Por Giordano Bruno Costa da Cruz
Você já viu dinossauro defensor de meteoro? Temos alguns.
Inevitavelmente, a vida nos prega várias peças ao longo do caminhar. Achei que advogado criminalista defensor de Direito Penal do inimigo fosse a última que veria. Errei. Fui surpreendido com advogados tributaristas insatisfeitos com determinação judicial para cumprimento de benefícios fiscais previstos constitucionalmente.
O caso em análise é a recente decisão cautelar do ministro Alexandre de Moraes na ADI nº 7153, ingressada pelo Partido Solidariedade. O governo federal editou quatro decretos seguidos reduzindo ou zerando a alíquota de IPI de vários produtos, sem ressalvar aquilo que é produzido na Zona Franca de Manaus (ZFM). A justificativa para tanto (se verdadeira) é louvável: redução da carga tributária. Entretanto, tais medidas, da forma como foram executadas (sem verdadeiramente excepcionalizar os produtos da ZFM), acabam com o modelo previsto constitucionalmente no artigo 40 do ADCT [1].
Em virtude disso, vários legitimados ativos ingressaram com ações diretas de inconstitucionalidades: governador do estado do Amazonas, Partido Solidariedade, Conselho Federal da OAB e a mesa da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas.
Na ADI em comento, o ministro Alexandre de Moraes acolheu as razões do autor e concedeu medida cautelar para suspender tais decretos somente em relação aos produtos produzidos na ZFM que possuem processo produtivo básico. No restante, os decretos permanecem válidos e aplicáveis.
Após isso, surgiram alguns tributaristas aduzindo que a cautelar concedida gera insegurança jurídica e é de difícil aplicação prática. Observe. Aduziram que a determinação judicial para respeito a benefício fiscal previsto constitucionalmente causa insegurança jurídica. Não seria o contrário? Para eles, a insegurança jurídica não seria causada pelo descumprimento de benefício fiscal previsto constitucionalmente, mas o contrário.
Imagine o investidor nacional ou estrangeiro sabendo que no Brasil há uma área livre de comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais (artigo 40 do ADCT), mantida até 2073 [2]. Ressalto. Não é um benefício fiscal estabelecido em papel de pão ou em portaria de Secretaria de Fazenda. O benefício fiscal tem previsão constitucional e duração até o ano de 2073!
Sabedor de toda essa garantia e previsibilidade para seu investimento, o investidor reúne seus diretores e seu Conselho de Administração e decidem investir alguns bilhões de dólares na região amazônica. Após tais investimentos, a empresa está desempenhando suas atividades, gerando lucro pra si própria (o que é o que se espera do desempenho de uma atividade empresária), emprego e renda para a população local e tributos aos entes federativos.
Eis que começam a perceber que aquela segurança jurídica para gozo de benefícios fiscal previstos constitucionalmente não é tão segura como imaginavam. A tributação fora da área de livre comércio passa a ser menor do que na própria região incentivada. Aqueles atrativos e diferenciais econômicos que lhe disseram que durariam até 2073 vão se esvaindo já em 2022. Onde está a insegurança jurídica? Na decisão do ministro Alexandre de Moraes ou no descumprimento do artigo 40 do ADCT?
Ainda há juízes em Berlim.
O papel fundamental e óbvio de qualquer Corte Constitucional é fazer prevalecer a Constituição estabelecida. A decisão do ministro relator fez isso.
A aplicabilidade de tal decisão não é impossível e nem de hercúleo trabalho como querem fazer crer. Basta que haja diálogo entre União, Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) e estado do Amazonas que se conseguirá chegar a todas as NCMs produzidas na ZFM com processo produtivo básico aprovados. É assim em qualquer Estado democrático de Direito. Os problemas sociais são todos solucionados com o exercício da política, queiramos ou não. Quando há recusa ao diálogo entre as partes, o Poder Judiciário é acionado. O diálogo entre os entes federativos deve ser permanente. Continuamos aqui sempre abertos ao diálogo e sempre intransigentes na defesa da Zona Franca de Manaus e da norma constitucional.
A ZFM não é uma escolha municipal ou estadual. Ao constitucionalizar esse modelo de desenvolvimento, a República Federativa do Brasil deixou bem claro que essa escolha é nacional.
A Zona Franca de Manaus não representa um privilégio à região amazônica, mas verdadeira opção constitucional de modelo econômico sustentável capaz de manter preservada 95% da mais importante floresta tropical do planeta. Manter a competitividade do modelo não significa privilégio a industriais aqui localizados, mas, sim, assegurar que o ciclo hidrológico da região central do continente seja preservado.
Alguém aí já leu sobre o fluxo de umidade, representativo de milhares de metros cúbicos de água, que corre da Amazônia para Sudeste, Sul e Centro-Oeste do Brasil naquilo que se convencionou chamar rios voadores? Depois da pior crise hídrica nacional dos últimos 91 anos, não imaginava que o imediatismo cego de alguns suplantasse as preocupações e adoção de medidas eficientes à manutenção da viabilidade da produção agroindustrial e da qualidade de vida nos grandes centros urbanos do país.
Manter a competitividade do modelo representa, ademais, a defesa da soberania nacional, na medida em que propicia a fixação da população brasileira em área de tão difícil fiscalização e controle quanto nobre e cobiçada do nosso território. Não nos esqueçamos das lições ainda preliminares de Teoria do Estado, de onde apreendemos que o povo é um dos elementos constitutivos do próprio Estado e fundamental à manutenção da sua soberania.
A manutenção da competitividade do modelo ZFM não é privilégio odioso à indústria nacional, senão representa uma opção legítima que minora a pressão antrópica sobre o mais importante bioma terrestre, preservando fauna, flora e comunidades tracionais, sendo veículo imprescindível à redução das desigualdades regionais e sociais.
A manutenção da competitividade do modelo ZFM, como redutor das desigualdades regionais e sociais, é fundamento (artigo 1°, I, CF) e objetivo (artigo 3°, III, CF) da República Federativa do Brasil. bem como princípio que rege a ordem econômica nacional (artigo 170, VI, CF).
A defesa da competitividade do modelo ZFM não deve ser bandeira apenas da população amazônica, mas front de todo brasileiro.
Também defendemos a redução da carga tributária em todo o país. Diminuição das alíquotas das contribuições sociais, PIS/Cofins e CSLL, desoneração da folha salarial e correção da tabela de Imposto de Renda Pessoa Física, por exemplo, são algumas medidas plenamente possíveis, com aptidão para fomentar a industrialização e economia nacionais e que respeitariam a ZFM.
É inaceitável aduzirem que decisão judicial que determina respeito ao artigo 40 do ADCT gera insegurança jurídica. Além do desrespeito à ZFM, o que também gera insegurança jurídica são exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (artigo 150, I, CF/88), utilizar tributo com efeito de confisco (artigo 150, IV) e instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão (artigo 150, VI)!
Em síntese, qualquer desrespeito às limitações do poder de tributar gera insegurança jurídica da mesma forma que o descumprimento do artigo 40 do ADCT.
Você consegue imaginar um tributarista afirmando que decisão judicial que proibiu a utilização de tributo com efeito de confisco gera insegurança jurídica?
Espero que nenhum meteoro esteja em direção à Terra. Há alguns defensores dele aqui.
[1] “Artigo 40 – É mantida a Zona Franca de Manaus, com suas características de área livre de comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais, pelo prazo de vinte e cinco anos, a partir da promulgação da Constituição”.
[2] A Emenda Constitucional nº 83/2014 prorrogou a duração da ZFM até 2073: “Artigo 92-A- São acrescidos 50 (cinquenta) anos ao prazo fixado pelo artigo 92 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.
Giordano Bruno Costa da Cruz é procurador-geral do estado do Amazonas.
Fonte: Conjur
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