Neurociência explica por que cães molhados se sacodem para secar

O ato feito pelos cães, na verdade, não tem relação com a vontade de se secar e revela um mecanismo biológico muito mais complexo

Quando cães molhados perto de você sacodem a água do pelo, a ação não é apenas um movimento aleatório ou um esforço deliberado para molhar quem estiver por perto. Um estudo publicado na revista Nature na última quinta (07) revela que esse ato envolve uma classe específica de receptores táteis e neurônios que conectam a medula espinhal ao cérebro, o que também acontece em outros mamíferos peludos e possui relação com a sensibilidade da pele.

Segundo os pesquisadores, esse reflexo instintivo é compartilhado por animais como camundongos, gatos, esquilos, leões, tigres e ursos e os ajuda a remover água, insetos ou outros irritantes de lugares de difícil acesso.

“O sistema tátil é tão complexo e rico que [ele] consegue distinguir uma gota d’água de um inseto rastejante e do toque suave de um ente querido”, diz Kara Marshall, neurocientista do Baylor College of Medicine em Houston, Texas. “É realmente notável poder vincular um subconjunto muito específico de receptores táteis a esse comportamento familiar e compreensível.”

O ato feito pelos cães, na verdade, não tem relação com a vontade de se secar e revela um mecanismo biológico muito mais complexo
O ato feito pelos cães, na verdade, não tem relação com a vontade de se secar e revela um mecanismo biológico muito mais complexo | Foto: Rebecca Campbell/Unsplash

A pele sensível dos cães e outros mamíferos

A pele peluda dos mamíferos é repleta de mais de 12 tipos de neurônios sensoriais, cada um com uma função única utilizada para detectar e interpretar diversas sensações. O coautor do estudo, Dawei Zhang, neurocientista que na época estava na Harvard Medical School em Boston, Massachusetts, e seus colegas, focaram em um tipo de receptor de toque ultra-sensível, que envolve os folículos capilares.

Em humanos, esses receptores estão associados a sensações de toque agradável, como um abraço suave ou um carinho tranquilizante. Mas em camundongos e outros animais, como os cães, eles desempenham um papel protetor: alertando-os sobre a presença de algo em sua pele, seja água, sujeira ou um parasita. Quando esses estímulos fazem os pelos da pele se dobrar, isso ativa os receptores de toque, explica Marshall, “ampliando a sensibilidade da pele para além da superfície”.

Para descobrir o causador do instinto, os cientistas reuniram camundongos de cobaia e pingaram gotas de óleo de girassol na parte de trás dos seus pescoços, para que se sacudissem como cães molhados. Quase todos os animais sacudiram essas gotas em até dez segundos. A equipe então modificou geneticamente alguns dos camundongos para remover a maior parte de seus receptores e, com isso, esses animais apresentaram uma redução de 50% nas sacudidas quando gotas de óleo caíam em seus pescoços, em comparação com os camundongos não modificados.

Para descobrir o causador do instinto, os cientistas reuniram camundongos de cobaia e pingaram gotas de óleo de girassol na parte de trás dos seus pescoços, para que se sacudissem como cães molhados
Para descobrir o causador do instinto, os cientistas reuniram camundongos de cobaia e pingaram gotas de óleo de girassol na parte de trás dos seus pescoços, para que se sacudissem como cães molhados | Foto: Sandy Millar/Unsplash

Aplicações futuras

A descoberta do estudo desvenda um mecanismo pouco compreendido até então e abre caminhos para futuras pesquisas. Segundo Thomas Knöpfel, neurocientista da Universidade Batista de Hong Kong, em Kowloon Tong, o estudo é um bom ponto de partida para investigar como o cérebro envia comandos para controlar o movimento. “O movimento de sacudir é desencadeado em muitos animais por drogas psicodélicas”, ele diz. A resposta aos psicodélicos envolve receptores de serotonina, que também desempenham um papel no toque prazeroso. “Isso traz inspiração para mais trabalhos conectando esses pontos”, pontua.

Futuras pesquisas também poderiam investigar se os receptores hiperativos contribuem para condições como a síndrome da pele trêmula em gatos, que envolve ondulações repentinas da pele e contrações excessivas, ou para outros tipos de hipersensibilidade da pele em humanos.

Isadora Noronha Pereira
Isadora Noronha Pereira
Jornalista e estudante de Publicidade com experiência em revista impressa e portais digitais. Atualmente, escreve notícias sobre temas diversos ligados ao meio ambiente, sustentabilidade e desenvolvimento sustentável no Brasil Amazônia Agora.

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