores ativos e promovendo um ciclo virtuoso de crescimento. É essa transformação, baseada no cumprimento da legislação e no compromisso com a justiça social, que fará de Manaus um verdadeiro modelo para o Brasil e o mundo.”
Por Alfredo Lopes
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Coluna Follow-Up
Neste 24 de outubro de 2024, Manaus completa mais um ano de sua história, carregando consigo o título de uma das capitais mais ricas do Brasil, ao mesmo tempo em que enfrenta as contradições e desafios de uma cidade marcada por desigualdades profundas. Celebrar o aniversário de Manaus é, inevitavelmente, refletir sobre as dualidades paradoxais que moldam seu presente e projetam seu futuro: uma cidade situada no coração da Amazônia, cercada por imensuráveis riquezas naturais, mas também por um cinturão de vulnerabilidade social que aflige grande parte de sua população.
Manaus, uma metrópole que acolhe a geração de riqueza que mais emite Nota Fiscal na Amazônia com a terceira maior planta fabril do país, e gera riquezas que se espalham por toda a nação, enfrenta, paradoxalmente, indicadores deploráveis de desenvolvimento urbano e humano. O crescimento econômico, impulsionado pelo modelo Zona Franca de Manaus (ZFM), não tem sido capaz de resolver a profunda desigualdade social, evidenciada pela falta de acesso a serviços essenciais como saúde, saneamento e, sobretudo, educação de qualidade.
O desenvolvimento não pode se restringir aos números econômicos, mas precisa se traduzir em benefícios sociais e oportunidades para as novas gerações. A geração de riqueza na ZFM coloca o Amazonas entre os 8 maiores contribuintes da Receita Federal. Que vantagem os ribeirinhos levam?
Cumprimento da Legislação e Responsabilidade Social
É imprescindível, neste cenário, que o cumprimento da legislação que exige a aplicação substancial de recursos públicos em áreas essenciais, como saúde, educação, moradia e segurança pública, seja visto como prioridade. Esses setores concentram os maiores percalços sociais e regionais, e ao serem adequadamente atendidos, não apenas melhorariam a qualidade de vida da população, como também ajudariam a reduzir os gastos públicos, ao mitigar problemas como a violência — um dos principais sintomas da exclusão social. Em última instância, esses investimentos possibilitariam a inclusão de uma parcela maior da população no ciclo econômico, criando consumidores ativos que sustentam a ordem capitalista e fomentam o desenvolvimento contínuo.
Educação tem que ser premissa para o futuro de Manaus. Ou seja, o amanhã está atrelado a um único fator capaz de transformar, de fato, sua realidade social: a educação e a qualificação de alto nível. Embora as tentativas do voluntariado tenham sido, num passado recente, um sinal de alerta sobre a situação dramática da educação na cidade, ele não pode ser encarado como a solução definitiva. É louvável o esforço de diversas iniciativas voluntárias, mas a transformação profunda que Manaus precisa só será alcançada com vontade política e prioridade institucional.
As entidades representativas do setor público e privado que sustentam o programa ZFM têm uma responsabilidade direta em profissionalizar e promover a educação, tornando-a uma agenda prioritária. Sem um sistema educacional que forme jovens preparados para o mercado de trabalho e para os desafios de uma sociedade em constante transformação, qualquer celebração de aniversário torna-se apenas um ato formal e burocrático, desconectado da realidade cotidiana da maioria da população.
Estudos constantes como os realizados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostram que o setor industrial, fundamental para a economia de Manaus, tem feito sua parte ao tratar a educação como um tema emergencial. Com a colaboração de especialistas, a CNI tem desenvolvido estudos que servem de guia para suas associadas, com o objetivo de promover uma formação de qualidade, integral e integrada, para os jovens, capacitando-os para os desafios do mercado. O profissionalismo com que a questão é tratada pela indústria deveria servir de exemplo para todos os atores envolvidos no desenvolvimento da cidade.
Exemplos de transformação global
Olhar para fora também pode ser inspirador. Em países ricos, que, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), implementaram reformas educacionais nos últimos anos, a educação é vista como uma questão de estratégia nacional. Na Dinamarca, por exemplo, reformas no ensino profissional reduziram a taxa de desistência escolar, e em Portugal, cursos técnicos foram ajustados às demandas do mercado de trabalho. O fortalecimento da educação técnica e profissional tem sido o foco de muitas nações que entendem que a educação é o caminho para o crescimento econômico e a equidade social.
É necessário reconhecer que Manaus tem potencial para seguir esse exemplo. O Brasil não pode simplesmente copiar soluções de outros países, mas pode adaptar lições aprendidas para sua realidade local. Os exemplos da OCDE mostram que, com vontade política, é possível reformar sistemas de educação, garantir qualidade no ensino e preparar as novas gerações para os desafios de um futuro incerto.
Urgência de um Plano Estruturado
Manaus precisa, com urgência, de um plano de ação estruturado para a educação, com cronogramas, metas claras e resultados mensuráveis. A resposta ao déficit educacional não pode ser tratada como uma ação secundária ou emergencial. O compromisso com a educação deve ser contínuo, articulado e baseado em parcerias entre o setor público, a iniciativa privada e a sociedade civil. A educação é um direito de todos e a principal chave para transformar a riqueza gerada pelo polo industrial em oportunidades concretas para as novas gerações.
Educação com filantropia ou entregue a militares, como sugerem alguns, é uma ação nobre, mas insuficiente diante da magnitude do problema. Educação supõe qualificação técnica e interdisciplinar. A função constitucional dos militares é outra. O que Manaus precisa é de um pacto educacional que envolva todos os setores e instituições comprometidos com este desafio, garantindo que o futuro da capital esteja sustentado em bases sólidas e duradouras. O aniversário de Manaus, portanto, deveria ser celebrado não apenas com festas, mas com o compromisso firme de mudar a realidade, sobretudo educacional, da cidade.
O compromisso com o futuro de Manaus
A transformação social que resultaria desse compromisso não apenas melhoraria a qualidade de vida da população, mas também fortaleceria a economia local. Ao investir na formação educacional e profissional da juventude, estaríamos formando os cidadãos que se tornarão os consumidores do futuro, capazes de sustentar e expandir o ciclo de produção e riqueza gerado pela Zona Franca de Manaus. Esse movimento criaria uma base sólida para a expansão sustentável da ordem capitalista, com benefícios tanto para o setor público quanto para o privado.
Celebrar Manaus significa reconhecer suas conquistas e, ao mesmo tempo, enfrentar seus desafios. Significa promover, por meio da educação e de investimentos estruturais, a transformação social que a cidade tanto necessita. Manaus não pode continuar a ser uma cidade marcada por contrastes gritantes entre riqueza e pobreza, progresso e abandono. A capital da Amazônia tem potencial para ser muito mais do que um polo industrial: pode ser um modelo de desenvolvimento sustentável e inclusivo, onde a riqueza natural e industrial se traduz em justiça social, oportunidades e qualidade de vida para todos os seus habitantes. Isso é o que realmente faria de Manaus uma cidade para se orgulhar e celebrar.
O futuro de Manaus depende de um compromisso sólido com a inclusão social e econômica, que vai além das estatísticas de crescimento industrial. Somente quando a riqueza gerada pelo Polo Industrial de Manaus se traduzir em investimentos reais e contínuos em saúde, educação, moradia e segurança pública, a cidade poderá aspirar a um desenvolvimento equilibrado e sustentável.
Somente a integração entre prosperidade econômica e justiça social reduziria a violência – um dos sintomas mais assustadores da exclusão social – como também fortaleceria a economia local, criando consumidores ativos e promovendo um ciclo virtuoso de crescimento. É essa transformação, baseada no cumprimento da legislação e no compromisso com a justiça social, que fará de Manaus um verdadeiro modelo para o Brasil e o mundo.
Alfredo é filósofo, foi professor na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal Brasil Amazônia Agora
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