Ilusões para destruir a Zona Franca de Manaus

“As mortes da pandemia deveriam servir para algum aprendizado. Por outro lado, quando nem a vida humana tem importância, por que uma região teria importância? A bioeconomia faz parte do futuro da Amazônia, mas não é uma saída rápida para encerrar o ciclo da ZFM. Cuidado com as ilusões!”

Augusto César Barreto
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Ideias ruins normalmente produzem ações inapropriadas, mesmo que repletas de boas intenções. A transformação destas ideias poderia se dar por uma equipe acertada, com poder para alterar as propostas iniciais. O problema é que muitos dos leitores de ideias ficam encantados com a simplicidade do conceito inicial e não aceitam evoluir seu pensamento. Em síntese, ficam encantados e param no início de um pensamento carente de evolução.

Por outro lado, existem conceitos bons, que precisam de outras ações a partir deles. Encontrar a melhor história para transformar e evoluir as ideias é um problema do mundo contemporâneo, porque as pessoas estão tão enfadadas e sobrecarregadas de informações que ficam com pouca paciência para entender a verdadeira complexidade das coisas. Não há nada que seja fácil e rápido. Seria ótimo ter soluções com um clique de distância.

Para se chegar a uma solução simples, é necessário um enorme esforço. Um clique de envio no WhatsApp deriva de diversas tecnologias que envolvem o sistema operacional do telefone e toda uma infraestrutura de telefonia. Esta simples ação depende de um conjunto de padrões funcionando em um sistema. Seria impossível pensar nisso sem uma trajetória iniciada por Alexander Graham Bell, falecido faz 99 anos. Toda esta caminhada permite a mensagem do celular.

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Augusto César é Professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

Falar sobre desenvolvimento de uma região sem políticas de desenvolvimento soa como piada para quem entende de política pública. Remover uma política de desenvolvimento que obteve um sucesso relativo, como a política da Zona Franca de Manaus (ZFM), é tão sem sentido como querer usar o WhatsApp sem ter um sistema de telecomunicação como suporte para o tráfego de mensagens. Evoluir a política da ZFM faz sentido – eliminá-la rapidamente não faz sentido.

O termo bioeconomia teve seu uso inicial nos anos 1960 e vem evoluindo ao longo das décadas. As consequências para os sistemas econômicos vinculando alimentos e meio ambiente entrou na pauta das políticas públicas europeias a partir dos anos 2000. Apenas em 2013 o governo da Alemanha publicou uma Política Estratégica Nacional para sua Bioeconomia. A Finlândia em 2014. Áustria e Noruega em 2015. Fazer a adoção da bioeconomia como substituta rápida para a política industrial vigente em Manaus ou é proposta de má fé ou é de ignorantes sobre políticas públicas ou ciclos de desenvolvimento de novas tecnologias advindas de sistemas vivos.

Arguir que a bioeconomia é uma substituta para a ZFM é praticamente o mesmo que dizer que um profissional dormirá Engenheiro Eletricista e acordará Biólogo. Uma transição simples ou rápida de uma base econômica para outra é tão sem sentido que nem mereceria atenção. Todavia, num país onde a ciência vale cada vez menos, é importante alertar que não se faz ciência num estalar de dedos só porque um executivo quer muito. Da mesma forma que um remédio não cura uma doença só porque um executivo de vendas quer muito. Existem outros fatores.

As mortes da pandemia deveriam servir para algum aprendizado. Por outro lado, quando nem a vida humana tem importância, por que uma região teria importância? A bioeconomia faz parte do futuro da Amazônia, mas não é uma saída rápida para encerrar o ciclo da ZFM. Cuidado com as ilusões. A bioeconomia faz parte do futuro da Amazônia, mas não é a substituta da ZFM. Desculpe-me por escrever duas vezes. Foi para fixar.

Augusto César
Augusto César
Augusto Cesar Barreto Rocha é professor da UFAM

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