Abate de jumentos para produção de gelatina medicinal chinesa ameaça espécie no Brasil

A crescente demanda chinesa por eijao, uma gelatina medicinal produzida a partir da pele desses animais, tem provocado um aumento drástico no abate de jumentos, o que pode levar à extinção

Os jumentos, tradicionalmente associados ao sertão brasileiro, possuem uma longa história de domesticação iniciada há cerca de 7 mil anos. Desde então, esses equinos têm sido fundamentais no apoio ao trabalho humano, o que permitiu sua ampla disseminação mundial, incluindo o Brasil, onde foram historicamente essenciais para atividades no campo.

No entanto, essa espécie enfrenta atualmente uma grave ameaça: segundo a Agência Brasil, a crescente demanda chinesa por eijao, uma gelatina medicinal produzida a partir da pele dos jumentos tem provocado um aumento drástico no abate de jumentos, o que pode levar à extinção da espécie no Brasil nos próximos anos.

Segundo a Frente Nacional de Defesa dos Jumentos, de 1996 a 2025, o Brasil perdeu 94% de seu rebanho de asininos, que são os burros, bestas e jumentos.

Abate de jumentos para produção de gelatina medicinal chinesa ameaça espécie no Brasil.
Abate de jumentos para produção de gelatina medicinal chinesa ameaça espécie no Brasil | Foto: The Donkey Sanctuary

Preocupados com essa realidade, especialistas reuniram-se em Maceió no 3º Workshop Jumentos do Brasil, encerrado no último sábado, para discutir estratégias de preservação e proteção da espécie. O evento destacou a urgência de políticas públicas e de conscientização para conter o declínio populacional desses animais no país.

Ritmo acelerado de abate de jumentos

A crise em torno da preservação dos jumentos no Brasil é cada vez mais grave e não é recente. Já em 2021, um estudo da Revista Brasileira de Pesquisa Veterinária e Ciência Animal, da USP, alertava para a inexistência de fazendas de reprodução no país, associada a um ritmo de abate insustentável, o que colocaria a população local de jumentos em risco de extinção.

Esse alerta foi reforçado por um relatório da The Donkey Sanctuary, organização internacional dedicada à proteção desses animais. O documento, publicado em 2024, mostrou que entre 2016 e 2021 a demanda por pele de jumentos cresceu 160%. Em 2021, para suprir a produção do ejiao, foi necessário o abate de 5,6 milhões de indivíduos.

O ejiao é um remédio tradicional vendido em pó, pílulas ou líquido.
O ejiao é um remédio tradicional vendido em pó, pílulas ou líquido | Foto: The Donkey Sanctuary

E as perspectivas são ainda mais alarmantes: estima-se que em 2027, o número de jumentos abatidos para atender à demanda do ejiao chegue a 6,8 milhões. Sem medidas urgentes de regulação, controle do comércio e incentivo à reprodução, a espécie poderá desaparecer do Brasil em poucos anos.

Maus-tratos trazem impacto ambiental e social

Além disso, um estudo publicado em março de 2024 no periódico científico Animals, conduzido por pesquisadores brasileiros, trouxe à tona graves violações ao bem-estar dos jumentos no Brasil. A pesquisa concluiu que a prática atual não implementa técnicas de manejo sustentável e é marcada por abusos sistemáticos, colocando os animais em uma situação crítica.

A investigação, que analisou mais de 100 asininos, revelou sinais evidentes de abandono, má-nutrição e maus-tratos.

Quando um animal é roubado, as mulheres e as meninas acabam tendo que compensar a falta do animal.
Quando um animal é roubado, as mulheres e as meninas acabam tendo que compensar a falta do animal | Foto: Faith Burden/BBC

Esse desaparecimento progressivo dos jumentos no Brasil também traz impactos sociais profundos, especialmente nas comunidades rurais, onde esses animais desempenham um papel vital na vida cotidiana. O problema, segundo matéria da Exame, afeta de forma mais acentuada as mulheres, que muitas vezes são as principais responsáveis pelo transporte de água, lenha e produtos agrícolas usando os jumentos como meio de locomoção e trabalho.

“Estudos já apontam alternativas tecnológicas promissoras, como a fermentação de precisão, capaz de produzir colágeno em laboratório sem a necessidade de exploração animal. Investir nessas inovações é essencial para proteger a espécie e promover práticas mais sustentáveis, inclusive sob a perspectiva socioeconômica”, relata o engenheiro agrônomo e doutor em Economia Aplicada da USP, Roberto Arruda, em nota.

Isadora Noronha Pereira
Isadora Noronha Pereira
Jornalista e estudante de Publicidade com experiência em revista impressa e portais digitais. Atualmente, escreve notícias sobre temas diversos ligados ao meio ambiente, sustentabilidade e desenvolvimento sustentável no Brasil Amazônia Agora.

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