Em mais de três horas de fala, o presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, reafirmou declarações de negacionismo e descompromisso com a pauta ambiental
Durante sua entrevista ao apresentador do Podcast Flow, Igor 3k, o presidente Jair Bolsonaro, candidato pelo Partido Liberal (PL) à reeleição, deu o tom de como a questão ambiental será pautada durante a sua campanha. Em uma tentativa de engajar os jovens, o seu principal público de rejeição, Bolsonaro reencenou algumas de suas mais polêmicas declarações sobre a floresta, os povos indígenas e a violência na Amazônia.
“A Amazônia não pega fogo por ser úmida”, respondeu quando questionado sobre o aumento das queimadas entre 2019 e 2022.
O presidente também fez confusão quanto aos limites do bioma, dizendo que “a floresta existe apenas no miolo e as bordas foram incorporadas por governos estaduais que buscavam a isenção fiscal”.
Na verdade, Bolsonaro confunde o público em sua afirmação misturando o conceito geopolítico de “Amazônia Legal” e do bioma – delimitado pelos consensos de estudos científicos e definido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Bolsonaro defende ex-ministro Salles
O candidato à reeleição também defendeu a gestão de seu ex-ministro do meio ambiente, Ricardo Salles – hoje candidato a deputado federal pelo PL/SP. Bolsonaro classificou as investigações e processos que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF) contra Salles como “abobrinhas que não interessam à população”.
Salles deixou o Ministério em 2021 após denúncias e uma ação proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por conta da Operação Handroanthus da Polícia Federal, responsável pela apreensão de 226 mil metros cúbicos de madeira extraídos ilegalmente. A madeira foi apreendida na divisa do Pará com o Amazonas e avaliada à época em R$ 129 milhões.
A região é palco de outro projeto polêmico relacionado à Ricardo Salles, o asfaltamento da BR-319. O licenciamento da rodovia, também executado pelo ex-ministro, foi classificado pelo presidente como uma “ação exemplar”.
Após o licenciamento e anúncio federal de retomada do projeto, abandonado por seus riscos ambientais, o desmatamento e as queimadas dispararam na região levando o estado do Amazonas para o segundo lugar entre os campeões de desmatamento na floresta.
Sobre as queimadas, o presidente voltou a acusar os indígenas e os povos tradicionais. Segundo Bolsonaro, muitos dos focos detectados por satélites são na verdade “fogueiras feitas por índios e ribeirinhos”.
Já os incêndios que atingiram 30% do bioma Pantanal em 2020, seriam resultado de combustão espontânea, logo “não se deve culpar o seu presidente pelos incêndios”.
Estudos da Universidade Federal do Rio Janeiro e investigações da Polícia Federal contrariam a tese presidencial. Foi constatado que grande parte desses focos surgiram em propriedades privadas (grandes fazendas) e eram de origem humana e criminosa.
O desmatamento também foi classificado como uma questão sobre controle. “Basta ver os números e comparar com os três primeiros anos do Lula”, afirmou várias vezes durante a entrevista.
Segundo dados do Projeto MapBiomas Alerta, a realidade não seria tão confortável quanto o presidente defende. Apesar de a gestão do PT ter realmente taxa recordes de derrubadas, entre 2019 e 2021 o país perdeu 42.517 km2, o equivalente a 14 mil km2 por ano.
Desrespeito
Sobre os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Britânico do The Guardian, Dom Phillips, em 5 de junho, o presidente voltou a culpar ambos por imprudência. “É pedir para se dar mal”, comentou sem se lembrar da comoção internacional e nacional que as mortes causaram evidenciando o descontrole da violência na região.
Bolsonaro defendeu que a sua solução para todos os problemas da Amazônia é a continuidade das ações de regulamentação fundiária. “Assim poderemos ver quem pratica todos os crimes ambientais e multar”.
Porém, após a sua declaração, o presidente se esqueceu de mencionar que grande parte das multas aplicadas durante a sua gestão não foram executadas, contribuindo para o ambiente de impunidade e violência.
Outra polêmica ambiental defendida na entrevista foi a pesca de arrasto, uma atividade com grande potencial destruidor dos oceanos e uma das grandes bandeiras de seu ex-secretário de aquicultura e pesca, Jorge Seif, hoje candidato a deputado pelo PL de Santa Catarina.
Em 2021, Bolsonaro chegou a liberar por decreto essa modalidade de pesca em todo o Sul do Brasil, mas uma ação do governo do Rio Grande do Sul conseguiu proibir a atividade que segue nos estados vizinhos.
Entre as muitas consequências ambientais deste tipo de pesca estão a destruição dos berçários marinhos, a matança sem controle de espécies não comerciais, a destruição de sedimentos em águas profundas, fora a inevitável morte de animais como tartarugas marinhas, lulas e tubarões.
A entrevista foi um termómetro para se medir como será a campanha de Bolsonaro a partir do dia 16 de agosto, quando o Superior Tribunal Eleitoral torna válido as propagandas políticas. Tudo indica que a pauta ambiental deve continuar como um dos pontos mais fracos de suas propostas.
Fonte: O Eco
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