Resíduo da fabricação de cerveja pode ser transformado em óleo ou biogás com alto valor energético
Grupos de cientistas de diferentes universidades brasileiras estão estudando maneiras de reaproveitar o bagaço do malte, resíduo gerado na produção de cerveja, para produção de energia, transformando o material em biocombustível. O Brasil está entre os 5 maiores produtores de cerveja do mundo e o bagaço do malte, também conhecido como bagaço de cevada, polpa ou borra de cervejaria, é um subproduto abundante nesta produção, descartado em larga escala.
Natália Maira Braga de Oliveira, professora da Universidade Federal de Lavras, no Sul de Minas Gerais, coordena um estudo, ainda em fase inicial, para a obtenção de um bio-óleo a partir do resíduo.
O bagaço de malte é constituído basicamente por celulose, lignina e hemicelulose, estruturas com potencial de gerar uma nova fonte de energia limpa. “Ao quebrar esses compostos de cadeia grande em compostos menores e promover recombi-nações de ligações químicas, consegue-se moléculas de carbono que podem ser utilizadas como combustíveis”, explica a professora.
Bio-óleo
Por meio da decomposição pelo calor, chamada pirólise, o resíduo pode ser transformado em um bio-óleo e os pesquisadores da Universidade Federal de Lavras querem encontrar condições que viabilizem a utilização deste óleo em motores a combustão.
“Pela quantidade em que é gerado, a destinação para produção de energia contribuiria na redução da dependência de combustíveis de origem fóssil e em diversos problemas ambientais”, afirma Natália. A pesquisadora destaca ainda a facilidade de armazenamento e transporte do resíduo como pontos importantes.
Os testes já começaram a ser realizados no Departamento de Engenharia da universidade e, caso a viabilidade seja comprovada, o processo de implementação no mercado pode ser “relativamente rápido”, segundo a cientista.
Atualmente o bagaço de malte já é utilizado para geração de energia térmica, pela queima direta. “No caso da térmica, é queimado diretamente em caldeiras e reduz o custo energético das empresas. Nesse sentido, a ideia é que por pirólise sejam obtidos outros tipos de combustíveis, como o bio-óleo, com outras aplicações e maior valor agregado, aproveitando melhor o potencial energético dessa biomassa”, explica.
Biogás
Quatro cientistas brasileiros e dois americanos estão trabalhando em outro projeto para ganho em energia elétrica e térmica obtido quando bagaço de malte é tratado com ultrassom antes de passar por digestão anaeróbia – processo microbiológico que envolve consumo de matéria orgânica e produção de metano.
Com este tratamento prévio, é gerado um biogás com 56% de metano, 27% mais do que o obtido sem a aplicação do ultrassom. Após ser purificado em metano, o biogás pode ser usado como biocombustível veicular com pegada de carbono muito baixa quando comparada à de fontes fósseis convencionais.
O processo inovador foi desenvolvido no Laboratório de Bioengenharia e Tratamento de Águas e Resíduos (Biotar) da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (FEA-Unicamp).
Além da produção de biocombustível, com a queima do metano em cogeradores é possível produzir eletricidade e calor para a utilização pela própria indústria cervejeira. Já o resíduo final do processo resulta em biofertilizantes, que podem ser aplicados para substituir os fertilizantes minerais. Os detalhes da metodologia foram descritos no Journal of Cleaner Production.
A líder do projeto apoiado pela FAPESP, Tânia Forster-Carneiro, explica que, atualmente, as indústrias de alimentos possuem estação de tratamento de águas residuárias, algo determinado por lei. Porém, nem sempre existe o tratamento de resíduos sólidos orgânicos que, geralmente, são enviados para aterros controlados/sanitários ou, alternativamente, destinados à ração animal.
“As pesquisas que visam a valorização de resíduos sólidos orgânicos são valiosas para a indústria e também para a sociedade. Nesse artigo, especificamente, aplicamos um pré-tratamento de ultrassom – uma tecnologia ainda incipiente, usualmente aplicada em escala laboratorial – e com isso obtivemos maior produção de metano. Os resultados foram muito bons”, comemora a pesquisadora.
O trabalho também avaliou as rotas de recuperação de energia em todo o processo, concluindo que a eletricidade produzida pelo biogás compensou 80% da necessária para o pré-tratamento com ultrassom e para a digestão anaeróbia; gerando ainda um excedente 50% superior em energia térmica em comparação com o excedente de calor que seria obtido no processo sem aplicação do ultrassom.
“A eletricidade gerada pela combustão do biogás será utilizada para o ultrassom. Já o calor produzido pode ser utilizado na indústria para os diversos processos que necessitam de energia térmica. Tudo isso segue os princípios de economia circular para a produção de alimentos com baixa emissão de carbono”, detalha Willian Sganzerla, bolsista que participa do projeto.
Biofertilizante
Todos os anos, são geradas cerca de 2,8 milhões de toneladas de bagaço de malte. A equipe de Forster-Carneiro já obteve em 2020 uma patente da aplicação desse resíduo orgânico em reatores anaeróbios aplicável à própria estação de tratamento de águas residuárias da indústria cervejeira.
“O processo de digestão anaeróbia trata resíduo com alta carga orgânica, consequentemente gera nutrientes e, dentro do reator, sobra um biodigerido – fração sólida basicamente composta por material lignocelulósico tratado e rico em nitrogênio, fósforo, potássio e outros minerais. No caso do bagaço de malte, existe muito nitrogênio e a quantidade de proteína vai ser alta, viabilizando o uso desse resíduo como biofertilizante, podendo substituir o uso de NPK mineral, fertilizante composto por nitrogênio, fósforo e potássio”, explica Sganzerla.
Fonte: CicloVivo
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