“Assim, ao elaborar um cenário para a economia brasileira em 2025, com impactos nos anos seguintes, é imprescindível que se examinem as perspectivas de desenvolvimento do agronegócio em todas as nossas regiões. Não se trata de elaborar um exercício de projeção do futuro do agronegócio brasileiro, pois, como diz Peter Drucker “a melhor forma de prever o futuro é criá-lo”, através da concepção e da implementação de estratégias de desenvolvimento.”
Artigo de Paulo Haddad
“No curso das três últimas décadas, as principais fontes de distúrbios no crescimento foram os choques de demanda; ao contrário, choques de oferta negativos mais frequentes, mais graves, ao mesmo tempo mais importantes são susceptíveis de ocorrer à medida que nossas economias se adaptam ao novo ambiente… marcado pelo aumento das tensões geopolíticas e pela urgência da mudança climática”.
“É lamentável ter que reconhecer que, ao longo do tempo, o resultado de nossas políticas tem sido – ou será redistribuir riqueza e renda de forma injusta e desigual”.
Mário Draghi – Presidente do Banco Central Europeu de 2011 a 2019
A ECONOMIA MUNDIAL EM 2025
O agronegócio brasileiro tem sido responsável para evitar que, desde 2014, a economia brasileira vivencie um processo de estagnação econômica, quando se considera não apenas a participação do seu valor agregado no PIB (em torno de 5%), mas o conjunto dos seus efeitos diretos, indiretos (insumo-produto) e induzidos (consumo) chegando a ser responsável por quase 25% na geração do PIB. É responsável também, ao longo dos últimos anos, pela parcela maior da formação dos superávits na balança comercial, o que tem dado ao País maior segurança e menor vulnerabilidade para formular as suas políticas econômicas, ancorado em mais de 300 bilhões de dólares em reservas internacionais.
Assim, ao elaborar um cenário para a economia brasileira em 2025, com impactos nos anos seguintes, é imprescindível que se examinem as perspectivas de desenvolvimento do agronegócio em todas as nossas regiões. Não se trata de elaborar um exercício de projeção do futuro do agronegócio brasileiro, pois, como diz Peter Drucker “a melhor forma de prever o futuro é criá-lo”, através da concepção e da implementação de estratégias de desenvolvimento.
Formular uma estratégia de desenvolvimento significa conceber e executar um conjunto de decisões que têm por objetivo inserir as organizações produtivas em uma economia nacional cada vez mais aberta e globalizada, e, ao mesmo tempo, minimizar as reações contrárias às mudanças necessárias. Para que possa ser exequível, uma estratégia tem que levar em conta as restrições que se impõem à sua implementação.
Entre essas restrições, destacam-se as restrições de recursos (financeiros, econômicos e institucionais), as restrições das estruturas mentais (cultura empresarial tradicional, por exemplo), as restrições de natureza macroeconômica (sistema tributário, política cambial, etc.). Da mesma forma, uma estratégia de desenvolvimento para ser realista precisa dispor de uma leitura adequada do ambiente nacional e internacional no qual se inserem as organizações produtivas, os seus riscos e as suas oportunidades.
Somente a incorporação das restrições e do contexto histórico será capaz de definir “os limites do possível” para a formulação de uma estratégia de desenvolvimento. As restrições se apresentam como condicionalidades à efetivação das estratégias de desenvolvimento, mas nem sempre em caráter definitivo, pois dependem de negociações políticas e das transformações impostas pelo próprio processo de desenvolvimento do País e do ambiente da economia mundial.
O IMPÉRIO DO PROTECIONISMO
O Centre d’Etudes Prospectives et d’Informations Internationales (CEPII) é o principal centro francês de pesquisa e de expertise em economia internacional. Publicou o estudo sobre “L’économie mondiale 2025”, o qual vem realizando a cada ano. O relatório publicado em setembro de 2024 aumenta todas as informações e análises realizadas nos últimos anos pelo Centro sobre a evolução da economia mundial, incluindo os temas mais inquietantes e controversos da Humanidade, tais como o desafio que vem se impondo, em diversos países, sobre o futuro do trabalho assalariado a partir da expansão da Inteligência Artificial (IA) e da transição ecológica.
Dada a amplitude dos temas abordados, iremos nos concentrar nas conclusões do Estudo do CEPII que interessam à formulação de uma estratégia de desenvolvimento para o agronegócio do Brasil. De forma extremamente sintética, a questão que se coloca para o sistema produtivo brasileiro dos produtores de café em Rondônia até os novos “Vales do Lítio” no Jequitinhonha e no Mucuri: “estamos presentemente passando para um mundo de choques de demanda para um mundo de choques de ofertas no qual as políticas econômicas deveriam ser repensadas?”
A economia mundial irá, a partir de 2025, passar por grandes transformações, particularmente a partir da implementação das políticas econômicas do Governo Trump, de cunho nacionalista e protecionista. A onda protecionista, que vinha crescendo nas economias avançadas desde o fim da pandemia da COVID-19, tenderá a se acentuar dificultando, em particular, a política de crescimento econômico da China baseada nas exportações.
Essa onda protecionista apresenta dois grandes problemas:
- quando o principal player do comércio mundial desencadeia um processo de protecionismo, a onda se propaga por muitos outros países, sob a forma de retaliação ou de igual proteção das indústrias nacionais.;
- embora o protecionismo norte-americano tenda a ser mais agressivo na gestão Trump, essa onda protecionista como macro tendência vem de muitas administrações anteriores, como na gestão do Presidente Biden (por exemplo: em agosto de 2023, os Estados Unidos assinaram um decreto para filtrar investimentos americanos na China em três setores muito sensíveis: os semicondutores, a informática quântica e a IA, a fim de evitar que investimentos americanos aumentem a dependência do país em relação à China).
Tomando como referência a publicação do L’économie Mondiale 2025, pode se constatar que, em 2025, há grande probabilidade que os seguintes eventos portadores de mudanças possam ocorrer:
- apesar da Guerra da Ucrânia, das condições financeiras mais difíceis, da escalada das tensões geopolíticas e da diminuição do ritmo de crescimento da China, a economia mundial continua resistindo sem sofrer um novo ciclo recessivo;
- após o fechamento da página da COVID-19, pelo menos do ponto de vista econômico, como é o caso da inflação devido, em grande parte, à reversão dos choques de oferta que elevaram os preços dos preços da energia e dos alimentos, a economia mundial deverá se confrontar com novos choques de oferta que tendem a se multiplicar com a crise ecológica e as tensões geopolíticas; como consequência, as políticas econômicas deverão se adaptar à configuração desses choques; ao mesmo tempo, as margens de manobras orçamentárias tendem a se tornar cada vez mais restritas, limitando a capacidade de novos investimentos; em termos práticos: a Humanidade irá vivenciar um longo período em que ocorrerão não mais insuficiências de demanda agregada mas choques de ofertas;
- 2025 é decididamente o tempo da oferta para a economia mundial, não mais o da insuficiência da demanda agregada como ocorreu nas décadas passadas; poderão se configurar, pois, mudanças no jogo das políticas de oferta de cada nação; essas mudanças funcionam nos países avançados no sentido de promover e atrair as indústrias estratégicas; como resultado, as estratégias de crescimento chinesas, orientadas para as exportações, tendem a não receber a mesma acolhida nos mercados externos como no passado; o protecionismo se afirmar e as tensões com a China se multiplicarem;
- a estratégia da China para a sua dimensão interior, além de atender o objetivo central do Comitê Central do Partido Comunista, que é o de melhorar as condições de vida da população (mais demanda de consumo das famílias e de serviços públicos), é a de garantir o autossuficiência tecnológica e dominar as indústrias do amanhã, através de intensos esforços de Pesquisa e Desenvolvimento, tendo como vulnerabilidades:
- o envelhecimento da população;
- os impactos das mudanças climáticas;
- as fragilidades do sistema financeiro;
- a dependência da entrada de novos concorrentes nos setores tecnológicos mais avançados.
- a estratégia chinesa para a sua dimensão externa é a de se reposicionar no cenário internacional, quando encontrará grandes dificuldades, particularmente após a eleição de Trump, caso ele concretize tudo o que prometeu durante o processo eleitoral, o que há grande probabilidade que venha a ocorrer; a China se propõe, como estratégia, a adesão do Sul Global às Novas Rotas da Seda, mesmo considerando as fraturas que poderão ocorrer no interior dos BRICS;
- do lado da Europa os desafios se acumulam; o Relatório do CEPII destaca o caso da Alemanha, a principal economia da Europa; o modelo alemão se fundamenta na sua capacidade exportadora com a competitividade sistêmica embalada por uma política salarial moderada e politicamente negociada, com sua posição dominante em alguns setores dinâmicos do comércio mundial; os problemas advindos dessa estratégia são:
- a perda de partes do mercado global;
- o recuo marcante dos investimentos em construções;
- a principal questão a ser enfrentada é a sua dependência energética do exterior revelada pela Guerra da Ucrânia e, também no plano comercial, pelo confronto principalmente com a China na transição ecológica, uma vez que as duas economias são as maiores produtoras de bens de consumo duráveis e de bens de capital relacionados com as mudanças climáticas; a Alemanha vai depender muito da evolução econômica da Zona do Euro e de suas restrições de equilíbrio orçamentário (austeridade fiscal);
- a dependência de matérias-primas é um outro jogo de dimensões expressivas para a Europa, que, diferentemente da China, não adotou uma estratégia de investir maciçamente em diversos países para assegurar a sua provisão e aumentar a dependência dos outros países em relação a ela; a estratégia europeia passa pela reabertura de minas para reciclagem das matérias-primas e pela diversificação das fontes de abastecimento;
- a economia mundial é apresentada no Relatório do CEPII enfrentando muitos outros desafios:
- a dificuldade de manter funcionando adequadamente, dentro do seu escopo, as instituições que mantêm o sistema de comércio multilateral;
- muitos países, destacadamente a China e os EE.UU., têm aumentado as tarifas alfandegárias, as subvenções e as decisões protecionistas ad hoc desconhecendo os acordos nas políticas econômicas de países com estruturas produtivas predominantemente orientadas para exportações;
- a questão da inteligência artificial (IA) e a transição ecológica serão determinantes na criação de valor econômico, na natureza dos empregos disponíveis e na repartição dos frutos dessa criação de valor;
- quanto à transição ecológica, é a criação de valor que se coloca em questão: o resultado do nível de emprego dependerá muito da capacidade para conciliar a descarbonização e o aumento dos investimentos, de tal forma a reforçar os tecidos produtivos descarbonizados, ao mesmo tempo permitindo a criação de valor necessária para a justa remuneração do trabalho;
- o Relatório avança no campo das projeções econômicas (principalmente nas questões que têm sido enfrentadas pelos Bancos Centrais na condução das políticas monetárias) e na apresentação de indicadores econômicos, demográficos e ambientais pelas grandes zonas e os principais países (o Brasil inclusive) da economia Mundial.
Embora todas essas mudanças previstas pelo CPEII sejam relevantes para a formulação da estratégia de desenvolvimento do agronegócio no Brasil, é necessário considerar, principalmente, dois eventos portadores de mudanças que trarão novas restrições e novas oportunidades, para os empresários do setor, independentemente de sua escala produtiva:
a. um mundo do choques de oferta;
b. a expansão da Nova Rota da Seda, em função dos 37 acordos que o Brasil assinou, em Brasília, com o Presidente da China, por ocasião de sua vinda ao país para o encontro do G20, envolvendo a cooperação em torno de 15 temas, tais como o agronegócio, intercâmbio educacional, cooperação de comércio, incluindo não apenas as commodities, etc.
MERCADO INTERNO VERSUS MERCADO EXTERNO
Porque concentrar a atenção das atividades do agronegócio brasileiro na evolução da economia mundial, se o nosso mercado interno apresenta um tamanho muito expressivo pois, atualmente, o Brasil está na 9ª posição no ranking das maiores economias do Mundo, com PIB de US$ 1,2 trilhão, ficando na frente de grandes países como Canadá, Rússia e México? A questão é que a nossa análise tem como escopo a perspectiva do agronegócio no médio e no longo prazo a partir de 2025, e não apenas sua dinâmica na atual conjuntura macroeconômica.
O mercado interno depende de três fatores fundamentais: o tamanho da população, a produtividade total dos fatores da produção e a distribuição da renda e da riqueza. Quanto maior a população conjugada com a melhoria da produtividade e da distribuição da renda e da riqueza, maior o tamanho do mercado interno.
O problema é o seguinte: o Brasil tem experimentado uma desaceleração no crescimento populacional devido à redução das taxas de fecundidade e aumento da expectativa de vida; segundo a FGV, nos últimos quarenta anos a taxa média de crescimento da produtividade do trabalhador brasileiro foi apenas de 0,6% ao ano, uma das mais baixas do Mundo; e o Brasil tem um dos maiores indicadores de concentração de renda e de riqueza do Mundo. Assim não há como o mercado interno brasileiro apresentar um crescimento pouco expressivo.
Nos últimos anos, a lenta expansão do mercado interno tem sido conduzida pelas transferências fiscais de renda das políticas sociais compensatórias do Governo Federal (Bolsa Família, Lei Orgânica de Assistência Social, Previdência Social) para grupos da população com elevada propensão marginal a consumir e pelo endividamento das famílias. Ora, a crise fiscal do Governo Federal restringe enormemente os valores do poder aquisitivo das rendas transferidas e a insegurança financeira das famílias brasileiras (o endividamento das famílias brasileiras é atualmente de quase 80%) limita endividamentos adicionais.
Com a crescente onda de protecionismo nas economias avançadas (ver as enormes dificuldades que o Mercosul enfrentará para expandir as exportações para os países da União Europeia e para os Estados Unidos pós eleição de Trump), os novos Acordos Brasil-China constituem a grande oportunidade do comércio internacional em maior e imensa escala para as empresas brasileiras.
Os Acordos China-Brasil abrem um campo de oportunidades de desenvolvimento do comércio exterior com os países do Sudeste Asiático (China, Japão, Coreia do Sul, Vietnam, Índia, etc.) particularmente nas Novas Rotas da Seda. Entre essas oportunidades podemos identificar algumas que se relacionam diretamente com as atividades do agronegócio brasileiro, as quais se associam às declarações conjuntas em torno de princípios gerais sobre a nova ordem socioeconômica e socioambiental do Planeta, sobre a cooperação técnica, científica e interinstitucional, sobre muitos dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Para alguns alimentos, os Acordos são bem específicos, tais como a cooperação e abertura de quatro mercados: farinha de peixe, óleo de peixe e outras proteínas e gorduras derivadas de pescado para ração animal; sorgo; gergelim, uva fresca. Outros mercados deverão ser abertos à medida que avançar a cooperação técnica e comercial no setor agrícola, tal como previsto nos Acordos.
A meu ver, os maiores impactos deverão ocorrer quando houver maior integração do Brasil nas Novas Rotas da Seda, a partir dos investimentos em logística de transporte e de comunicação com saída pelo Pacífico, desde o Acre até o Porto de Chankay, no Peru, quando deverá se ampliar e consolidar a posição da China como principal parceiro comercial do Brasil (além de uma das mais importantes fontes de investimento externo no País), o que vem ocorrendo desde 2009. Há expectativa de que os Acordos entre Brasil e China para a agropecuária podem elevar a posição do País no ranking de exportação mundial.
É bom lembrar, às vésperas da nova era Trump, que o empresariado brasileiro não deixou que os seus negócios internacionais fossem contaminados pela polarização política que avança em escala mundial nos últimos anos.
A sua postura pragmática está sintonizada com o pensamento de Milton Friedman, que juntamente com Adam Smith (1776) é considerado um dos pais do liberalismo econômico: “Ninguém que compra pão sabe se o trigo usado foi cultivado por um comunista ou republicano, por um constitucionalista ou um fascista ou, ainda, por um negro ou por um branco. Tal fato ilustra como um mercado impessoal separa as atividades econômicas dos pontos de vista políticos e protege os homens contra a discriminação em relação a suas atividades econômicas por motivo irrelevantes para a sua produtividade – quer estes motivos estejam associados às suas opiniões ou à cor da pele”. (Capitalismo e Liberdade, Abril Cultural, 1983, pág. 28).
Um novo ciclo de expansão do agronegócio brasileiro terá que delimitar os seus mercados futuros. Há dificuldades com as perspectivas do mercado interno brasileiro, que cresce lentamente: a produtividade total dos fatores de produção tem sido muito baixa, a distribuição da riqueza e da renda nacional está muito concentrada, houve uma desaceleração no crescimento demográfico do País e as políticas sociais compensatórias se curvam diante da crise fiscal nos três níveis de governo.
Por outro lado, o mercado mundial está crescentemente protegido através de diferentes formas e motivos, o que deverá se intensificar a partir da posse de Trump para um novo mandato presidencial. Sem saída? Não. Porque a China realizou com o Brasil 37 Acordos no ano passado, os quais deverão ampliar a abertura para o comércio de bens e serviços, principalmente para o agronegócio brasileiro.
Assim, a onda protecionista anti-China nos EE.UU e na União Europeia pode se transformar em um campo de oportunidades para o comércio exterior do Brasil, desde que o país formule e implemente estratégias de desenvolvimento apropriadas.
Parte II será publicada em breve, fique de olho!
Paulo Roberto Haddad é um economista brasileiro. Formado em economia pela Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais em 1962. Fez curso de especialização em Planejamento Econômico no Instituto de Estudos Sociais em Haia Holanda 1965/1966. Professor titular da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG. fundador e primeiro diretor do Centro de desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG. Publicou diversos livros e artigos em revistas especializadas no Brasil e no Exterior.