“Para que os investimentos realmente impactem positivamente o IDH e a paisagem socioeconômica do Amazonas, é necessário um planejamento mais integrado e participativo, com foco em soluções adaptadas às realidades locais e que considerem a sustentabilidade ambiental, social e econômica”
Rebecca Garcia foi duas vezes deputada federal pelo Amazonas e superintendente da Suframa. Expoente de uma família empreendedora, dirige uma empresa de produtos eletrônicos, a GBR Componentes da Amazônia, e projetos de Bioeconomia com mercado internacional. Conselheira do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ela recebeu a Follow Up-para um bate-papo
Coluna Follow-Up
Entrevista com Rebecca Garcia por Alfredo Lopes
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Alfredo Lopes – Na sua opinião, quais são os principais entraves para expansão, fortalecimento e partilha dos benefícios da Bioeconomia?
REBECCA GARCIA – Os entraves são múltiplos e de dimensões Amazônicas, mas indicaria três significativos para conquistar a expansão, o fortalecimento e a partilha dos benefícios da Bioeconomia. A começar pela falta de infraestrutura e investimentos. A ausência de infraestrutura adequada na Amazônia dificulta o acesso às áreas de produção e ao escoamento dos produtos. Além disso, há uma escassez de investimento tanto público quanto privado em pesquisa, desenvolvimento e inovação, essenciais para o crescimento sustentável da bioeconomia.
Integra essa lista também a regulação e burocracia excessiva. A complexidade das normas regulatórias e a burocracia envolvida na exploração dos recursos naturais desestimulam investimentos e iniciativas locais. É necessário um marco regulatório que seja ao mesmo tempo rigoroso na proteção ambiental, mas também facilitador para o desenvolvimento econômico.
E, tão grave quanto, é a falta de capacitação técnica e empresarial associada à inclusão das comunidades locais para participar ativamente e colher os benefícios da bioeconomia. Programas de educação técnica e formação que empoderem as comunidades amazônicas são fundamentais para garantir que os benefícios sejam partilhados de maneira justa e inclusiva. Esses entraves precisam ser superados através de políticas públicas eficazes, parcerias entre o setor privado e as comunidades locais, e um compromisso genuíno com a sustentabilidade e o desenvolvimento socioeconômico da Amazônia.
AL – O fato da principal política pública de contrapartida fiscal ser de natureza federal nos torna dependentes da tele-governança. O que é possível fazer para reduzir os danos do distanciamento gerencial?
RG – Este é um problema que depende de vários fatores, principalmente de nossa determinação nativa e algumas iniciativas, a começar pelo:
- Fortalecimento das instâncias locais de governança. Ou seja, é estabelecer e empoderar conselhos e comitês regionais que possam atuar de forma mais autônoma e interlocução integrada com o governo federal. Assim, teríamos maior prontidão para responder às necessidades específicas da região.
- Descentralização e flexibilização das políticas públicas. Assim poderemos daptar as políticas públicas federais às particularidades regionais, demonstrando que a descentralização permite maior flexibilidade na aplicação de recursos e na execução de projetos. Adaptação significa criação de programas específicos para a Amazônia, com diretrizes que considerem as necessidades e potencialidades locais.
- Tecnologia e inovação para a governança. Já dispomos de tecnologias de comunicação e gestão que aproximam os diferentes níveis de governo. Plataformas digitais, sistemas de monitoramento em tempo real e ferramentas de gestão colaborativa reduzem a distância física e melhora a coordenação e a transparência das ações governamentais.
- Capacitação e parcerias locais. É fundamental a capacitação de gestores públicos locais e fomentar parcerias com universidades, ONGs e setor privado para desenvolver competências e soluções locais inovadoras. São estratégias que contribuem para uma governança mais eficaz e próxima das realidades locais, mitigando os efeitos negativos do distanciamento gerencial inerente à tele-governança federal.
AL – Como empresária da indústria você já conhece as vantagens e os gargalos da relação mais próxima entre o chão de fábrica e a cadeia sustentável de suprimentos florestais. Quais os ganhos que o Polo Industrial de Manaus teria com o estreitamento dessa relação?
RG – Acredito que esse estreitamento entre o chão de fábrica do Polo Industrial e os ativos da biodiversidade são a chave de ganhos extremamente significativos, a começar pela sustentabilidade e valor agregado. Integrar práticas sustentáveis à cadeia produtiva aumenta o valor agregado dos produtos manufaturados, um diferencial competitivo, especialmente nos mercados internacionais que valorizam cada vez mais a sustentabilidade e a responsabilidade socioambiental. Além disso, essa aproximação assegura redução de custos e eficiência logística, além de diminuir a dependência de importações. Isso torna a operação mais eficiente e menos vulnerável a flutuações de preços e problemas de abastecimento.
O resultado final é a inovação e diversificação de produtos, ampliando e diversificando os itens oferecidos pelo Polo Industrial. A biodiversidade amazônica oferece um vasto potencial para o desenvolvimento de bioprodutos, biotecnologias e novos materiais. De quebra, asseguramos a interiorização e fortalecimento da economia e da inclusão social. E a interiorização remete à resiliência e sustentabilidade a longo prazo. Uma cadeia de suprimentos sustentável é mais resiliente a crises ambientais e econômicas.
A integração com fornecedores que praticam manejo sustentável garante a continuidade dos recursos naturais e a viabilidade econômica perene das operações industriais. São ganhos que refletem uma sinergia entre a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico, potencializando o Polo Industrial como um modelo de produção sustentável e inovadora, alinhado às demandas globais por sustentabilidade e responsabilidade social
AL – A indústria de Manaus financia integralmente a Universidade do Estado do Amazonas, assim como repassa R$1,5 bilhão/ano para interiorização do desenvolvimento e fomento de micro e pequenas empresas. Por que, depois de duas décadas deste arranjo legal e gerencial, os benefícios não transformaram o IDH dos municípios ribeirinhos nem a paisagem sócio-econômica do Amazonas?
RG – Apesar do significativo investimento da indústria, persiste uma desconexão crônica entre investimentos e necessidades locais. Muitas vezes, os investimentos não estão alinhados com as reais necessidades das comunidades ribeirinhas. Programas e recursos podem ser direcionados de maneira inadequada ou ineficiente, sem considerar as especificidades culturais, sociais e econômicas de cada município.
- A ausência de infraestrutura básica – como estradas, energia elétrica, saneamento e comunicação – limita a eficácia dos investimentos. Sem infraestrutura adequada, as iniciativas de desenvolvimento têm dificuldades para alcançar as comunidades mais isoladas e promover mudanças significativas.
- Educação e capacitação insuficientes. Apesar do financiamento da universidade, a qualidade da educação básica e a capacitação técnica nas comunidades ribeirinhas podem ser insuficientes. Sem uma base educacional sólida e formação profissional, as populações locais não conseguem aproveitar plenamente as oportunidades econômicas geradas pelos investimentos.
- Burocracia e despreparo gerencial podem atrasar ou inviabilizar a execução de projetos. A falta de coordenação entre diferentes níveis de governo e entre governo e setor privado também pode resultar em desperdício de recursos e esforços duplicados.
- Falta de participação comunitária no planejamento e execução dos projetos pode levar a soluções que não atendem às suas necessidades ou que são mal implementadas. A participação comunitária é crucial para garantir que os projetos sejam sustentáveis e adequados à realidade local.
- Desafios ambientais e de saúde pública. Problemas ambientais, como desmatamento e degradação dos recursos naturais, bem como a falta de acesso a serviços de saúde, continuam a ser barreiras significativas para o desenvolvimento humano nas áreas ribeirinhas.
Para que os investimentos realmente impactem positivamente o IDH e a paisagem socioeconômica do Amazonas, é necessário um planejamento mais integrado e participativo, com foco em soluções adaptadas às realidades locais e que considerem a sustentabilidade ambiental, social e econômica.
Rebecca Garcia é economista, empresária no setor eletroeletrônico, ex-superintendente da Suframa e conselheira do CIEAM – Centro da Indústria do Estado do Amazonas.
Alfredo é filósofo, foi professor na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal Brasil Amazônia Agora
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