Temos clareza de que não há alternativas, nem a curto nem a médio prazo, e talvez nem a longo prazo, para substituir a Zona Franca de Manaus, sua magnitude, importância e necessidade que este programa de desenvolvimento regional ganhou ao longo desses 55 anos. Jaime Benchimol, economista e empresário.
Por Alfredo Lopes
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Coluna Follow-up
Repensar a Zona Franca de Manaus não significa que é preciso acusar o golpe de sua desconstrução e – num passe de mágica – tirar da cartola um novo modelo mental em que as pessoas possam trabalhar e sustentar suas famílias. Quem pensa assim é, principalmente, insano. O que nós precisamos é assumir uma responsabilidade maior sobre o nosso destino. Na reflexão de hoje, vamos dar sequência à tese antiga e sempre nova de Jaime Benchimol, retomada recentemente num debate público, promovido pela organização PanAmazonia, sempre com novos argumentos e com a obstinação atávica de seu arcabouço genético/familiar. Na semana passada, repercutimos uma de suas premissas para descrever o alcance da economia do Amazonas e de seu Polo Industrial em Manaus como provedores de benefícios de relevante impacto a favor do consumidor brasileiro.
Temos clareza de que não há alternativas, nem a curto nem a médio prazo, e talvez nem a longo prazo, para substituir a Zona Franca de Manaus, sua magnitude, importância e necessidade que este programa de desenvolvimento regional ganhou ao longo desses 55 anos.
Esta é a observação mais inquietante deste pós-cinquentenário, pois traz ao debate o leque de alternativas que teríamos para diversificar a modelagem de desenvolvimento sustentável que foi costurada desde os anos 60. E, com absoluta certeza, a ZFM é o programa de combate às desigualdades regionais com o mais acertado portfólio de resultados, relevantes e admiráveis. E o que explica o fato do poder central impor a redução de impostos federais como IPI por exemplo, no qual se baseia este programa, entre outras ameaças que podem vir por aí?
Seja qual for a resposta, resta-nos a obrigação inadiável de oferecer alternativas consistentes para reduzir essa distância econômica e tomar as rédeas do nosso destino. Cabe recordar que a Zona Franca de Manaus foi criada com dois objetivos pelo governo militar em 1967: reduzir as desigualdades regionais e manter a integridade territorial, objetivos geopolíticos essenciais para a conjuntura social e econômica da época. E além disso, como fruto virtuoso de uma rotina fabril, instalada no coração da maior floresta tropical do planeta, contribuímos para a preservação ambiental dessa floresta em pé. Ou seja, o bioma não foi tratado como insumo econômico da sobrevivência ou sustento social. Com isso, foi preservada 97% da cobertura florestal original do Amazonas, concentrando na capital as correias de transmissão de renda, emprego e generosos tributos. O desafio maior de interiorização do desenvolvimento ficou retido tanto pelas restrições proibicionista de diversificação econômica, como pela abundância de recursos gerados em Manaus, e precariamente gerenciados em favor dos ribeirinhos. E o outro resultado, do qual já falamos na discussão anterior e que, muitas vezes, passa despercebido: o maior beneficiário da Zona Franca de Manaus não é o estado do Amazonas e sim o consumidor brasileiro. Sem sombra de dúvidas, este é um ponto extraordinariamente importante que nós temos fracassado em utilizar como argumentação de defesa de nossa economia.
Neste cenário, entretanto, usando o papel distributivo da balança, na relação Brasil/Amazonia, quem acaba se dá dando bem é Brasília. E aí cabe a pergunta: isso tem alguma importância para Brasília ou tanto faz na hora das decisões como aquelas que estão expressas nos recentes decretos federais, que descumprem acordos e zombam da Constituição. E não faz qualquer sentido fulanizar tais decisões ou adotar especulações que remetem à lenda do Boto Tucuxi para saber quem é o pai da criança. Contra fatos, confirma-se a regra, não bastam os argumentos. E chega de choramingar, não cabe autopiedade, muito menos aguardar o que o Brasil venha dizer para a tribo de Ajuricaba o que é preciso, ou possível fazer. A tese central de Jaime Benchimol está prenha de muitas razões. É inadiável, portanto, nutrir a criança, dar-lhe sustança, atenção e muito conhecimento para diversificar lições e gerar empreendimentos. Sem esquecer dos corretivos toda vez que o bruguelo se puser a choramingar.
Já sabemos que é o consumidor brasileiro, que compra produtos de qualidade, preços convidativos, padrões top de modernidade, com direito a assistência técnica e até, se for o caso, a reposição dos produtos. Assim como sabemos que, no apurado final, quem mais saem abençoados são os cofres federais. Entretanto, é sensato e coerente reconhecer que a Zona Franca de Manaus é uma enchente de bonança arrecadatória para o governo do Amazonas, com níveis de arrecadação estadual e também federal similares aos estados mais ricos do Brasil. O Polo Industrial de Manaus coloca o Estado no clube dos 8 maiores contribuintes da Receita Federal. E por que insistem em mexer num time que está ganhando. O time pode estar se dando bem, mas o Amazonas ostenta um dos mais deploráveis indicadores de desenvolvimento humano, com 11 municípios entre os mais baixos IDHs entre os 50 piores do país. Ou seja, a torcida está, como se diz por aí, na maior pindaíba. Considerando a receita estadual de 2021, teríamos R$ 5400/por indivíduo, uma distribuição de renda, entretanto, que só se dá nos indicadores dos sites oficiais, basta percorrer a periferia da capital e os municípios do interior para entender porque o IBGE considera o Amazonas e o Maranhão com os mais deploráveis indicadores de extrema pobreza.
Tese de doutorado na USP, e um recente trabalho feito pelos economistas locais, com base nos dados da Receita Federal e Fazenda Estadual, a propósito, mostram que mais de 70% dos recursos produzidos pelas empresas incentivavas da ZFM são apropriados pela União. Ou seja, estamos fazendo muito pouco por nós mesmos. Como assinala Jaime Benchimol, somos o único estado do Norte do Brasil que manda mais recursos para Brasília do que recebe. Sejam quais forem as razões dos decretos, que anulam nossas vantagens comparativas e, assim, quebram o acordo legal firmado com as empresas, nós temos motivos muito mais urgentes e vitais para virar este jogo. Voltaremos ao assunto para avaliar os cenários e alternativas de diversificação da economia de que dispomos.
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