Daniel Souza Corrêa, pesquisador da Embrapa Instrumentação (São Carlos – SP), participou de audiência pública promovida pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados para discutir os impactos da crise global de semicondutores no Brasil. A escassez mundial de chips que está afetando, principalmente a indústria automotiva, pode comprometer também a oferta de componentes eletrônicos usados no desenvolvimento de tecnologias para impulsionar a agricultura brasileira.
O emprego de semicondutores é importante na fabricação de componentes eletrônicos como diodos, transístores, celulares, computadores, veículos e outros de diversos graus de complexidade tecnológica, microprocessadores e nanocircuitos usados em nanotecnologia, área em que a Embrapa Instrumentação atua pioneiramente.
O centro de pesquisa sedia um dos oito Laboratórios Estratégicos integrado ao Sistema Nacional de Laboratórios em Nanotecnologia (SisNANO) do Ministério de Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTIC). O elemento semicondutor é primordial na indústria eletrônica e confecção de seus componentes.
A audiência pública realizada em formato virtual ocorreu em atendimento aos requerimentos assinados pelos deputados Alceu Moreira (MDB – RS) e Vitor Lippi (PSDB – SP). Além de Daniel Corrêa, que representou o presidente Celso Moretti, o debate reuniu 17 representantes de diversos setores da sociedade, envolvendo academia, indústria, associações, institutos públicos e privados e órgãos da administração federal direta.
Corrêa agradeceu o convite em nome do presidente da Embrapa e parabenizou a Câmara dos Deputados, por meio da Comissão, pelo apoio e valorização da pesquisa científica voltada para o agronegócio, incluindo ações de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa Instrumentação.
Ao lembrar a conexão do centro de pesquisa com a Câmara dos Deputados, o pesquisador lembrou que a criação da Comissão de Ciência e Tecnologia foi uma sugestão do professor Sérgio Mascarenhas, um dos fundadores da Embrapa Instrumentação, falecido este ano. Em 1972, o professor sugeriu ao presidente da Câmara dos Deputados a época, Ernesto Pereira Lopes, a instituição da Comissão, da qual participou posteriormente da reunião de instalação.
Fazenda do futuro será tecnificada
Engenheiro de materiais, Corrêa traçou um panorama da enorme importância dos semicondutores nas pesquisas e desenvolvimento de tecnologias para ampliar e fortalecer o agronegócio brasileiro. Alinhado a esse propósito, o pesquisador salientou que a Embrapa Instrumentação, centro temático de caráter multidisciplinar, mantém o foco de atuação atrelado a três pilares integrados entre si.
Em um dos elos está à automação, métodos avançados de análises e tecnologias digitais, que se conecta ao de soluções sustentáveis e mitigadoras de impactos ambientais, e ao de novos processos, insumos, nanotecnologia, bioprodutos e materiais avançados.
“Os semicondutores, então, são fundamentais para diversos setores da economia, incluindo o agronegócio. Com o conceito atualmente de smart farm, ou seja, da gestão agrícola integrando vários componentes eletrônicos, sensores, atuadores, GPS, drones e imagens de satélite, é fundamental que tenhamos uma indústria de semicondutores forte no país”, avalia.
Segundo ele, a fazenda do futuro será altamente tecnificada, com diversos sensores que utilizam semicondutores nas máquinas, equipamentos, tratores associados a sistemas de posicionamento global, conhecido pela sigla GPS, e transmissão de Big Data. “Sendo um setor de grande relevância econômica para o país, esta crise de fornecimento de semicondutores traz preocupação, porque maquinários, sistemas e sensores são dependentes desses semicondutores”, diz.
A Embrapa Instrumentação tem atuado, de forma intensa e dinâmica, na fronteira da utilização desses semicondutores e desenvolvimento de novos materiais. Exemplos citados pelo pesquisador são as pesquisas realizadas em dois laboratórios multiusuários e estratégicos para o país, o Laboratório de Referência Nacional em Agricultura de Precisão (Lanapre) e o Laboratório Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio (LNNA).
Entre as tecnologias, Corrêa destacou os robôs agrícolas e veículos autônomos que levam embarcados diversos sensores para coleta de informações do solo e de plantas. Outra pesquisa apontada pelo pesquisador, que envolve o emprego de semicondutores, são as plataformas para irrigação de precisão baseada na Internet das Coisas, bem como em sensores fotônicos e químicos para avaliação da qualidade de alimentos e da água, de nutrientes do solo, e de doenças em plantas e animais.
Nos laboratórios da Unidade, as pesquisas visam o desenvolvimento de equipamentos, sensores, componentes mecânicos, eletrônica embarcada, sistema computacional de geoinformática para tratar os dados massivos gerados em campo e produzir informações para a gestão de sistemas e processos relacionados do agronegócio.
Assim, o uso de semicondutores permeia os cinco principais temas de pesquisa da Embrapa Instrumentação, estando presente em pesquisas destinadas a mitigar problemas de cadeia produtivas de grande relevância, como a citricultura, vitivinicultura de precisão, algodão, soja, milho, pecuária leiteira, entre outras.
“Todas essas tecnologias estão diretamente relacionadas à eletrônica avançada e semicondutores, fundamentais para diversos setores, visando aumento da eficiência e da competitividade do agronegócio”, concluiu o pesquisador, lembrando que as estimativas internacionais apontam um mercado global de sensores de 287 bilhões de dólares em 2025.
Necessidade de política industrial
O deputado Alceu Moreira, ao contextualizar os motivos pelos quais, junto com o deputado Vitor Lippi, solicitou a audiência pública para discutir a crise dos semicondutores, disse que identificaram a necessidade urgente de se criar uma política industrial forte de Estado para o Brasil.
“A indústria brasileira ficou quase cinco décadas esperando o Brasil que nascesse do chão de fábrica, o Brasil moderno, dinâmico, competitivo. Cinco décadas depois nasce o Brasil altamente competitivo, mas vem da roça, da lavoura, do agro, inclusive com suas indústrias que são importantíssimas, o agro começa e termina no chão de fábrica”, afirmou o deputado.
Na indústria, no entanto, ele diz que, embora sejam qualificadas e competitivas, cada uma fica muito focada no seu setor. “Temos muita dificuldade em perceber que numa política industrial o dente da engrenagem de uma indústria tem que tocar o dente da outra, pra saber que um dia os valores e equipamentos estratégicos, não servirão só a uma, mas a indústria de todos, para não ficar vulnerável no mercado internacional”, diz Moreira.
Já o deputado Vitor Lippi disse que não há um país com as dimensões e tamanho do Brasil em que a questão da indústria não seja fundamental. “O agro é muito importante, mas o Brasil não consegue oferecer mais pra sua sociedade, para geração de empregos qualificados, cadeias produtivas, tecnológicas, de fornecedores, que não passe por uma indústria forte”.
Segundo o deputado, uma indústria forte é relevante ao Brasil em todos os sentidos mas, principalmente, para a competitividade internacional. No entanto, deve passar por uma política industrial que, segundo o deputado, vem se desindustrializando ao longo do tempo. “A indústria brasileira já foi a oitava mais importante do mundo e caiu para a 14ª. Isso é um mau sinal, significa que lá fora estão conseguindo superar a política industrial do país”, afirma.
Lippi disse que um carro hoje usa cerca de 300 circuitos integrados e em breve serão 800. “Esse é um caminho sem volta. Será que, com o potencial de sermos um dos maiores produtores de silício, nós não poderemos produzir mais componentes eletrônicos e reduzir nossa dependência do exterior, ser um player”, questionou o deputado.
Paulo Alvim, secretário de Empreendedorismo e Inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), disse que os semicondutores, circuitos integrados são formas de agregar valor de uma forma muito eficiente e rápida que vai trazer produtividade, competitividade e que vai gerar oportunidades de inovação e de novos negócios.
O professor do Departamento de Economia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), André Roncaglia de Carvalho, vê na crise global de semicondutores uma oportunidade para o Brasil. Segundo ele, empresas que já atuam no ramo estão anunciando plano de expansão e a tendência é intensificar devido a crise, com investimentos nas produções para além da Ásia.
Defesa de incentivos
Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Semicondutores (Abisemi), o setor fatura mais de 3 bilhões de reais por ano e gera mais de 2,5 mil empregos qualificados. Por isso, as empresas ligadas ao setor defenderam no debate a manutenção dos incentivos fiscais previstos no Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores e Displays (Padis) até 2029.
De acordo com os participantes do debate, é preciso manter o programa para ampliar a participação do Brasil no mercado global de fabricantes de semicondutores, dominado por China, EUA, Taiwan, Coreia do Sul e Singapura. “Importamos US$ 5 bilhões em semicondutores, por isso, é fundamental para que o país tenha soberania em tecnologia, que robusteça programas como esse”, disse Paulo Alvim.
Os deputados sugeriram ao final do debate a elaboração de um documento, até a próxima quarta-feira, pelos representantes das instituições participantes da audiência pública, para convencer o presidente da Câmara, Arthur Lira, a colocar em votação o Projeto de Lei 3042/21, de autoria de Lippi, que prorroga a vigência dos benefícios do Padis até 2029.
Outra sugestão é a criação de duas subcomissões, uma para discutir a produção estratégica de semicondutores no Brasil e a outra para pensar em estratégias para a formação de capital humano voltado à alta tecnologia.
Fonte: Embrapa
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