“As sugestões de Paulo Artaxo e da comunidade científica são claras, realistas e urgentes. Elas oferecem um roteiro para reverter o quadro atual e evitar uma catástrofe climática ainda maior. O Brasil, em chamas no momento, tem a chance de se reposicionar como um líder global nas questões ambientais, mas isso exigirá coragem política e um compromisso real com a sustentabilidade.”
Anotações de Alfredo Lopes
_________________________
Coluna Follow-Up
O Brasil atravessa uma situação climática cada vez mais alarmante, com números que refletem a gravidade da crise. Não basta a vazante extrema dos rios da Amazônia, o drama se agravou no clima da polarização insana que percebeu na mudança climática a chance do quanto pior melhor. Até agora, em 2024, com episódios de calor extremo cada vez mais frequentes, o país registrou mais de 159 mil focos de incêndio, mais que o dobro do observado no mesmo período do ano passado, devastando áreas equivalentes ao tamanho do estado do Paraná.
O Estado de São Paulo virou uma enorme fogueira com queimadas ocorrendo simultaneamente em pontos estratégicos do Estado. A Defesa Civil naquele estado, após investigações com outras instituições, cravou 99% de possibilidades da mão humana nas queimadas.
A fumaça das queimadas na Amazônia e no Cerrado se espalha pelo Brasil, chegando até o Sul, enquanto uma onda de calor intenso, combinada com baixa umidade, intensifica os focos de incêndio. O aumento das temperaturas em até 5°C acima da média histórica em várias regiões do país traz alertas de perigo iminente. Cidades enfrentam temperaturas superiores a 40°C, e o impacto na saúde pública, devido à fumaça e à chamada “chuva preta”, é inegável.
Neste cenário, a resposta do governo tem sido, até agora, insuficiente. Ações emergenciais, como o reforço da Polícia Federal para investigar as causas dos incêndios, contrastam com a inércia nas políticas estruturais de combate às mudanças climáticas. Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) cobrou ações concretas do governo federal, que, desde março, deveria ter apresentado um plano para o combate às queimadas e a recuperação da capacidade operacional do Prevfogo. O atraso e a falta de respostas adequadas revelam a profundidade da crise e a falta de preparo para lidar com ela. Por fim, por decisão monocrática, o ministro Flávio Dino determinou liberação de verbas extraordinárias e providências imediata para enfrentar o cenário dantesco do Brasil em chamas.
Entretanto, a crise climática e ambiental que o Brasil enfrenta foi tema central da mais recente reunião no Palácio do Planalto, nessa segunda-feira, na qual foi destacada a necessidade de ação conjunta entre os Poderes para combater os incêndios florestais.
O cientista Paulo Artaxo apresentou um panorama sombrio sobre os impactos das mudanças climáticas no Brasil. Segundo ele, o país está em uma trajetória de aquecimento global entre 3 e 3,5 graus Celsius neste século, o que afetará de maneira trágica e sem precedentes a saúde humana e do planeta, além de trazer desafios enormes para a produção de alimentos e aumentar a vulnerabilidade dos ecossistemas.
Soluções para a crise climática segundo a ciência
Diante dessa realidade devastadora, algumas sugestões foram apresentadas por Artaxo que ofereceu um caminho viável e absolutamente necessário para enfrentar a crise climática que o Brasil atravessa. Confira:
Reduzir a dependência do agronegócio
Essa medida é crítica, uma vez que o agronegócio, especialmente o de monoculturas como a soja e a cana-de-açúcar, tem sido um dos principais responsáveis pelo desmatamento e pelas queimadas em áreas florestais e no Cerrado. Reduzir essa dependência implica em uma mudança estrutural na economia, diversificando as fontes de renda e promovendo práticas agrícolas mais sustentáveis. Isso também exigirá políticas de incentivo a atividades que conciliem produção e preservação.
Acabar com a exploração de petróleo
A exploração de petróleo, particularmente nas áreas sensíveis como a Foz do Amazonas, entra em conflito direto com os esforços de mitigação da mudança climática. A recomendação de Artaxo de interromper essa atividade é estratégica, pois o petróleo representa uma das maiores fontes de emissão de gases de efeito estufa. O fim da exploração de combustíveis fósseis é essencial para a transição para uma matriz energética mais limpa, uma demanda urgente no contexto da crise climática.
Usar a COP30 para pressionar outros países
A COP30, que ocorrerá no Brasil em 2025, é uma oportunidade sem precedentes para que o país exerça liderança global nas negociações climáticas. O Brasil, ao enfrentar diretamente os impactos devastadores da crise, pode usar esse evento para influenciar outros países a adotarem metas mais ambiciosas de redução de emissões. Essa pressão internacional será fundamental para garantir compromissos globais mais fortes, particularmente de nações historicamente mais poluidoras.
Eliminar o desmatamento até 2030
A meta de zerar o desmatamento na Amazônia e nos demais biomas até 2030 é uma das ações mais urgentes. O desmatamento não apenas destrói a biodiversidade, mas também libera grandes quantidades de CO₂ na atmosfera, exacerbando o efeito estufa. O fim do desmatamento é essencial para que o Brasil possa cumprir seus compromissos climáticos e ajudar a manter a meta global de limitar o aquecimento a 2°C.
Combater os crimes ambientais, especialmente na Amazônia
O avanço dos crimes ambientais, como a exploração ilegal de madeira e o garimpo, tem contribuído para a devastação da Amazônia. Fortalecer a fiscalização e a punição dessas práticas é fundamental para proteger o bioma amazônico e frear o desmatamento. Sem uma ação firme contra esses crimes, a destruição continuará, ampliando os impactos da crise climática.
Acelerar a transição energética com investimentos em energias renováveis
A transição para uma economia de baixo carbono é imprescindível. Investir em energias renováveis, como a solar e a eólica, além de outras alternativas sustentáveis, permitirá ao Brasil reduzir significativamente suas emissões de gases de efeito estufa. Esse movimento também cria oportunidades econômicas, ao gerar novos empregos e impulsionar inovações tecnológicas no setor energético.
As sugestões de Paulo Artaxo e da comunidade científica são claras, realistas e urgentes. Encontrarão resistência, com certeza, à luz do negacionismo e da polarização deletéria. A despeito disso, e confiando em estudos e recomendações da Ciência, à luz dos desastres diários, intensos e crescentes, não temos tempo para achismos nem ideologias. É hora de arregaçar as mangas e pregar a proatividade, de verdade. Os cientistas do Brasil oferecem um roteiro para reverter o quadro atual e evitar uma catástrofe climática ainda maior. O Brasil tem a chance de se reposicionar como um líder global nas questões ambientais, mas isso exigirá coragem política e um compromisso real com a sustentabilidade.
Paulo Artaxo é um destacado cientista brasileiro de relevância internacional, físico climatologista e professor do Instituto de Física da USP e integrante do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).
Paulo tem enorme contribuição para estudos climáticos sobretudo nas questões relacionadas a Amazônia. É também parceiro do portal Brasil Amazônia Agora.
Alfredo é filósofo, foi professor na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal Brasil Amazônia Agora
Comentários