“Pelo filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto, toda tecnologia é benéfica pelo caráter de auxiliar a ação humana na lida com o ambiente e com seus semelhantes. Enquanto essas tecnologias não são plenamente disseminadas vamos alternando nossa lida com as tribos e mercados, aperfeiçoando nossos pensamentos e ações em defesa dos melhores interesses de nossos próximos, nossos semelhantes, nossa região e nosso país.”
Nunca saímos completamente da sociedade tribal. No último texto tentei demonstrar como ela foi superada, até certo ponto, pela sociedade de mercado e suas tecnologias habilitadoras de transações entre desconhecidos. Mas a verdade é que neste século XXI ainda há muito do comportamento tribal. Mesmo nas relações empresariais.
No fundo, era a isso que se referia Ronald Coase no magistral “A Natureza da Firma”. Esse artigo, de 1937, é a base de toda a economia institucionalista, que deu em gente como Douglas North, Oliver Williamson e Elinor Ostrom. Qual a lógica? Transações cujos termos não sejam de antemão plenamente detalháveis são resolvidas contratando o objeto para que ele fique ao seu dispor por um bom tempo. Daí as pessoas dispõem entre si em organizações, entidades, empresas, cooperativas, associações etc.
O contrafactual facilita o entendimento. Conforme explicação do próprio Coase, as organizações existem porque nem todos os bens são pertinentes a um sistema de preços, homogêneos e especificáveis a ponto de serem disponibilizados numa bolsa de valores, gôndolas de feiras ou prateleiras de supermercados.
Daí que contratações de serviços especializados, empreitadas, obras de arte, imóveis ou equipamentos caros demandam dos potenciais compradores e vendedores que engajem em rituais de negociação. Farejam-se, mostram ou ocultam armas e intenções. Medem poderes. Fingem que não, juram que sim. Julgam diversos aspectos alheios ao produto ou serviço negociado per se, na verdade muito mais pertinentes ao senso de semelhança e pertencimento.
A exposição frequente a essas situações são aprendizado em tentativa-erro onde contumazes compradores/vendedores forjam uma personalidade que guia atitudes e decisões em meio a essas negociações, o modo pessoal de praticar o ritual. Acabam por criar uma visão de mundo dependente da experiência pessoal, frequentemente rígido e resistente aos ganhos das leituras mais abrangentes.
No contrafactual do “se tudo fosse mercado”, tudo estaria no sistema de preços. As partes avaliariam as informações do item ofertado/demandado e a confrontariam com o preço. A comparação entre o preço da transação e o valor em uso ocorreria na máxima rapidez. Se não valer a pena, passa para a próxima e segue a vida, ou se ajusta o preço para fechar negócio com o próximo interessado. Bem prático e fonte de valor. Lembra algo da “uberização”? Pois é. Provavelmente a Inteligência Artificial fortalecerá esse caminho.
A vida não é mais assim porque o que chamamos economia de mercado, a depender da industrialização e do papel-moeda, não tem muito mais que quinhentos anos. A primeira bolsa de valores, de Amsterdã, data de 1602. Breton Woods, 1944. Diante de 7 mil anos de civilização isso é muito pouco. Ainda mais pelas vidas e tempo que perdemos com os regimes totalitários ao longo do século XX. Não fossem eles, provavelmente as verdadeiras questões, como os monopólios naturais, teriam sido resolvidas há mais tempo.
A economia de mercado, o papel-moeda, o PIX, nada mais são que tecnologias. Pelo filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto, toda tecnologia é benéfica pelo caráter de auxiliar a ação humana na lida com o ambiente e com seus semelhantes. Enquanto essas tecnologias não são plenamente disseminadas vamos alternando nossa lida com as tribos e os mercados, aperfeiçoando nossos pensamentos e ações em defesa dos melhores interesses de nossos próximos, nossos semelhantes, nossa região e nosso país.