Se a Zona Franca de Manaus acabar, os trabalhadores vão perder seus empregos. Estes trabalhadores irão buscar outros meios de sobreviver. Não terão outra alternativa que não seja pressionar a floresta, extraindo recursos daí e destruindo por meio das diversas formas já conhecidas, principalmente queimadas e desmatamento.
Farid Mendonça Júnior
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É muito fácil atacar a Zona Franca de Manaus sem conhecê-la, sem estudá-la, sem sentir todas as suas nuances. Sem estar aqui no meio da floresta amazônica, ilhado no meio de condições adversas. É muito fácil estar na Avenida Paulista, no escritório com ar condicionado. É muito fácil estar no Leblon, em Copacabana ou na Tijuca, aproveitando, além das belezas do Rio de Janeiro, as facilidades logísticas do ir e vir por diversos meios de transporte dentro do território nacional e para o exterior.
É muito fácil estar em Brasília, tomando decisões de políticas públicas sem conhecer uma calha dos diversos rios que nos banham, da diversidade das nossas etnias indígenas, do gigantismo do nosso território, da complexidade e do mistério da nossa floresta.
O objetivo inicial dos militares com a Zona Franca de Manaus era mais ocupar o território do que propriamente desenvolver. Era a máxima cunhada na época: integrar para não entregar.
Mas pelos acidentes da vida e carregados pelos acontecimentos políticos e históricos, a Zona Franca de Manaus deu certo. Trouxe desenvolvimento para o Amazonas. Crescemos de população, de instituições, de universidades, de fábricas, e de segmentos que compõem o Polo Industrial de Manaus. Multiplicamos o pão. Há tempos deixamos de “apertar parafusos”, de “fazer montagem”. Hoje nós fazemos sim diversos produtos por meio de sofisticadas e modernas linhas de produção, e também componentes, que não ficam atrás dos grandes centros industriais mundo afora.
Nós, Amazonenses, contribuímos para o Brasil em diversas formas: geramos emprego e renda para o nosso próprio povo, entregamos para o governo federal todos os anos mais tributos arrecadados do que recebemos, produzimos bens finais e intermediários de qualidade, ajudamos na preservação da floresta amazônica, contribuímos com uma imagem mais positiva do Brasil lá fora.
Toda a suposta renúncia que o governo federal alega, bem como diversos empresários Brasil afora, sobre a Zona Franca de Manaus simplesmente não tem lógica. Pois se a Zona Franca de Manaus não existisse, a grande maioria destas empresas não estariam produzindo em outro ponto do Brasil, mas sim lá fora. Portanto, não há como o governo “cortar incentivos para aumentar a arrecadação”, uma vez que não se corta o que não existiria.
Não há qualquer sentido atacar a Zona Franca de Manaus pelo ponto de vista ambiental. O Amazonas possui a parte mais preservada de sua floresta, são cerca de 95% de preservação. Os “Rios voadores”…. O quê???? Sim, é isso mesmo, os Rios voadores da Amazônia transportam água para o centro oeste e para o sudeste do Brasil, contribuindo para a chuva nestas regiões e para a produção de energia proveniente dos reservatórios das hidrelétricas (nossa maior matriz energética). Vide a crise hídrica que se abate há anos no Brasil e que se intensificou no último ano.
Se a Zona Franca de Manaus acabar, os trabalhadores vão perder seus empregos. Estes trabalhadores irão buscar outros meios de sobreviver. Não terão outra alternativa que não seja pressionar a floresta, extraindo recursos daí e destruindo por meio das diversas formas já conhecidas, principalmente queimadas e desmatamento.
O povo do Amazonas tornar-se-á presa fácil para as organizações criminosas, para o tráfico de drogas, e para os diversos tipos de crimes que se possa imaginar. Caos, desordem, distúrbio da paz social.
O modelo Zona Franca de Manaus é protegido pela Constituição Federal, com prazo até 2073. Os legisladores por meio de emenda constitucional assim decidiram. Foram os representantes do povo. Isso foi uma escolha, política, mas foi. Não se pode simplesmente por mero capricho de um presidente e de um ministro que se diz da “Economia” condenar toda uma região ao caos social e à miséria, ainda mais sem qualquer contrapartida.
A Ministra Rosa Weber como relatora no julgamento do Recurso Extraordinário 592.891 assim se manifestou sobre a Zona Franca de Manaus: “A meu sentir, a opção do legislador em assegurar a Zona Franca de Manaus até o ano de 2073, a perfazer aproximadamente um século sob a ordem constitucional vigente, não somente reflete que o projeto tem desempenhado o seu papel, perpassando gerações, mas que vai além do desenvolvimento regional, enquanto centro industrial, comercial e agropecuário que se soma aos demais parques econômicos do Brasil, verdadeiro motor do crescimento do país”.
Continua a Ministra: “Cumpre, assim, a Zona Franca de Manaus, por um lado, o seu relevante papel de promover a redução das igualdades regionais e sociais, bem como, por outro, colaborar com a preservação da soberania nacional, auxiliando na defesa do território brasileiro, pela ocupação física de área da nossa geografia cujas riquezas e importância são reconhecidas internacionalmente”.
Muitos são aqueles que me perguntam sobre novas matrizes econômicas. “Por quê não fizeram?”, “Foram mais de 50 anos jogados fora”. “Estes politicos não fizeram nada”.
Não é bem assim. Podemos ter divergências com o político A, B ou C. Mas muito foi feito sim na região. Cada um avançou da forma como dava, ou da forma como se encontrava limitado no seu tempo e espaço. O turismo avançou sim no Estado do Amazonas. Não chegou no ponto que desejamos, mas avançou. Ultimamente a pandemia lhe fez retroceder.
A mineração avançou pouco, mas alguma coisa avançou. Enfrentamos diversos tipos de burocracias e problemas ambientais ligados a instituições estaduais, mas também federais.
A pesquisa nas universidades e institutos de pesquisa também avançou, especialmente na Universidade Federal do Amazonas – UFAM, na Universidade do Estado do Amazonas – UEA, no INPA. Mas não avançou tanto a ponto de transformar a nossa economia e de fazer com que a gente pudesse transformar “conhecimento em nota fiscal”, ou seja, transformar conhecimento em produto. Apesar de que temos sim startups e diversos tipos de negócios explorando produtos locais.
Poderia explorar aqui diversas outras áreas e apontar diversas outras situações. Mas, lamentavelmente, o que mais vejo é que nós desconhecemos muito sobre a nossa economia e sobre as nossas potencialidades.
Além disso, é muito fácil só ficar criticando governos e políticos. Enquanto que sabemos por vasta literatura da ciência econômica que no capitalismo quem realmente transforma a economia são as empresas, por meio de empresários e trabalhadores, juntos com o conhecimento e a inovação que brota das universidades.
Chegamos onde deu pra chegar. Devendo reconhecer que no grande sistema capitalista global, somos periferia. O Brasil é periferia do capitalismo, e nós também somos.
Poderíamos e podemos mudar esta realidade. O Brasil poderia enxergar a Amazônia e suas riquezas como uma grande oportunidade e nos ajudar a nos desenvolver, o que pode ser muito bem vindo com capital estrangeiro também.
Mas, infelizmente, o Brasil não nos enxerga desta forma. Somos o “meio do nada”, somos os “índios selvagens”, somos os “mal acostumados a receber incentivos”, somos uma “região inóspita”, somos o “povo do Norte,”, somos os que “atrapalham o Brasil”. Enfim, o preconceito impera contra a gente.
A redução do IPI anunciada em 25 de fevereiro de 2022, seguida dos demais decretos, tornando o provisório em uma situação permanente em 15 de abril de 2022, mesmo diante das promessas do governo federal e das tratativas de negociação não nos deixa outra saída que não seja a busca por justiça, precisamente no STF.
O partido Solidariedade e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil manifestaram a decisão de ingressar na justiça, precisamente no STF em face dos referidos decretos.
Atitudes de coragem e que merecem ser respeitadas e aplaudidas por todos os cidadãos Amazonenses, pois uma coisa é inegável, você, Amazonense, depende da Zona Franca de Manaus, de uma forma ou de outra. E como já dizia o ditado: “farinha pouca, meu pirão primeiro”! Pois antes de ser brasileiro, eu sou Amazonense.
Somos poucos em meio a aproximadamente 210 milhões de brasileiros, mas somos valentes e fazemos a diferença!
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