Pesquisa demonstrou ação pró-dor desencadeada por células do sistema imune presentes nas meninges, membranas que recobrem sistema nervoso central
Evolução da dor neuropática
A famosa dor do nervo ciático, como é popularmente conhecida, é um entre muitos exemplos da dor neuropática, problema crônico que prejudica a qualidade de vida e para o qual ainda não existe medicação específica. Ao investigar a questão, um grupo de cientistas da USP e de instituições dos Estados Unidos descobriu um novo mecanismo, envolvendo células do sistema imunológico e as membranas do sistema nervoso central (meninges), ligado ao desencadear da dor neuropática.
Os achados, publicados em artigo da revista The Journal of Clinical Investigation, abrem espaço para a pesquisa e desenvolvimento de terapias específicas contra o problema.
A principal descoberta do estudo, segundo Thiago Mattar Cunha, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP e um dos autores do estudo, é que as meninges, que são membranas que recobrem o sistema nervoso central (encéfalo e medula espinal, o SNC), têm células que participam do processo de cronificação da dor neuropática. Chamou a atenção dos pesquisadores o fato de que essas células, chamadas de dendríticas, integram o sistema imunológico.
Cunha conta que buscaram com o estudo trazer novos conhecimentos para ajudar a desenvolver terapias “não apenas para tratar os sintomas, mas atacar a dor na origem, impedindo que ela se cronifique”.
Meninges e células dendríticas
Para realizar o estudo, foi utilizado modelo animal (camundongos) com lesão em um nervo periférico, o ciático, reproduzindo o mesmo tipo de lesão traumática que a de um ser humano, para investigar e entender os mecanismos envolvidos.
Cunha explica que, após a lesão, as células dendríticas presentes nas camadas exteriores do SNC “aumentam a produção de um determinado tipo de enzima, a indoleamina 2, 3-dioxigenase (IDO1), que produz vários metabólitos, substâncias biológicas com atividade pró-dolorosa, ou seja, que aumentam a dor”.
Com esses resultados, avalia o professor, foi possível demonstrar um papel ainda desconhecido para as meninges e também para as células dendríticas, o que abre portas para o desenvolvimento de fármacos que possam bloquear a produção desta enzima e impedir que ela produza metabólitos que estimulam a dor.
Novas moléculas
A identificação do novo mecanismo encoraja os pesquisadores a desenvolver novas moléculas, a partir das já existentes no mercado, e também a pesquisa com aquelas advindas de produtos naturais. A busca é por uma molécula que seja capaz de bloquear, seletivamente e com boa potência, a produção dos metabólitos que aumentam a dor neuronal. A tarefa que se inicia conta com a participação de pesquisadores da FMRP e do Laboratório Nacional de Biociências localizado no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas.
Estima-se que a dor neuropática afete em torno de 10% da população mundial. Cunha conta que o problema é causado por uma lesão em algum nervo, em especial os sensitivos, que leva a informação dolorosa para o sistema nervoso central (SNC).
Entre os diferentes estímulos que desencadeiam a dor neuropática, o professor cita traumas mecânicos, compressão ou lesão por um corte do nervo (cirurgias, por exemplo) e o uso de fármacos, como quimioterápicos. Ele cita ainda as doenças metabólicas, como diabete, e doenças autoimunes, como esclerose múltipla, entre aquelas que podem despertar a dor neuropática.
O professor Cunha avalia que a equipe ainda tem uma longa jornada pela frente, mas acredita que essa nova descoberta traz boas perspectivas para um futuro tratamento da dor neuropática, que atinge milhares de pessoas pelas mais diversas razões, e que ainda não tem tratamento.
Mais informações: e-mail [email protected], com Thiago Mattar Cunha
Texto publicado originalmente por Jornal da USP
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