“Em sua obra mais influente, Origens do Totalitarismo (1951), Hanna Arendt examina regimes como o nazismo e o stalinismo que emergiram da combinação de nacionalismo extremo, propaganda e terror. Em Eichmann em Jerusalém (1963), introduziu o conceito de “banalidade do mal” ao analisar como burocratas nazistas justificavam atrocidades sem questionamento moral“
Por Alfredo Lopes
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A advertência de Hannah Arendt sobre os perigos do autoritarismo já não é mais uma possibilidade distante, mas uma realidade concreta. Donald Trump voltou à presidência dos Estados Unidos. A ameaça que antes pairava sobre a democracia norte-americana consolidou-se nas urnas, reforçada por uma campanha baseada em ressentimento, desinformação e promessas ilusórias de prosperidade. O retorno de um presidente condenado pela Justiça de seu próprio país não é apenas um fenômeno político; é um sintoma do esgotamento da democracia liberal e da ascensão de um novo tipo de autoritarismo.
Arendt descreveu como regimes autoritários não surgem da noite para o dia. Eles crescem na banalização do mal, no desprezo pela verdade e na manipulação do medo das massas. Com Trump de volta ao comando da Casa Branca, o autoritarismo não é mais um fantasma a ser combatido, mas uma estrutura de poder que se fortalece a cada dia.
A Legalização do Ilegal: Um Condenado na Presidência
A eleição de Trump marca um novo estágio do cinismo político: a normalização do crime como parte do jogo democrático. Diferente de figuras autoritárias do passado, que buscavam esconder seus abusos, Trump os escancarou, transformando suas próprias condenações em símbolo de resistência contra o “sistema corrupto”. Seu retorno ao poder sinaliza que uma parcela significativa da população não vê mais crimes, mentiras e abuso de poder como fatores impeditivos para governar uma nação – pelo contrário, os enxerga como qualidades estratégicas.
Arendt nos alertou que, quando a verdade factual se torna irrelevante, a democracia perde sua base. Trump provou que a mentira pode não apenas ser uma ferramenta de campanha, mas um alicerce para governar. Sua eleição não foi uma surpresa, mas uma consequência lógica da degradação política promovida por ele mesmo desde 2016.
O Estado Como Instrumento de Vingança e Ressentimento
Agora, com o governo sob seu controle novamente, Trump reforça seu objetivo central: usar o Estado como arma contra opositores e como escudo para sua impunidade. Sua nova administração já demonstra sinais de que as instituições democráticas serão instrumentalizadas para perseguições políticas e ajustes de contas. A máquina fiscal e jurídica, que deveria servir à sociedade, transforma-se em ferramenta de repressão, direcionada contra inimigos reais e imaginários.
Arendt descreveu esse processo em sua análise sobre regimes totalitários: quando as instituições deixam de agir como mediadoras e passam a ser usadas para punir adversários, o governo deixa de ser democrático e torna-se uma extensão da vontade pessoal do líder.
Guantánamo, antes um símbolo da violação dos direitos humanos, retorna com força como peça de propaganda. A deportação em massa de imigrantes torna-se uma prioridade, não por necessidade real, mas para alimentar a narrativa de que o país precisa ser “purificado” de elementos estrangeiros. Essas medidas não são apenas políticas públicas equivocadas, mas sinais claros de um governo guiado por ressentimento e vingança.
O Colapso da Verdade e a Sedução do Autoritarismo
Para Arendt, o totalitarismo se constrói quando a distinção entre fato e ficção desaparece. O retorno de Trump ao poder é um exemplo claro disso: ele venceu as eleições não com um programa político estruturado, mas com promessas vazias e discursos baseados em ilusões.
Sua retórica foi moldada na ideia de que o país estava sendo roubado, de que elites globalistas conspiravam contra os cidadãos comuns e de que apenas ele poderia restaurar a glória americana. Mas, na prática, essa promessa de “restauração” não significa justiça ou desenvolvimento real, e sim a legitimação da perseguição, do ódio e da destruição de qualquer oposição.
A falsa ilusão de que a riqueza nacional será redistribuída esconde o fato de que as políticas de Trump sempre favoreceram os mais ricos e ampliaram desigualdades. Arendt alertou que líderes autoritários seduzem as massas prometendo poder e controle sobre seus destinos, mas, no final, apenas aprofundam as injustiças estruturais que dizem combater.
E Agora?
Negação da Ciência, ou sua transformação em instrumento de manipulação e poder; negação do Acordo de Paris com base na desinformação a despeito das tragédias do crime são dois exemplos da destruição como como narrativa demagógica e instrumental que naturaliza a barbarie… O que resta agora? Se Hannah Arendt estivesse viva, provavelmente diria que este é o momento em que a sociedade deve decidir se aceita passivamente a derrocada democrática ou se resiste. A eleição de Trump representa um desafio global, pois sua influência vai além das fronteiras americanas – inspira e fortalece líderes autoritários em diversas partes do mundo.
A lição de Arendt continua mais atual do que nunca: a democracia não desaparece de repente, ela se dissolve lentamente, corroída pela indiferença e pelo conformismo. Com Trump de volta ao poder, o mundo precisa estar atento. O autoritarismo já não é uma ameaça distante, mas uma realidade presente. A questão agora é: até onde ele irá?
Sobre Hanna Arendt
Hannah Arendt (1906–1975) foi uma filósofa e teórica política alemã de origem judaica, conhecida por sua análise do totalitarismo e da natureza do poder. Fugindo da Alemanha nazista, viveu na França e depois nos Estados Unidos, onde lecionou em universidades como Princeton, Berkeley e Chicago.
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Sua obra mais influente, Origens do Totalitarismo (1951), examina como regimes como o nazismo e o stalinismo emergiram da combinação de nacionalismo extremo, propaganda e terror. Em Eichmann em Jerusalém (1963), introduziu o conceito de “banalidade do mal” ao analisar como burocratas nazistas justificavam atrocidades sem questionamento moral.
Arendt também escreveu sobre democracia, liberdade e o papel da verdade na política. Sua visão crítica sobre a manipulação do poder ressoa até hoje, especialmente em tempos de ascensão de líderes autoritários e desinformação em massa.
Alfredo é filósofo, foi professor na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal Brasil Amazônia Agora