Empresas terão ao menos 12 meses para se adequar às novas regras de rotulagem, que inclui alterações na tabela de informação nutricional
Por Ricardo Zorzetto– Revista Fapesp
Os alimentos e bebidas que chegarem aos supermercados a partir de 9 de outubro começarão a trazer novidades na embalagem. A mais perceptível será um selo frontal para informar a quantidade elevada de três nutrientes: açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio. Ele deverá ser estampado em parte dos produtos elaborados pelas grandes empresas do setor e por pequenos produtores.
Sempre que o alimento contiver ao menos um dos nutrientes em níveis superiores aos preestabelecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a embalagem obrigatoriamente terá de exibir o desenho de uma lupa acompanhado da expressão “alto em” e da identificação do nutriente (pode ser mais de um) que extrapola aqueles limites (ver gráfico).
“As evidências científicas disponíveis indicam que os nutrientes escolhidos são aqueles que, quando consumidos em excesso, estão relacionados com a maior prevalência de obesidade e doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes e problemas cardiovasculares”, afirma Tiago Rauber, coordenador de Padrões e Regulação de Alimentos na Anvisa.
A agência aprovou essa e outras alterações de rotulagem em outubro de 2020, depois de seis anos de estudos e discussões que contaram com a participação de representantes da comunidade científica, da indústria de alimentos, da sociedade civil e da população. O objetivo da inclusão de um selo na parte frontal superior da embalagem e em local de fácil visualização é permitir a identificação de maneira rápida e simples de alimentos com alto conteúdo de algum daqueles nutrientes, sem que o consumidor tenha necessariamente de saber como interpretar os dados da tabela de informação nutricional, aquela encontrada no verso das embalagens, que também sofrerá modificações (ver infográfico).
O impacto da mudança não será imediato. A nova legislação estabelece o prazo de 12 meses para os produtos que já estiverem no mercado fazerem as devidas adaptações (os lançados a partir do dia 9 já deverão estar adaptados). Esse período será de 24 meses para os alimentos produzidos pela agroindústria artesanal e de pequeno porte, por agricultores familiares e empreendimentos solidários. As bebidas não alcoólicas vendidas em embalagens retornáveis terão até 36 meses para se adequar. O não cumprimento das normas é considerado infração sanitária, punível com advertência, multa, inutilização e interdição dos produtos.
No Chile, o primeiro país no mundo a adotar de modo obrigatório a rotulagem frontal de alimentos, associada a restrições de comerciais para crianças e à proibição da venda desses produtos em escolas, os primeiros efeitos começam a se tornar evidentes: houve redução na disponibilidade de alimentos com altos teores desses nutrientes e na compra pelas famílias. Análises econômicas sugerem que as medidas não afetaram de modo significativo as empresas do setor.
“O selo frontal traz um pouco de equilíbrio entre a informação publicitária, que destaca atributos positivos do produto, e aquela que de fato é útil para o consumidor, em geral negativa e mais difícil de ser identificada”, explica a nutricionista Laís Amaral Mais, pesquisadora do Programa de Alimentos do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), uma das entidades que participaram das discussões sobre a nova rotulagem. “A expectativa é que o selo em formato de lupa ajude as pessoas a comer de modo consciente, sabendo o que estão consumindo.”
“Acreditamos que a nova rotulagem nutricional será positiva, pois trará as informações de forma mais objetiva e sistematizada, para que os consumidores possam fazer suas escolhas com consciência e autonomia. A indústria participa do processo desde o início e está comprometida com a implementação das novas regras, assim como em ajudar os consumidores a ler e a compreender as informações nutricionais”, segundo nota enviada pela Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), que tomou parte das discussões com a Anvisa, em resposta às perguntas de Pesquisa FAPESP.
O Brasil foi um dos primeiros países no mundo a tornar obrigatória há cerca de duas décadas a descrição nutricional em alimentos embalados na ausência do consumidor. As regras exigiam a discriminação de valor energético, além do conteúdo de carboidratos, fibras alimentares, proteínas, gorduras e outros nutrientes – entre eles, aqueles destacados por suas propriedades positivas. De 2014 a 2016, um grupo de trabalho criado pela Anvisa diagnosticou a dificuldade de entendimento e interpretação das informações da tabela de informação nutricional por parte dos consumidores, o que motivou a revisão das regras de rotulagem.
Uma característica que atrapalhava o entendimento da tabela era a linguagem técnica usada na descrição dos nutrientes e a presença de dados em diferentes unidades de medida, o que exige algum grau de conhecimento científico para serem interpretados. O domínio desse saber é baixo no Brasil, onde quase 30% da população tem dificuldade de compreender textos simples (são analfabetos funcionais).
Em um levantamento realizado em 2015, o Instituto Abramundo, organização social voltada para a disseminação da cultura científica, ouviu 2.002 jovens e adultos de 211 municípios brasileiros para avaliar o grau de letramento científico, a habilidade para entender conceitos, vocabulário e fatos básicos da ciência. Na ocasião, quase metade dos participantes (48%) afirmou que não seria capaz de interpretar ou interpretaria com dificuldade as informações nos rótulos de alimentos. Essa proporção caía para 35% entre aqueles com maior letramento científico.
A complexidade da tabela era agravada pelo uso de nomes técnicos diferentes para descrever ingredientes com funções semelhantes. Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a equipe da nutricionista Rossana Proença analisou o rótulo de 4.539 produtos disponíveis em uma grande rede local de supermercados a fim de identificar a presença de açúcares adicionados, carboidratos simples que são acrescentados durante a produção do alimento para aumentar o dulçor.
De fácil digestão, esses nutrientes, se consumidos em excesso, aumentam o risco de cáries, diabetes e doenças cardiovasculares. Dos produtos analisados, 71% (3.214) tinham pelo menos um tipo de açúcar adicionado, relataram os pesquisadores em artigo publicado em 2018 na Public Health Nutrition. Esses compostos apareciam nas embalagens com 179 nomes distintos. Os mais comuns eram açúcar refinado e maltodextrina. Mas também podiam surgir como dextrose, glicose, frutose, açúcar invertido, melaço, xarope de milho, entre tantos outros.
O selo frontal traz equilíbrio entre a informação publicitária e aquela útil ao consumidor, diz Laís Mais, do Idec
Para auxiliar a escolha do consumidor, a Anvisa decidiu alterar as regras de rotulagem para incluir o selo frontal, com informações mais diretas sobre a composição nutricional dos alimentos. Há mais de uma década a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a adoção da rotulagem frontal nas embalagens como uma das estratégias para reduzir o consumo excessivo de alimentos considerados não saudáveis.
Antes de selecionar o modelo a ser adotado no Brasil, a Anvisa analisou a experiência de outros países e as evidências disponíveis na literatura científica, que mostraram que os modelos de alto conteúdo – aqueles com a expressão “alto em” – eram superiores aos demais no que diz respeito à capacidade de compreensão das informações.
Como não havia comparação entre o desempenho dos diferentes modelos de “alto em”, a agência fomentou, via Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), dois estudos com a população brasileira, um realizado por pesquisadores da Embrapa e outro por uma equipe da Universidade de Brasília (UnB). O resultado, segundo a agência, mostrou que eles tiveram desempenho similar.
“Diante desses resultados e das evidências obtidas no processo regulatório, foi recomendada a adoção de um modelo de alto conteúdo retangular com uma lupa, com base na compreensão de que esse design teria uma efetividade similar aos demais modelos propostos e seria mais coerente com o objetivo regulatório de facilitar a compreensão da rotulagem nutricional pelos consumidores brasileiros”, afirma Rauber, da Anvisa.
Os alimentos e bebidas que chegarem aos supermercados a partir de 9 de outubro começarão a trazer novidades na embalagem. A mais perceptível será um selo frontal para informar a quantidade elevada de três nutrientes: açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio. Ele deverá ser estampado em parte dos produtos elaborados pelas grandes empresas do setor e por pequenos produtores.
Sempre que o alimento contiver ao menos um dos nutrientes em níveis superiores aos preestabelecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a embalagem obrigatoriamente terá de exibir o desenho de uma lupa acompanhado da expressão “alto em” e da identificação do nutriente (pode ser mais de um) que extrapola aqueles limites (ver gráfico). “As evidências científicas disponíveis indicam que os nutrientes escolhidos são aqueles que, quando consumidos em excesso, estão relacionados com a maior prevalência de obesidade e doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes e problemas cardiovasculares”, afirma Tiago Rauber, coordenador de Padrões e Regulação de Alimentos na Anvisa.
A agência aprovou essa e outras alterações de rotulagem em outubro de 2020, depois de seis anos de estudos e discussões que contaram com a participação de representantes da comunidade científica, da indústria de alimentos, da sociedade civil e da população. O objetivo da inclusão de um selo na parte frontal superior da embalagem e em local de fácil visualização é permitir a identificação de maneira rápida e simples de alimentos com alto conteúdo de algum daqueles nutrientes, sem que o consumidor tenha necessariamente de saber como interpretar os dados da tabela de informação nutricional, aquela encontrada no verso das embalagens, que também sofrerá modificações (ver infográfico).
O impacto da mudança não será imediato. A nova legislação estabelece o prazo de 12 meses para os produtos que já estiverem no mercado fazerem as devidas adaptações (os lançados a partir do dia 9 já deverão estar adaptados). Esse período será de 24 meses para os alimentos produzidos pela agroindústria artesanal e de pequeno porte, por agricultores familiares e empreendimentos solidários. As bebidas não alcoólicas vendidas em embalagens retornáveis terão até 36 meses para se adequar. O não cumprimento das normas é considerado infração sanitária, punível com advertência, multa, inutilização e interdição dos produtos.
No Chile, o primeiro país no mundo a adotar de modo obrigatório a rotulagem frontal de alimentos, associada a restrições de comerciais para crianças e à proibição da venda desses produtos em escolas, os primeiros efeitos começam a se tornar evidentes: houve redução na disponibilidade de alimentos com altos teores desses nutrientes e na compra pelas famílias. Análises econômicas sugerem que as medidas não afetaram de modo significativo as empresas do setor.
“O selo frontal traz um pouco de equilíbrio entre a informação publicitária, que destaca atributos positivos do produto, e aquela que de fato é útil para o consumidor, em geral negativa e mais difícil de ser identificada”, explica a nutricionista Laís Amaral Mais, pesquisadora do Programa de Alimentos do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), uma das entidades que participaram das discussões sobre a nova rotulagem. “A expectativa é que o selo em formato de lupa ajude as pessoas a comer de modo consciente, sabendo o que estão consumindo.”
“Acreditamos que a nova rotulagem nutricional será positiva, pois trará as informações de forma mais objetiva e sistematizada, para que os consumidores possam fazer suas escolhas com consciência e autonomia. A indústria participa do processo desde o início e está comprometida com a implementação das novas regras, assim como em ajudar os consumidores a ler e a compreender as informações nutricionais”, segundo nota enviada pela Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), que tomou parte das discussões com a Anvisa, em resposta às perguntas de Pesquisa FAPESP.
O Brasil foi um dos primeiros países no mundo a tornar obrigatória há cerca de duas décadas a descrição nutricional em alimentos embalados na ausência do consumidor. As regras exigiam a discriminação de valor energético, além do conteúdo de carboidratos, fibras alimentares, proteínas, gorduras e outros nutrientes – entre eles, aqueles destacados por suas propriedades positivas. De 2014 a 2016, um grupo de trabalho criado pela Anvisa diagnosticou a dificuldade de entendimento e interpretação das informações da tabela de informação nutricional por parte dos consumidores, o que motivou a revisão das regras de rotulagem.
Uma característica que atrapalhava o entendimento da tabela era a linguagem técnica usada na descrição dos nutrientes e a presença de dados em diferentes unidades de medida, o que exige algum grau de conhecimento científico para serem interpretados. O domínio desse saber é baixo no Brasil, onde quase 30% da população tem dificuldade de compreender textos simples (são analfabetos funcionais).
Em um levantamento realizado em 2015, o Instituto Abramundo, organização social voltada para a disseminação da cultura científica, ouviu 2.002 jovens e adultos de 211 municípios brasileiros para avaliar o grau de letramento científico, a habilidade para entender conceitos, vocabulário e fatos básicos da ciência. Na ocasião, quase metade dos participantes (48%) afirmou que não seria capaz de interpretar ou interpretaria com dificuldade as informações nos rótulos de alimentos. Essa proporção caía para 35% entre aqueles com maior letramento científico.
A complexidade da tabela era agravada pelo uso de nomes técnicos diferentes para descrever ingredientes com funções semelhantes. Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a equipe da nutricionista Rossana Proença analisou o rótulo de 4.539 produtos disponíveis em uma grande rede local de supermercados a fim de identificar a presença de açúcares adicionados, carboidratos simples que são acrescentados durante a produção do alimento para aumentar o dulçor.
De fácil digestão, esses nutrientes, se consumidos em excesso, aumentam o risco de cáries, diabetes e doenças cardiovasculares. Dos produtos analisados, 71% (3.214) tinham pelo menos um tipo de açúcar adicionado, relataram os pesquisadores em artigo publicado em 2018 na Public Health Nutrition. Esses compostos apareciam nas embalagens com 179 nomes distintos. Os mais comuns eram açúcar refinado e maltodextrina. Mas também podiam surgir como dextrose, glicose, frutose, açúcar invertido, melaço, xarope de milho, entre tantos outros.
O selo frontal traz equilíbrio entre a informação publicitária e aquela útil ao consumidor, diz Laís Mais, do Idec
Para auxiliar a escolha do consumidor, a Anvisa decidiu alterar as regras de rotulagem para incluir o selo frontal, com informações mais diretas sobre a composição nutricional dos alimentos. Há mais de uma década a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a adoção da rotulagem frontal nas embalagens como uma das estratégias para reduzir o consumo excessivo de alimentos considerados não saudáveis.
Antes de selecionar o modelo a ser adotado no Brasil, a Anvisa analisou a experiência de outros países e as evidências disponíveis na literatura científica, que mostraram que os modelos de alto conteúdo – aqueles com a expressão “alto em” – eram superiores aos demais no que diz respeito à capacidade de compreensão das informações.
Como não havia comparação entre o desempenho dos diferentes modelos de “alto em”, a agência fomentou, via Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), dois estudos com a população brasileira, um realizado por pesquisadores da Embrapa e outro por uma equipe da Universidade de Brasília (UnB). O resultado, segundo a agência, mostrou que eles tiveram desempenho similar.
“Diante desses resultados e das evidências obtidas no processo regulatório, foi recomendada a adoção de um modelo de alto conteúdo retangular com uma lupa, com base na compreensão de que esse design teria uma efetividade similar aos demais modelos propostos e seria mais coerente com o objetivo regulatório de facilitar a compreensão da rotulagem nutricional pelos consumidores brasileiros”, afirma Rauber, da Anvisa.
“No momento da escolha, não havia evidências que comprovassem a eficácia da lupa e queríamos ter certeza do desempenho de um design de rótulo antes que fosse adotado em uma política nacional”, conta a nutricionista indiana Neha Khandpur, pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da Universidade de São Paulo (USP) e da Escola de Saúde Pública de Harvard, nos Estados Unidos. “Somente agora essas evidências começam a surgir.”
Khandpur é a autora principal de um trabalho que foi publicado em abril deste ano na revista PLOS ONE e comparou a eficácia da lupa com a de outro modelo de advertência, no qual os nutrientes em excesso são destacados no interior de triângulos pretos. Esse sistema foi desenvolvido por pesquisadores da área de design de informação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e era apoiado pelo Idec e por parte da comunidade científica. Segundo alguns pesquisadores, o triângulo é um símbolo mais familiar para as pessoas, associado a indicações de “alerta” ou “perigo” no trânsito ou em aparelhos eletrônicos, e seria menos neutro do que a lupa.
No trabalho da PLOS ONE, 1.384 pessoas de 101 cidades brasileiras foram convidadas a observar em um tablet imagens de produtos reais sobre as quais havia sido aplicado o selo da lupa ou o do triângulo. Depois, responderam a uma série de perguntas para avaliar a eficácia do modelo em transmitir a informação desejada, a utilidade em auxiliar em escolhas saudáveis, a facilidade de compreensão por outras pessoas e em modificar a intenção de adquirir o produto. Em outro teste, eles eram apresentados a dois produtos de uma mesma categoria e marcas diferentes e tinham de indicar, com base na presença ou ausência do selo, qual era o mais saudável.
De acordo com os resultados do estudo, do qual participou Laís Mais, do Idec, o triângulo se saiu melhor do que a lupa em vários quesitos. Foi considerado mais útil, fácil de compreender e melhor indicador de informação importante, embora tanto ele quanto a lupa permitissem identificar de modo semelhante qual nutriente estava em excesso. A lupa, porém, foi um pouco mais eficaz em levar as pessoas a desistir de comprar o produto. “As evidências sugerem que o triângulo teria sido uma escolha mais adequada do que a lupa para o desenho do selo”, diz Khandpur.
Em um trabalho anterior, a engenheira de alimentos Rosires Deliza, da Embrapa Agroindústria de Alimentos, no Rio de Janeiro, confrontou a eficácia dos triângulos pretos e da lupa (na cor preta e na vermelha) com a de outros cinco modelos de alertas frontais que também estavam sendo analisados pela Anvisa. Um deles era o chamado semáforo nutricional, sugerido pelas entidades representantes dos produtores de alimentos industrializados e adotado em países como Equador e Reino Unido. Nesse sistema, teores altos, médios e baixos dos três nutrientes são destacados, respectivamente, nas cores vermelha, amarela e verde. A agência reguladora descartou o semáforo por considerar que poderia gerar dúvidas e julgar que outros modelos funcionavam melhor para chamar a atenção para o alto conteúdo de nutrientes.
O teste realizado pelo grupo da Embrapa ocorreu em duas etapas. Na primeira, com apenas 62 participantes, os pesquisadores mediram o tempo que levava para as pessoas identificarem a presença do selo e se o produto tinha concentração elevada de um ou mais dos três nutrientes. Na segunda fase, realizada com 1.932 pessoas de diferentes regiões do país, os voluntários tinham de identificar qual das três opções de um mesmo produto era mais saudável (apresentava níveis mais baixos dos nutrientes críticos) e quão saudável consideravam os produtos. Também era testada a habilidade de identificar o nutriente com conteúdo superior ao recomendado. Foram avaliadas oito categorias de alimentos: barras de cereal, néctares de laranja, lasanhas congeladas, bebidas achocolatadas, cereais matinais, bolos, salgadinhos e iogurtes.
Os resultados, publicados em 2020 na revista Food Quality and Preference, indicam que a eficácia dos cinco modelos com melhor desempenho – triângulo preto, lupa preta, lupa vermelha, círculo vermelho e octógono preto – variou de acordo com o produto. O triângulo e o octógono, por exemplo, permitiram identificar mais rapidamente nutrientes em valores elevados. Com desempenho semelhante, lupa, triângulo, círculo e octógono se saíram melhor do que o semáforo quando os voluntários precisavam identificar qual era o nutriente em alta quantidade. “O desempenho variou segundo o produto analisado”, conta Deliza. “De modo geral, o círculo vermelho, o triângulo e o octógono pretos favoreceram um número maior de repostas corretas quando os participantes tinham de identificar o produto mais saudável.”
A Anvisa definiu os valores a partir dos quais os produtores obrigatoriamente devem incluir o alerta frontal no produto com base em valores recomendados pela OMS e pelo Codex alimentarius da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Eles são mais elevados do que os sugeridos por parte da comunidade científica, que aconselhava a adoção de concentrações indicadas pela Organização Pan-americana da Saúde (Opas), mais restritivas, mas inferiores aos teores propostos pelos representantes da indústria de alimentos.
Uma análise de 11.434 produtos encontrados nas cinco maiores redes de supermercados brasileiras, publicada em 2020 na revista Public Health Nutrition, sugeriu que 62% deles deveriam receber o rótulo frontal, se fossem seguidos os valores da Opas, e 45% de acordo com os da Anvisa. Coordenada por Ana Clara Duran, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e colaboradora do Nupens, a avaliação se baseou em valores inicialmente mais restritivos propostos pela agência regulatória brasileira.
Na regra aprovada em 2020, porém, foram adotados limites mais elevados. Análises posteriores realizadas por Duran – e compartilhadas com a Anvisa antes da aprovação da nova regra – indicaram que, com os limites mais elevados, um em cada quatro produtos com alta quantidade daqueles nutrientes deve deixar de receber o rótulo.
No Chile, a rotulagem frontal ajudou a reduzir a compra de alimentos com excesso de açúcar e sódio
O uso de selos indicativos do valor nutricional na parte frontal de embalagens não é novo. A Suécia foi o primeiro país a adotá-lo, em 1989, mas seu emprego era voluntário. Hoje cerca de 30 países valem-se da estratégia, a maioria de forma opcional. Com altos índices de pessoas com excesso de peso (cerca de 65% da população adulta), o Chile foi o primeiro país a tornar obrigatória a exibição dos selos frontais a partir de 2016: octógonos pretos com a inscrição “alto em”. Essa medida foi implementada de modo progressivo, acompanhada da proibição de comerciais desses alimentos para o público infantil em certos horários e da venda em escolas.
Os resultados iniciais dessa política vêm sendo documentados pela equipe da médica e pesquisadora Camila Corvalán, da Universidade do Chile, em uma série de artigos científicos. Antes da entrada em vigor da lei, 51% dos cerca de 1.900 produtos disponíveis em supermercados continham excesso de sal, açúcar ou gordura trans. Um ano depois, essa proporção havia baixado para 44%.
A redução foi mais expressiva entre os produtos com elevados níveis de açúcares e de sódio. As mudanças na rotulagem e a proibição dos comerciais motivaram uma redução de 37% na compra de produtos com teores elevados de sódio e de 27% na de alimentos com muito açúcar. Identificou-se, no entanto, um aumento de produtos contendo adoçantes.
Uma análise coordenada por Barry Popkin, economista da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, nos Estados Unidos, colaborador dos pesquisadores chilenos, sugere que as mudanças impostas pela legislação não foram significativas para a indústria. O total de empregos nas empresas alimentícias aumentou 13% e o salário real 6,3% (um pouco menos que em outras áreas), segundo trabalho publicado este ano na Nutrients.
Já o lucro bruto das empresas encolheu cerca de 11%. “A experiência do Chile sugere que, se regulamentações semelhantes fossem adotadas em outros lugares, teriam resultados semelhantes, especialmente considerando que o setor de alimentos e bebidas na maioria dos países é dominado pelas mesmas empresas multinacionais, com portfólio de produtos semelhante e processos de produção comparáveis”, escreveram os autores.
No Brasil, o efeito real da adoção da lupa nas embalagens só deve ser conhecido em alguns anos, à medida que forem realizados estudos. “Para que seja bem-sucedida”, alerta Deliza, da Embrapa, “essa política deve ser acompanhada de ações como a regulação da propaganda desses produtos, a implementação de educação nutricional nas escolas, a adoção de impostos diferenciados para alimentos com alto teor desses nutrientes e a reformulação desses produtos”.
Texto publicado originalmente em REVISTA FAPESP
Comentários