Biocarvão produzido a altas temperaturas neutraliza sedimento contaminado por chumbo

Pesquisadores da USP acompanharam os efeitos de biocarvão feito a partir de palha de cana-de-açúcar em amostras de sedimento contaminado com chumbo e arsênio

Estudo conduzido por pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba,  mostrou que o biocarvão produzido por pirólise a temperatura de 750 graus Celsius (°C) é eficiente para remediar um sedimento contaminado por chumbo.

“O biocarvão é um produto produzido a partir da pirólise (ou seja, a queima) de material vegetal e/ou animal a temperaturas entre 300 °C e 800 °C, e que pode ser usado na ‘imobilização’ de elementos potencialmente tóxicos (EPTs). Essa estratégia reduz a biodisponibilidade dos EPTs e os impede de serem liberados do solo para o ambiente. A redução da mobilidade de EPTs no ambiente reduz a contaminação de água, plantas e animais; como consequência, reduz o risco de exposição aos seres humanos”, explica Matheus Bortolanza Soares, engenheiro agrônomo responsável pela pesquisa.

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As amostras foram coletadas na cidade de Apiaí (SP), área de refinação de minério de chumbo e prata – Foto: Cedida pelos pesquisadores

O experimento foi realizado com amostras de sedimento provenientes de uma área de beneficiamento de minério de chumbo e prata no município de Apiaí, no interior de São Paulo, que estavam contaminadas com arsênio (As), presente no solo na forma de ânion (carga negativa), e com chumbo (Pb), presente na forma de cátion (carga positiva). A remediação foi feita por meio da aplicação de biocarvão produzido a partir de palha de cana-de-açúcar, pirolisado nas temperaturas de 350 °C, 550 °C e 750 °C.

Matheus Bortolanza Soares é engenheiro agrônomo e doutorando no Programa de Pós-Graduação em Solos e Nutrição de Plantas pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. Imagem: Arquivo Pessoal
Matheus Bortolanza Soares é engenheiro agrônomo e doutorando no Programa de Pós-Graduação em Solos e Nutrição de Plantas pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – Foto: Arquivo Pessoal

Os pesquisadores então acompanharam como o As e o Pb presentes em sedimento remediado se comportaram no tempo e espaço. Para isso, monitoraram o potencial de mobilidade dos elementos a cada 45 dias, ao longo de seis meses. Esse processo utilizou, de forma isolada, quatro extratores químicos: água, cloreto de magnésio (MgCl2), ácido nítrico diluído (HNO3) e Mehlich-3 (uma combinação de ácidos, sais e complexante).

O objetivo dessa variedade de extratores foi possibilitar uma compreensão não só do teor do EPT no sedimento, mas também os potenciais específicos de diferentes espécies dos elementos presentes no material e que podem ser liberados do sedimento para o ambiente. Dessa forma, pode-se entender quanto os contaminantes podem ser liberados facilmente do sedimento para o ambiente e quantos deles estão fortemente retidos e, logo, não representam um risco tão grande de exposição.

“Cada um dos extratores ataca partes específicas do sedimento e dá uma noção da energia de ligação entre os contaminantes e o sedimento: a água remove o teor prontamente disponível dos contaminantes, o cloreto de magnésio extrai o teor dos contaminantes que pode ser liberado por meio de trocas iônicas, o ácido nítrico diluído que pode ser liberado com modificações do pH (reatividade) e o Mehlich-3 que está associado à matéria orgânica”, explica o pesquisador.

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 Biocarvão pirolisado a 350 °C, 550 °C e 750 °C. Imagem cedida pelos pesquisadores.

Os pesquisadores observaram que o biocarvão produzido a 750 °C gerou grande diminuição na disponibilidade de chumbo. Bortolanza aponta que isso provavelmente se deveu ao fato de a temperatura mais alta gerar um biocarvão mais poroso e com maior pH, o que facilita o aprisionamento do chumbo.

Por outro lado, o arsênio teve sua disponibilidade aumentada devido à adição dos biocarvões, porém esse aumento foi menor nos biocarvões produzidos em maiores temperaturas de pirólise.

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Luís Reynaldo Alleoni doutor em Solos e Nutrição e professor titular do Departamento de Solos da Esalq – Foto: Arquivo Pessoal

De acordo com os pesquisadores, isso ainda não é o ideal, que seria uma estratégia de remediação capaz de diminuir a disponibilidade de ambos os contaminantes. Porém, é muito difícil encontrar uma técnica isolada capaz de fazer isso, já que As e Pb possuem cargas opostas na solução do solo e reagem de maneiras opostas a um mesmo condicionador. Mesmo assim, eles acreditam que o biocarvão tem bastante potencial para ser usado de forma combinada com outras técnicas de remediação, como a fitorremediação.

“Essas são informações importantes, pois podem orientar quais práticas de manejo devem ser empregadas e informar que tipo de biocarvão é mais adequado de acordo com a combinação dos elementos potencialmente tóxicos em questão”, comenta Luís Reynaldo Ferracciú Alleoni, professor do Departamento de Ciência do Solo da Esalq e orientador de doutorado de Bortolanza.

Os resultados do estudo foram publicados na forma do artigo Temporal changes in arsenic and lead pools in a contaminated sediment amended with biochar pyrolyzed at different temperatures, na publicação científica Chemosphere, disponível aqui.

Fonte: Jornal da USP

Redação BAA
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Redação do portal BrasilAmazôniaAgora

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