“Mas nem todos os diferentes tipos de projetos de investimentos diretamente produtivos têm a capacidade de gerar renda e emprego na Floresta mantendo-a em pé. Os projetos de investimentos em Bioeconomia, são sem dúvida as que melhor se adaptam a esse escopo. Nos cenários de uma Nova Economia da Amazônia, são destacados o PIB e o Emprego na Bioeconomia.”
Por Paulo Haddad
___________________
Este texto faz parte de uma série de dois artigos.
Para ler a PARTE I clique aqui.
Projetos de desenvolvimento sustentável na Amazônia
A comunidade científica tem contribuído com um conjunto de ideias sobre projetos de desenvolvimento sustentável para a Amazônia. Esses projetos têm o seu valor insubstituível pois:
- eles permitem que a exploração econômica da Amazônia mantenha a Floresta em pé;
- eles apresentam rentabilidade financeira compatível com as regras de mercado e rentabilidade socioeconômica compatível com as regras de sustentabilidade ambiental;
- todos são compatíveis com novos ciclos de inovação científica e tecnológica prevalecente;
- todos têm escala de produção necessária para gerar emprego e renda suficientes para erradicar a pobreza da Região.
Como o Governo Federal passa por uma profunda crise fiscal, há uma impossibilidade de atender a avalanche de demandas que advêm dos mais diferentes grupos sociais, segmentos produtivos, interesses regionais/locais. Assim, novos projetos de desenvolvimento sustentável ao serem formulados e executados não podem depender significativamente do aporte de recursos fiscais do Governo Federal, de forma diferente do que ocorreu nos anos 1970, quando o superávit primário pós reforma tributária Campos-Bulhões chegou a 5% do PIB (valor que seria atualmente de 500 bilhões de Reais de recursos livres para alocação planejada). Enfim, o Estado poderá ser indutor desses projetos, mas o núcleo central das despesas de implantação e de operação deveria ser desempenhado pela iniciativa privada, interessada na mobilização rentável das potencialidades de crescimento da Amazônia.
Muitos desses projetos já foram profundamente avaliados por instituições públicas e privadas, sendo que alguns deles já se encontram em nível de análise detalhada de pré-viabilidade econômico-financeira. Como não se implementam ideias mas projetos de investimento gerados por essas ideias, segue uma lista de 5 projetos de desenvolvimento sustentável que poderão promover uma Grande Transformação na Amazônia. A maioria desses projetos (01, 02, 03 e 04) foram preparados inicialmente para o SEBRAE Nacional em trabalhos de consultoria.
01. Projetos de Bioeconomia
O termo Bioeconomia refere-se às atividades econômicas que englobam todas as cadeias de valor, orientadas pelos conhecimentos tradicionais, pela ciência e pela busca de inovações no uso de recursos biológicos e renováveis com vistas a gerar atividade econômica circular, regenerativa, sustentável, inclusiva, com benefícios coletivos e locais. São exemplos de Bioeconomia as atividades que realizam o manejo sustentável da Floresta, a agricultura, a piscicultura e o turismo sustentáveis, apresentados pelo Instituto Escolhas que analisou os impactos socioeconômicos da recuperação florestal e da horticultura no Pará e no Maranhão.
Principais resultados
Recuperação Florestal A recuperação de 5.9 milhões de hectares de florestas no Pará tem o potencial de gerar R$13.6 bilhões de receita, criar 1 milhão de empregos diretos e reduzir em 50% o índice de pobreza no estado. A recuperação de 1,.9 milhão de hectares de florestas no Maranhão tem o potencial de gerar R$4.6 bilhões de receita, criar 350 mil empregos diretos e reduzir em 21,5% o índice de pobreza no estado. | Horticultura O aumento da produção de hortaliças para 170 mil toneladas no Pará tem potencial de gerar R$682 milhões de renda, criar 86 mil empregos diretos e reduzir em 6% o índice de pobreza no estado. O aumento da produção de hortaliças para 187 mil toneladas no Maranhão tem potencial de gerar 600 milhões de renda, criar 134 mil empregos diretos e reduzir em 9% o índice de pobreza no estado. |
02. A nova economia da Amazônia com desmatamento zero
WRI – World Resources Institute
Os projetos de investimentos na Bioeconomia que podem ser localizados na Amazônia têm as mais diferentes características: alguns são de maior escala produtiva (produção da energia alternativa de biodiesel de dendê no Estado do Pará), outros são de micro e pequenos empreendimentos (produtos derivados do açaí); alguns podem estar geograficamente isolados (produção de móveis com madeiras sustentáveis no Acre) ou geograficamente concentrados (produtores de proteína animal e vegetal industrializados no Centro-Norte do Mato Grosso); alguns podem ter apenas um primeiro beneficiamento (produtores de carne de pirarucu para exportação), outros podem ser industrializados para exportação (café gourmet ou café orgânico em Rondônia).
Mas nem todos os diferentes tipos de projetos de investimentos diretamente produtivos têm a capacidade de gerar renda e emprego na Floresta mantendo-a em pé. Os projetos de investimentos em Bioeconomia, são sem dúvida as que melhor se adaptam a esse escopo. Nos cenários de uma Nova Economia da Amazônia, são destacados o PIB e o Emprego na Bioeconomia.
O WRI elaborou dois cenários para a Amazônia em 2050: cenário de referência, sem restrições às emissões de CO² e com desmatamentos no ritmo atual; cenário da Nova Economia da Amazônia, com Restrição pelo Acordo de Paris e Desmatamento ZERO. Os resultados são surpreendentes:
Cenários / Impactos | Cenário de Referência | Cenário da Nova Economia da Amazônia |
1.Florestas Restauradas em milhões de Hectares | 2 | 24 |
2.Emissões Acumuladas em Bilhões de CO² | 43,6 | 7,7 |
3.PIB na Bioeconomia em R$ Bilhões | 22,3 | 38,5 |
4.Emprego da Bioeconomia em mil | 592 | 947 |
5.Uso do Solo-Investimento em R$ trilhões | 0,99 | 1,65 |
6.Energia e Infraestrutura Investimento em R$ Trilhões | 2,37 | 4,27 |
Para que os projetos de Bioeconomia venham a ser elaborados para a preservação da Floresta em pé, gerando emprego e renda para milhares de desempregados ou subempregados na Região, é necessário que se organize um sistema de promoção industrial de projeto de Bioeconomia na Região, lembrando que nenhuma instituição nacional ou estrangeira financia ideias, mas projetos.
03. Os centros Industriais de Bioeconomia
Entre as ações programáticas que têm sido analisadas para a promoção de um processo de desenvolvimento sustentável da Amazônia é a de se construírem Centros Industriais de Bioeconomia na Região, que permitam viabilizar inovações científicas e tecnológicas em projetos de investimentos e áreas de negócios na decisão da nova onda do capitalismo natural. Esses Centros devem dispor de infraestruturas econômicas e sociais especializadas; devem se localizar em espaços com intensas economias de aglomeração; devem atrair tão somente projetos que tenham sido aprovados pelos órgãos públicos relacionados com as políticas públicas de Meio Ambiente e de Ciência e Tecnologia; serem validados quanto aos critérios de sustentabilidade ecossistêmica e de viabilidade econômico-financeira (Metodologia Banco Mundial / OCDE).
Nesses Centros devem se localizar as etapas finais dos processos produtivos, as quais se caracterizam pelas transformações intensivas de ciência e tecnologia, ficando os primeiros processamentos e beneficiamentos a serem realizados em diferentes localidades (Municípios e Microrregiões da Amazônia Legal) pelas comunidades e povos da Floresta, com o apoio de órgãos públicos, organizações não governamentais, movimentos sociais.
Há, seguramente, algumas dezenas de projetos de desenvolvimento sustentável da Amazônia que passariam pelos testes das taxas internas de retorno financeiro e de retorno social, identificados por instituições públicas, privadas e do Terceiro Setor para serem promovidos economicamente. São projetos de desenvolvimento sustentável dos recursos ambientais da Amazônia, intensivos de conhecimento científico nos segmentos produtivos dos fitoterápicos, fitocosméticos, madeireiro, piscicultura, floricultura, nutracêuticos, suplementos alimentares, floricultura, microbiologia, etc., capazes de gerar um processo de “destruição criativa” nos modelos de negócios vigentes na Região.
Para operacionalizar a implementação dos Centros Industriais de Bioeconomia na Amazônia, sugere-se:
– a possibilidade de se construir um Centro Industrial de Bioeconomia na Amazônia Ocidental e um Centro Industrial de Bioeconomia na Amazônia Oriental, considerando as suas biodiversidades diferenciadas: esses Centros devem se localizar em áreas em que há uma disponibilidade intensa de capital social (humano, intelectual, empreendedorismo, cívico, natural, sinergético) a fim de se estruturar e implementar um processo de desenvolvimento endógeno;
a sugestão é: para a Amazônia Oriental, a localização apropriada poderia ser no eixo Belém-Ananindeua (semelhante aos eixos de Curitiba-São José dos Pinhais, Belo Horizonte-Betim, Recife-Paulista, Fortaleza-Complexo do Pecém, etc.); para a Amazônia Ocidental, uma localização distante da área da SUFRAMA, no outro lado do Rio Negro, por razões ambientais e de congestionamento do sistema viário; de qualquer forma, não se deve localizar um centro industrial especializado em áreas nas quais haja dificuldades com a logística, com a qualidade de vida, com as economias de aglomeração, etc.
– embora os projetos dos Centros Industriais de Bioeconomia na Amazônia sejam um dos principais componentes das políticas públicas de desenvolvimento regional, deveriam ser conduzidas com intensa parceria com o Segundo e o Terceiro Setor, dentro do estilo de planejamento para a negociação, pelas seguintes razões: o Governo Federal e os Governos Estaduais da Amazônia se encontram em profunda crise fiscal e financeira, com limitada capacidade de investimentos;
estão envoltos em dificuldades para a urgência de reconstrução institucional das políticas públicas desmontadas pela gestão anterior do Governo Federal; há necessidade de demonstrar para a opinião pública nacional e internacional uma agenda positiva, em que a Região pode crescer com ações programáticas que promovam a geração de emprego e renda, a inclusão social e a sustentabilidade ambiental.
– a concepção e a elaboração dos projetos dos Centros Industriais podem ser conduzidas em parceria com o Instituto Escolhas, que atualmente tem realizado excelentes estudos e propostas operacionais para o desenvolvimento da Bioeconomia na Amazônia;
– a execução das obras de infraestrutura econômica e social dos Centros podem ser realizadas através de parcerias; o Centro do Pará poderia ser construído com a parceria da VALE (como ocorreu na construção do campus universitário de Itabira/MG); o Centro de Manaus poderia ser financiado com recursos do Fundo Amazônia, através de um convênio entre a FIAM e a FIESP para a promoção das oportunidades de investimentos.
Com a finalidade de estimular a atração e a promoção industrial para os dois Centros, sugerem-se dois incentivos fiscais, um Federal e o outro Estadual
– crédito presumido de IPI – pelo qual uma empresa no Centro Industrial lança a alíquota tributária presumida sem a necessidade de desembolsá-la, mas carregando o crédito à jusante;
– incentivo do ICMS através da devolução de 25% do imposto devido a partir da sua geração durante cinco anos até o valor total do investimento aprovado pelo Governo Estadual, os quais são gerados na margem pelos próprios projetos;
Um grupo de bancos privados brasileiros tem manifestado sua responsabilidade social ampliada ao colaborar com ações programáticas para o processo de desenvolvimento sustentável da Amazônia. Não faz sentido, dentro de sua missão institucional, se limitar a apoiar a elaboração de novos estudos e pesquisas sobre a Amazônia que apenas conduzam a diretrizes e recomendações gerais sobre o que fazer para a promoção do desenvolvimento da Região. Uma forma de operacionalizar as ações propostas é a constituição de um fundo, sob a forma de consórcio privado de financiamento e de venture capital, para apoiar projetos de investimentos dos Centros Industriais de Bioeconomia relacionados com a preservação, a conservação e a reabilitação dos ecossistemas dos diferentes biomas amazônicos. Para esse objetivo, é necessário que os projetos sejam avaliados tecnicamente em termos de sua rentabilidade privada e hierarquizados de acordo com a sua taxa interna de retorno social (metodologia Banco Mundial/OCDE), antes de serem encaminhados para decisão dos comitês de crédito e de empréstimos dos bancos privados. As condições de financiamento devem ser adequadas para as características dos projetos e ser oficializadas junto ao Banco Central e passarem pelo crivo do MMA e do MCT quanto às suas características de sustentabilidade ambiental.
04. Promoção e desenvolvimento de aglomerações produtivas de micro e pequenas empresas na Amazônia Legal
A Amazônia é uma região com estruturas produtivas baseadas, fundamentalmente, em aglomeração produtivas de micro e pequenas empresas ou de micro e pequenos empreendedores, embora em algumas atividades econômicas haja a presença de grandes projetos de investimentos diretamente produtivos. Desde o final dos anos 1990, o Brasil vem acumulando experiências de promoção e desenvolvimento dessas aglomerações sob a liderança do SEBRAE Nacional e dos SEBRAEs das Unidades da Federação.
Essas experiências tiveram como referência para a concepção e a implementação dessas aglomerações (os Arranjos Produtivos Locais – APLs) o modelo de desenvolvimento dos Distritos Industriais da Terceira Itália. Nesse sentido, propõe-se um Programa Estratégico de Promoção e Desenvolvimento de Arranjos Produtivos Locais em diversas áreas da Amazônia (Municípios e Microrregiões).
Segundo a UNIDO, há diferentes arquétipos dessas aglomerações produtivas de micro e pequenas empresas, mas aquelas que se referem a estratégias de sobrevivência, de vantagens comparativas ou de crescimento lento da Economia Tradicional, além de se apresentarem como programas produtividade, de competitividade ou de progresso tecnológico, atendem um público-alvo que se distingue pelos indicadores socioeconômicos da pobreza relativa.
O comitê gestor de um APL, em princípio, não controla nenhum instrumento de política econômica, por ser uma organização tipicamente de iniciativa comunitária onde, em determinadas circunstâncias, os órgãos governamentais podem ser estimulados a formar parcerias em torno de ações e de projetos específicos de interesse do APL. Mesmo quando esses órgãos têm uma presença institucionalizada na coordenação da gestão de um APL, ainda é predominante o papel dos segmentos organizados da sociedade civil local no processo de coordenação.
Nesse contexto, o planejamento do desenvolvimento passa a ser compreendido como a potencialização máxima da capacidade latente de negociação dos atores sociais do APL com as instituições públicas e privadas que controlam recursos (humanos, financeiros, organizacionais, tecnológicos) e instrumentos (fiscais, financeiros subsidiados, regulatórios) indispensáveis para viabilizar as metas e os objetivos das ações programadas. No fundo, a implementação do APL se processa através da implementação dos serviços de desenvolvimento (promoção e marketing, tecnológicos e técnicos, capacitação, financeiros, administrativos) a serem negociados com instituições públicas e privadas, o que tem sido realizado principalmente com assessoria técnica do SEBRAE em muitos casos.
O planejamento para a negociação passa pelas seguintes etapas:
– elaboração de um diagnóstico, participativo e consensualizado, dos problemas e dos potenciais de desenvolvimento do APL;
– identificação dos pontos de estrangulamento e das oportunidades de negócios e de investimentos intervenientes no APL;
– processo de negociação de ações e projetos para promover a organização e a consolidação do APL; organização de sistemas participativos de controle e de avaliação das ações e dos projetos de desenvolvimento do APL.
05. A Amazônia Legal no terceiro salto científico e tecnológico da agropecuária brasileira
Para superar o longo período de baixo crescimento da economia brasileira com suas mazelas socioeconômicas e socioambientais, é fundamental que, se conceba, arquitete e implemente um ciclo de expansão de desenvolvimento sustentável. A proposta é de um ciclo de expansão baseado na produção de alimentos para Humanidade. Não é uma proposta utópica, uma vez que, tendo a Amazônia Legal como a Área Programa e o Meio-Oeste Norte-americano como imagem-objetivo, pode-se afirmar que:
a. O Terceiro Salto da Agropecuária Brasileira está ocorrendo a partir de um conjunto de inovações cientificas e tecnológicas que vêm sendo geradas por instituições públicas e privadas e pelo Sistema Nacional de Pesquisas Agropecuárias, liderado pela Embrapa.
b. Há uma demanda crescente de alimentos pela Humanidade, tanto uma demanda de mercado quanto uma demanda pelos programas sociais compensatórios de combate à fome e de segurança alimentar.
c. É possível duplicar a produção brasileira de alimentos sem derrubar uma única árvore, mas apenas introduzindo as inovações científicas e tecnológicas nas cadeias de valor dos alimentos (proteína animal e proteína vegetal);
d. Para evitar que os mercados consumidores rejeitem alimentos produzidos em áreas de desmatamento, propõe-se também um rigoroso regime especial de comando e controle sobre as atividades econômicas na Amazônia, criando um sistema de certificação de origem;
e. O Segundo Salto da Agropecuária Brasileira, a denominada Revolução dos Cerrados a partir dos anos 1970, criou as bases de experiências institucionais e operacionais para que se efetive o novo ciclo com maior eficiência e eficácia, a partir das experiências acumuladas na Amazônia Legal.
Este texto faz parte de uma série de dois artigos.
Para ler a PARTE I clique aqui.
Paulo Roberto Haddad é um economista brasileiro. Formado em economia pela Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais em 1962. Fez curso de especialização em Planejamento Econômico no Instituto de Estudos Sociais em Haia Holanda 1965/1966. Professor titular da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG. fundador e primeiro diretor do Centro de desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG. Publicou diversos livros e artigos em revistas especializadas no Brasil e no Exterior.
Comentários