“Seja agora na regulamentação da reforma tributária, seja após as normas já tiverem sido aprovadas. Se assim não for, a Amazônia não será habitat muito receptivo aos nossos filhos e netos, que são os que estarão vivos em 2070.”
Por André Ricardo Costa
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No longo prazo estaremos todos mortos. Esta é uma frase famosa do economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946), cuja vida e obra foi dedicada a demonstrar a importância das ações governamentais em prover imediata liquidez e confiança aos demais agentes econômicos. Muitos a ele atribuem o mérito da recuperação da crise de 1929. Alguns poucos reclamam que na verdade ele retardou a recuperação.
Estamos agora, em meio às discussões da reforma tributária, cultivando para longo prazo frutos a serem colhidos pelos nossos descendentes. O ano de 2070 é a data marcada para a plena concretização da reforma, com fim dos incentivos tributários da Zona Franca de Manaus e a vinculação da arrecadação dos estados à tributação no destino.
Esse horizonte nos pede um intenso repensar e trabalhar as instituições modeladoras da economia amazonense. Pelo que acompanho das discussões, isso ainda não está sendo percebido adequadamente. Um dos líderes locais, do Fisco estadual, apresentou seu pensamento em algo do tipo “nas últimas décadas a economia brasileira cresceu 2%. Pelo padrão observado, acreditamos que ainda se crescer 1,5% a nossa arrecadação não será tão ruim”.
Pois é. O problema é que o padrão observado claramente não se repetirá. O tanto que a arrecadação tributária amazonense depende da fabricação de produtos intermediários no PIM e posterior envio dos produtos finais aos outros estados brasileiros, sobretudo os grandes mercados consumidores do Centro-Sul, simplesmente desaparecerá e o governo do Amazonas terá frustrada a sua capacidade de manter a máquina governamental e coordenar a atividade econômica regional.
Não que eu seja muito interessado e assegurar que o governo mantenha ou aumente a arrecadação. Acredito que a sociedade resolve seus problemas quando se lhe são permitidas liberdade econômica e alocação eficiente de recursos. Porém, o governo sempre tem algum espaço de incentivo. Incentivos importam. Os tributários, aos quais nos limitamos, são apenas um dos caminhos disponíveis.
O que está sendo posto é que as autoridades locais estão sendo incentivadas a forjar um imenso mercado consumidor no âmbito da Amazônia Ocidental. Seja lá quantas dezenas de milhões de habitantes teremos em 2070, eles precisam formar, em conjunto, uma enorme classe média empreendedora.
Se o que está na mesa é a diversificação da atividade econômica na direção do uso sustentável dos insumos locais, então o modo de acessá-los e transformá-los precisa ser simplificado ao máximo. Isso somente virá com adequada regulação, trabalho e educação, que tenha como alvo maior que cada cidadão amazonense saiba onde pode investir, quanto deve investir, os instrumentos à disposição e os conhecimentos disponíveis e a construir para fazer render os nossos recursos. Com total liberdade e confiança, sem reservas de mercado.
Esse fazer render virá quando a bioeconomia se tornar concreta vantagem comparativa. Cada amazonense precise se ver com potencial de oferecer ao mundo produtos intensivos em insumos amazônicos em volume e qualidade tais que sejam valiosos instrumentos de troca no mercado global.
O Fisco estadual é exemplo de excelência no funcionalismo público. Certamente compreenderão as oportunidades e agirão em prol das soluções ótimas conforme as peculiaridades de cada fase. Seja agora na regulamentação da reforma tributária, seja após as normas já tiverem sido aprovadas. Se assim não for, a Amazônia não será habitat muito receptivo aos nossos filhos e netos, que são os que estarão vivos em 2070.
André Ricardo Costa é Doutor em Administração pela FEA/USP e professor da Ufam
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