“A vitória de hoje é um mandato histórico para transformar a Colômbia: vamos pela dignidade, pela justiça social e ambiental, pela nossa liberdade. Recebemos um compromisso de integridade e transparência. Um mandato pela vida”. Esta foi uma das frases que pincei de tantas entrevistas concedidas por Francia Elena Márquez Mina, eleita vice-presidente do país no último domingo.
A escolhi para iniciar este texto por considerar que resume quase tudo que ela e Gustavo Petro – o presidente eleito – prometeram durante sua campanha e assim que se apresentaram ao público após a vitória. Se comprometeram com a luta por uma política de amor pela vida, de paz. Que sonho!
Justiça social e ambiental
Pra mim, é impossível não pensar que, aos poucos, bons e renovados ventos da justiça social e ambiental – incluindo o dos animais – sopram cada vez com mais força, na América Latina. Desejo que o Brasil seja o próximo.
Primeiro, os argentinos escolheram Alberto Fernández (2019), depois veio Pedro Castillo, no Peru (2021), e, mais recentemente, em dezembro de 2021, os chilenos disseram ‘sim’ ao encantador Gabriel Boric que, além de escolher mulheres para ocuparem a maioria de seus ministérios, ainda criou um novo cargo em seu governo – o de ‘primeiro-cão da República, assumido por seu viralata Brownie.
Recentemente, na Cúpula dos Líderes das Américas, em Los Angeles, nem Joe Biden, presidente dos EUA, conseguiu esconder sua admiração pelo jovem presidente e o quanto se sentia à vontade com ele (pena não termos a mesma sorte: no mesmo encontro, Bolsonaro fez discurso mentiroso – mais um! – e constrangeu Biden ao tentar convencê-lo a apoiá-lo nas eleições de outubro).
Com as greves de 21 de novembro de 2019 e de 28 de abril de 2021, passeatas, barricadas e assembleias populares por meio das quais o povo colombiano resistiu à repressão do governo de Iván Duque Márquez, a Colômbia passou por grandes transformações.
O país sempre esteve dominado pela desigualdade social e por facções criminosas, liderando o ranking de 2020 – Global Analysis 2020 – sobre ativistas ambientais e dos direitos humanos assassinados. O Brasil estava em terceiro lugar.
Em 19 de junho de 2022, o país elegeu – com 11,2 milhões de votos (50,44% dos votos válidos) – seu primeiro governo socialista e, partir de agosto, irá colocar na vice-presidência a primeira mulher negra, advogada, liderança social e defensora do meio ambiente e dos direitos humanos.
Sim, foi no segundo turno e numa eleição apertada, mas o Pacto Histórico, aliança formada pelos partidos de Francia e Petro, venceu: “Depois de 200 anos, conquistamos um governo do povo. O governo dos e das ‘ninguéns’ da Colômbia. Vamos viver de maneira saborosa, com dignidade!”, declarou no discurso após a vitória.
Em outro momento de seu discurso, declarou: “A violência não serviu a ninguém. Faço um apelo a todos os colombianos para que lutem por um país que precisa se curar”. E também: “Este é o governo que fará o esforço necessário para que o campo volte a florescer”.
Luta e resistência
Francia tem 40 anos. Sua trajetória de luta e resistência é longa: é ativista feminista e antirracista desde os 13 anos!
Aos 16 anos, quando começou a trabalhar com mineração artesanal, teve sua primeira filha. Fez curso técnico de agropecuária e, desde 1997, integrou a PCN – Processo de Comunidades Negras, criada em 1993 e que reúne 120 organizações.
Iniciou sua jornada política defendendo sua comunidade em Suarez, em La Toma (departamento Cauca), onde nasceu, contra projetos de mineração.
Depois de duas derrotas nesse processo, a pressão popular contra a Corte Suprema de Justiça resultou na reparação coletiva a 27 conselhos comunitárias da região de La Toma, que haviam sido profundamente afetadas pela represa Salvajinas. Sobre o caso, Francia declarou:
“Sou parte daqueles que alçam a voz para parar a destruição dos rios, florestas e planaltos. Daquelas pessoas que sonham que os seres humanos podem mudar o modelo econômico de morte para dar um passo a um modelo que garanta a vida”.
De 2010 a 2013, presidiu a Associação de Mulheres Afrodescentes de Yolombó. Em 2015, ganhou o Prêmio Nacional de Direitos Humanos. Isso aconteceu depois da Marcha dos Turbantes, caminhada que reuniu centenas de mulheres negras que se comprometeram a percorreram cerca de 600km de Suárez até Bogotá, no Ministério da Justiça, com o intuito de denunciar o garimpo ilegal em suas comunidades.
Em 2018, conquistou mais um reconhecimento: o prêmio Goldman Environmental Prize, chamado de “Nobel” do meio ambiente.
“Na nossa comunidade, aprendemos que a dignidade não tem preço. Aprendemos a amar e a valorizar o território como espaço de vida, e a lutar por ele, mesmo que coloquemos em risco a própria vida”, declarou em discurso na cerimônia de entrega.
Formou-se em Direito em 2020 pela Universidade Santiago de Cali e, para pagar os estudos, foi empregada doméstica.
“Estou aqui para dar as mãos às mulheres que não tiveram voz, que nunca tiveram oportunidades ou privilégios, cujas vozes foram silenciadas e aquelas que não tiveram permissão por suas condições de mulheres empobrecidas e racializadas de viver em paz e com dignidade”, declarou à CNN.
O objetivo do novo governo “é gerar igualdade de condições para as mulheres. Somos 52% e sempre tivemos muitas dificuldades. Hoje, a maioria das mulheres colombianas ainda não tem condições de dignidade”.
Mas Francia promete lutar não só pelas mulheres, mas por todos os oprimidos: “Vamos criar o Ministério da Igualdade! Venho de uma cidade e região esquecidas. Minha tarefa é garantir direitos aos territórios excluídos e marginalizados e garantir direitos às populações afrodescendentes e indígenas”, disse à TV Caracol a vice-presidente ameaçada de morte durante toda sua campanha.
Durante encontro com a ativista Angela Davis, em 2021, disse: “Somos vítimas da necropolítica, e os territórios racializados são os que mais sofrem com a crise ambiental. Os ricos estão buscando outros planetas, mas é desse aqui que temos que cuidar!”. Simples, assim.
Como a vereadora carioca Marielle Franco, assassinada em março de 2018 (quem mandou matá-la?), em seus pronunciamentos Francia diz “Soy Porque Somos” (sou porque somos), frase inspirada na filosofia Ubuntu: ‘eu sou porque você é’.
“Sou parte de uma história de luta e resistência que começou com meus ancestrais trazidos em condição de escravidão. Sou parte da luta contra o racismo estrutural, sou parte daqueles que lutam para seguir parindo a liberdade e a justiça“, declarou logo após a vitória
Paz e dignidade
“Estou aqui para dar as mãos às mulheres que não tiveram voz, que nunca tiveram oportunidades ou privilégios, cujas vozes foram silenciadas e aquelas que não tiveram permissão por suas condições de mulheres empobrecidas e racializadas de viver em paz e com dignidade”, declarou à CNN.
O objetivo do novo governo “é gerar igualdade de condições para as mulheres. Somos 52% e sempre tivemos muitas dificuldades. Hoje, a maioria das mulheres colombianas ainda não tem condições de dignidade”.
Mas Francia promete lutar não só pelas mulheres, mas por todos os oprimidos:
“Vamos criar o Ministério da Igualdade! Venho de uma cidade e região esquecidas. Minha tarefa é garantir direitos aos territórios excluídos e marginalizados e garantir direitos às populações afrodescendentes e indígenas”, disse à TV Caracol a vice-presidente ameaçada de morte durante toda sua campanha.
Como a vereadora carioca Marielle Franco, assassinada em março de 2018, em seus pronunciamentos Francia sempre diz “Soy Porque Somos” (sou porque somos), frase inspirada na filosofia Ubuntu: ‘eu sou porque você é’.
“Sou parte de uma história de luta e resistência que começou com meus ancestrais trazidos em condição de escravidão. Sou parte da luta contra o racismo estrutural, sou parte daqueles que lutam para seguir parindo a liberdade e a justiça“, declarou logo após a vitória.
Nome ancestral e jornalista xará
Quando pesquisava sobre a eleição dos futuros presidente e vice-presidente da Colômbia, descobri que Francia prefere ser chamada pelo seu nome completo – Francia Elena Marques Mina – para que todos saibam os sobrenomes de sua mãe e de seus ancestrais. Muito comovente.
Também descobri que Gustavo Petro tem um xará brasileiro: é o jornalista Gustavo Petró. A única diferença entre seu nome e o do futuro presidente é o acento no “o”.
Graças a essa semelhança, durante entrevista em 2021, o presidente eleito prometeu que o convidaria para a sua posse caso vencesse as eleições.
Promessa feita, promessa cumprida: na noite de domingo, horas depois da vitória, Andrés Hernández, assessor de Petro ligou para o jornalista.
“Mesmo com a promessa, eu estava incrédulo que isso aconteceria”, contou Petró ao UOL, revelando que, a princípio, negou o convite: “Fico honrado, mas não sou importante. É melhor convidar presidentes e políticos. Não eu”.
Desconheço a ideologia de Petró, mas se o populista Rodolfo Hernández (adversário de Petro) me convidasse para sua posse, eu recusaria, com certeza.
O assessor de Petro não se intimidou e respondeu ao comentário de Petró: “Você é o homônimo do presidente da Colômbia e está convidado. Vamos acertar os detalhes esta semana”.
Vamos ver como agirá o repórter. Entre domingo e segunda, ele ganhou cerca de 4 mil novos seguidores da Colômbia no Twitter, onde sua conta é @gustavopetro e, a do presidente eleito, @petrogustavo.
Fontes: Caracol Notícias, PST Colombiano, CNN, Brasil de Fato, UOL, Open Democracy, Pacto Histórico, Liga Internacional dos Trabalhadores
Texto publicado originalmente em Conexão Planeta 23/06/2022
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